sábado, 18 de dezembro de 2010

Políticas para mulheres e mulheres na política

Em entrevista à CartaCapital a cientista social Tatau Godinho faz uma análise da situação da mulher na política, fala sobre desigualdade de gêneros e da postura da oposição diante de uma mulher na presidência

Desde o início da campanha eleitoral Dilma Rousseff gerou uma expectativa entre as mulheres brasileiras em relação à questão feminina na política. Passado o segundo turno e conhecido o resultado, o Brasil ganha uma mulher como presidente, a primeira da história, eleita com 56% dos votos válidos contra 44% para o oponente José Serra.

Para fazer uma análise dos ganhos da população feminina com a eleição de Dilma à presidência, o site de CartaCapital entrevistou a cientista social dedicada à temática do feminismo e política, Tatau Godinho. Ela acredita que “as questões relacionadas aos direitos das mulheres vão ser colocadas na agenda política de forma muito mais cotidiana”. Mas isso também depende de uma presença mais forte do movimento de mulheres para que sejam feitas mudanças no sentido progressista. E avisa: “o campo da oposição provavelmente se apoiará em uma agenda conservadora em relação aos direitos das mulheres, como já ocorreu nas eleições.”

A Paula Thomaz

CartaCapital: Como você vê a situação da mulher hoje na política em termos de participação e de políticas voltadas ao gênero feminino?
Tatau Godinho:
A presença das mulheres na política tem aumentado nos últimos anos. Em termos de políticas públicas, questões específicas voltadas à saúde das mulheres, o combate à violência e mesmo uma ampliação nos horizontes profissionais têm sido alvo de atenção dos governantes. Mas uma alteração mais profunda nas desigualdades entre homens e mulheres ainda está por vir.
Quanto à participação, no entanto, os espaços da política mais institucionalizados ainda são um gueto masculino. Fala-se muito na necessidade da presença das mulheres, mas o fato é que direções dos partidos, no parlamento, nos cargos executivos e de direção, as mulheres ainda aparecem como uma exceção.
E isso reflete uma realidade presente em, praticamente, todas as outras áreas da sociedade. O comando das empresas, as direções dos jornais, de outros meios de comunicação, por exemplo, ainda são lugares onde a presença das mulheres é quase simbólica.

CartaCapital: Existem mais mulheres que homens no Brasil, a mulher é responsável, em muitos casos, pela educação dos filhos, tem contribuição efetiva na sociedade, tem um dia internacional dedicado a ela. Por que quando se trata de política tudo isso parece se reduzir?
TG:
A ampliação da presença das mulheres no mundo público, isto é, fora do âmbito da família, continua totalmente vinculada a uma sobrecarga colocada sobre elas em relação ao cotidiano, à vida familiar, ao cuidado com as pessoas. As mulheres assumem novas tarefas, mas muito pouco se alterou nas relações de poder. E a política é o espaço concentrado das dinâmicas de poder na sociedade.
É ali que são definidos boa parte dos grandes grupos de interesses, dos destinos dos países. Obviamente, as disputas políticas não ocorrem apenas nos espaços tradicionais ou institucionais. Mas é um sintoma da fragilidade da democracia a exclusão tão recorrente das mulheres.

CartaCapital: Quais os avanços poderão ser conquistados pelas mulheres, na política, com a eleição de Dilma Rousseff à presidência da República?
TG:
Sem dúvida uma mulher na Presidência da República já representa, de saída, uma quebra de barreiras. O principal cargo político do país é uma referência necessária para os debates, as articulações políticas, para as mais diversas áreas em torno das quais a sociedade se mobiliza. Tem uma influência importante, também, no imaginário social em relação às mulheres. Mas as mudanças mais concretas, em termos de políticas, dependem da insistência que a presidenta tiver em fortalecer uma agenda voltada para a igualdade.
As questões relacionadas aos direitos das mulheres vão ser colocadas na agenda política de forma muito mais cotidiana. E é muito importante uma presença mais forte do movimento de mulheres para que isso seja feito em um sentido progressista. O campo de oposição, provavelmente, se apoiará também em uma agenda conservadora em relação aos direitos das mulheres, como já ocorreu nas eleições. Por isso, para garantir um avanço, acredito que seja necessário que a sociedade se mobilize no sentido de possibilitar um efetivo avanço de direitos. Dilma Rousseff tem um histórico de atuação rompendo espaços em áreas muito fechadas às mulheres e, acredito, que isso dará a ela uma boa experiência de como lidar em um ambiente adverso.

