sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Para além das homenagens

Elas recebem flores, são convidadas para um almoço ou jantar romântico, ganham presentes, o comércio lhes apresenta ofertas tentadoras e a mídia dedica grande parte de seus espaços, com dados, entrevistas, comentários. Está no ar o oito de março — Dia Internacional da Mulher. Claro que isso é gostoso. Entretanto, essa homenagem temporal não basta para que as mulheres se sintam plenamente satisfeitas durante o resto do ano, como cidadãs inteiras e respeitadas. O que falta para além das homenagens?

Para buscar uma resposta é necessário rever o que já foi conquistado. Nesse ponto, merecem destaque as lutas para alcançar direitos como o de votar e ser votada, acesso à universidade e ao mercado de trabalho e a igualdade de direitos na legislação civil.

As mulheres continuam lutando e, para fortalecer esta luta, se uniram em uma articulação nacional. Em 2002, a Articulação de Mulheres Brasileiras promoveu uma conferência, onde foi aprovada a Plataforma Política Feminista, um dos mais atuais e completos documentos. A Plataforma aponta o que é necessário para que as celebrações do oito de março extrapolem as homenagens tradicionais.

Um dos princípios básicos do documento, para a efetivação da igualdade entre mulheres e homens, é tratar todos os temas com radicalização democrática, tendo como base os direitos humanos universais. Deve-se ter em mente também a diversidade das mulheres em relação à raça/etnia, idade, classe social e ambiente. Com isso, muito das injustiças e desigualdades, no mundo da família, do trabalho e da sociedade, seria superado.

É importante que sejam respeitados os direitos reprodutivos e os direitos sexuais, observando-se a perspectiva da igualdade, bem como a implementação de políticas públicas afirmativas que incorporem as dimensões de gênero, raça/etnia e geração.

A assistência integral à saúde das mulheres deve ser amplamente respeitada. A função social da maternidade precisa ser considerada como parte do universo social, assim como deve ser reconhecido o direito das mulheres de ter ou não ter filhos. Uma questão de saúde pública seria o reconhecimento, a descriminalização ou a legalização do aborto como um direito de cidadania, bem como a garantia de atendimento imediato, na rede pública, às mulheres que decidirem interromper a gestação nos casos de aborto previstos pelo Código Penal e de má-formação fetal.

Nessa mesma linha, vem a necessidade da revisão da Lei de Planejamento Familiar. O direito de decidir, de forma individual sobre a esterilização, em igualdade de condições, para mulheres e homens, traria o pleno exercício autônomo e responsável da sexualidade e dos direitos reprodutivos.

Ainda existe uma desigualdade marcante na divisão sexual do trabalho, agravada pela discriminação racial e geracional. Os riscos na organização do trabalho são diferenciados para mulheres e homens. As mulheres sofrem maiores agravos à sua saúde física e mental, em situações de assédio sexual, moral e/ou psicológico.

Apesar da legislação existente, ainda são praticadas exigências de teste de gravidez para admissão ou permanência no emprego. Não existem berçários e creches suficientes nos locais de trabalho. Não há, também, o reconhecimento da função social do trabalho realizado no âmbito doméstico, trazendo como conseqüência a divisão entre os sexos das tarefas ali realizadas.

É indiscutível a dupla jornada de trabalho das mulheres. Também são elas as responsáveis pelo cuidado com a prole, os enfermos e os idosos. Isso prejudica a permanência e ascendência no mercado de trabalho.

A prática de violência física, sexual, psicológica e simbólica constitui um enorme empecilho à plena cidadania das mulheres. Convivemos com a violência doméstica e familiar de forma dramática e a ausência de uma legislação específica traz um vazio para soluções dessa questão. Convivemos também, de forma assustadora, com o tráfico de mulheres e meninas, com vista à exploração sexual.

Dentre a grande variedade de problemas vivenciados pelas mulheres, ainda poderíamos apontar a cultura patriarcal, o racismo, a xenofobia e o sexismo existente na sociedade brasileira. Assim, a promoção de uma cultura de respeito à diversidade, fundada na valorização dos direitos humanos universais e da solidariedade, na afirmação do direito à diferença e à eqüidade, é necessária para que as mulheres, em qualquer oito de março, possam comemorar esse dia não apenas com homenagens simbólicas. Que junto com as flores, venha o atendimento integral à saúde, que o presente seja a autonomia de decidir sobre o exercício da maternidade, que os almoços ou jantares sejam livres de violência, que as ofertas do comércio também sejam de creches, acesso e promoção no trabalho e que a mídia não perpetue a ditadura do modelo ideal de beleza que pouco tem a ver com a maioria das mulheres brasileiras.

*Iáris Ramalho Cortês: Advogada, é assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). Membro do Diretório Regional do PPS-DF.

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