CartaCapital: O que muda na bancada feminina no Congresso com a eleição de Dilma? TG: As deputadas e senadoras têm uma oportunidade inédita de fortalecer sua voz no Congresso. Mas é preciso se apoderar dos sinais indicados pela futura presidenta, de que valoriza o aumento da participação política das mulheres, e consolidar novas lideranças nas disputas concretas que compõem o dia a dia do Congresso. Esse é um momento privilegiado para que as parlamentares mulheres reforcem sua presença e, mais especialmente, para que a bancada feminina apareça como uma forte articuladora de reivindicações de políticas que incidam sobre a desigualdade entre mulheres e homens. Para isso é necessário que a atuação se paute por uma plataforma ampla, que não fique apenas em temas de menor incidência, ou nas áreas que são consideradas tradicionalmente mais receptivas à participação das mulheres. Há questões fundamentais em relação ao mundo do trabalho, no âmbito da política econômica e de desenvolvimento, da previdência, ou a reforma política e partidária, como mencionado anteriormente, que são muito importantes.
Isso vai depender da atuação das parlamentares comprometidas com essa agenda. Ampliar o número de mulheres é muito importante, mas mudanças reais para as mulheres só ocorrerão se isso se combina com uma agenda de propostas e reivindicações para alterar as condições de desigualdade e discriminação vividas pelas mulheres.

CartaCapital: Em reunião de transição dos ministérios na segunda-feira 8, Dilma anunciou que quer mais mulheres no primeiro escalão do governo. O que achou dessa atitude da presidente?
TG
: É muito positivo que Dilma tenha acenado, logo de início, com a importância de ter uma presença maior das mulheres em cargos chaves do governo. Com certeza os partidos vão resistir. Afinal, dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Nem na física nem na política. E a concentração masculina nas redes de direção é brutal. Não são apenas os dirigentes partidários. Isso inclui os quadros do parlamento, das direções sindicais, das universidades ou outras entidades da sociedade. A insistência da presidenta em compor um governo com maior presença de mulheres obrigará os partidos, e toda a sociedade, a discutir a questão.
Em outros países, houve um processo semelhante. Como na Espanha, por exemplo. E isso cria, de fato, possibilidades de mudanças.

CartaCapital: Falando de gênero, para você as mulheres são iguais aos homens, têm necessidades específicas ou lhes faltam alguns privilégios concedidos aos homens?
TG
: Quando se fala em igualdade entre mulheres e homens, o sentido é a igualdade social e política. É evidente que na sociedade os homens têm imensos privilégios em todos os âmbitos: renda mais alta, acesso a melhores postos e empregos, mais tempo de lazer, dominam os espaços de poder político e econômico na sociedade. E isso se articula com todas as vantagens que têm no campo da vida pessoal e familiar, em relação ao cuidado com os filhos, ao trabalho doméstico, e nas questões ligadas à sexualidade. É isso que é preciso mudar. Há um pensamento conservador que atribui às mulheres um papel centrado na maternidade e na família. Isso é cultivado. É um mecanismo que justifica a falta de responsabilização masculina. Assim os homens ficam livres para o poder, enquanto as mulheres cuidam da sobrevivência. É essa a divisão que precisa ser superada na sociedade. Naturalizar o papel das mulheres na família, na maternidade, nas funções do cuidado é negar às mulheres a posição de igualdade e racionalidade e, em última instância, deixar as funções de direção e poder efetivos da sociedade, a elaboração da cultura e da ciência para os homens.

CartaCapital: Chegaremos a um dia em que a desigualdade de gêneros será superada?
TG
: Eu acredito que sim. Para uma superação efetiva das desigualdades é preciso uma mudança mais geral. A sociedade capitalista absorve e rearticula as relações de dominação compondo uma dinâmica de desigualdade que favorece a exploração, a concentração de renda, a manutenção de padrões de opressão em diversos níveis. A superação da desigualdade de gêneros é uma perspectiva libertária, de uma sociedade livre com seres humanos vivendo em plenitude suas capacidades. E isso exige a mudança do modelo de sociedade atual, em que as desigualdades são parte da organização necessária das relações sociais. Mas isso não significa jogar as reivindicações para um futuro distante e abstrato. É preciso investir para que as mudanças sejam implantadas desde agora. Toda mudança é um processo político e social que envolve também conflitos. E nós não podemos deixar de enfrenta-los.

CartaCapital: Qual tem sido a importância da Secretaria de Políticas para Mulheres desde a sua criação?
TG
: A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres foi uma iniciativa muito importante do governo. Ela buscou construir uma agenda para todo o governo. Em algumas questões, como a proposta de implantar uma política de combate à violência sexista, os avanços são mais claros. Em outras áreas, ainda há muito o que fazer. Os esforços da SPM em coordenar um plano geral de políticas para as mulheres são significativos e as dificuldades são muito grandes. É necessário uma consolidação maior dessa política no próximo governo.

CartaCapital: Como você acredita que a sociedade brasileira enxerga a falta do primeiro cavalheiro ao lado de Dilma?
TG
: Essa é uma discussão que demonstra o grau de conservadorismo na sociedade. Afinal, a discussão só existe porque os espaços de poder são considerados lugares para os homens e não para as mulheres. O cargo de primeira-dama é a pior simbologia do atraso em relação às mulheres: significa que o lugar para elas é de esposa, e não de dirigente. É a reafirmação de que para as mulheres o espaço legítimo é o mundo privado e não a esfera pública, como é o caso da política. Além do mais, isso ainda se combina com o clientelismo que enxerga a política de assistência social como caridade e não como direito!
Chama a atenção o quanto mesmo os setores pretensamente mais modernos da sociedade reforçam esse papel e esse lugar para as mulheres. E, inclusive, criticam as mulheres que se recusam a aceitar esse papel. Que, sendo mais informal, é tudo de atrasado, de medíocre e de “brega”.
Uma mulher na presidência tem, além de tudo o mais, a vantagem de nos livrar dessa discussão.

CartaCapital: Chamar Dilma de presidente ou presidenta faz diferença?
TG
: É uma questão simbólica. Não é decisiva mas possibilita marcar o significado da eleição de uma mulher para a presidência. E forçar um pouquinho a Língua Portuguesa a se adaptar a um mundo de homens e mulheres também nos cargos, carreiras e funções
antes ocupados apenas por homens.

Entrevista a Paula Thomaz CartaCapital/16 de novembro de 2010 às 17:12h

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Acabar com a miséria é exequível, com um empurrão das mulheres

LENA LAVINAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A presidente eleita Dilma Rousseff acena com a erradicação da miséria. É auspicioso que o Brasil da segunda década do século 21 vislumbre eliminar por completo níveis de destituição extrema, que colocam em xeque a humanidade de alguns milhões de brasileiros.

A retomada do crescimento de forma sustentada, a geração de quase 14 milhões de empregos formais e os ganhos reais do salário mínimo ainda não foram suficientes para, juntamente com os programas de transferência de renda, fazer da miséria traço do nosso passado. São indigentes 12,4 milhões.

Esses mesmos fatores, ao associar numa mesma dinâmica virtuosa política macroeconômica e política social, hão de nos permitir avançar em direção a essa meta, porque agora lastreados por investimentos em infraestrutura social.

Na sua plataforma de governo, Dilma destacou a criação de 6.000 creches, previstas no orçamento do PAC 2011. É pouco, considerando o deficit da oferta: 82% das crianças até três anos estão fora da creche, percentual que sobe para 93% entre as pobres. Na faixa de quatro a cinco anos, o deficit de cobertura é menor, mas ainda significativo, 25% e 33%, respectivamente.

Ora, se homens e mulheres se beneficiaram com a retomada do crescimento econômico, as oportunidades para as mulheres pobres foram mais tímidas.

Sua taxa de atividade é de 51%, ante uma média nacional de 67%. Já a taxa de atividade masculina é de 88% na média, recuando ligeiramente para 82,1% no caso de homens adultos pobres.

Significa dizer: de cada 10 homens na faixa etária adulta e produtiva, sejam eles pobres ou não, cerca de 8 são ativos.

No caso das mulheres, observa-se um diferencial importante: na média, 2 em cada 3 brasileiras se declaram ativas, ante 1 em cada 2 mulheres pobres.

Enquanto as mulheres ocupadas que pertencem aos 20% mais pobres da cauda da distribuição trabalham em média 28 horas por semana, entre os 20% mais ricos a jornada remunerada feminina semanal é de 40 horas.

Os homens de todas as faixas de renda trabalham em média 40 horas ou mais, e dificilmente poderiam ir além. O que mais pode contribuir para fazer recuar a pobreza extrema é permitir às mulheres trabalhar. Mais e melhor. Ter uma ocupação que lhes permita usufruir de jornadas de tempo integral, com maiores salários, quem sabe até com carteira assinada, é o que vai elevar consideravelmente a renda familiar e afastar da miséria alguns milhões de famílias.

Para elevar a taxa de atividade das mulheres pobres, elas precisam dispor de creches para suas crianças. Quem tem dinheiro pode pagar por esse serviço. Quem não tem, é pego na trama do imobilismo da miséria.

Inúmeros estudos e pesquisas já demonstraram que as mulheres cujos filhos em tenra idade frequentam creche registram níveis de renda familiar bem mais altos.

Investimentos sociais em infraestrutura que liberem a força de trabalho feminina são a melhor maneira de combinar políticas de equidade de gênero com redução da miséria.

As mulheres não querem ser depositárias do ideário liberal de que são as mais capazes de gerir "eficazmente" a escassez. Não são milagreiras para fazer render um benefício médio de R$ 90,00 mensais.

Uma mulher na Presidência com o potencial produtivo de tantas outras mulheres pode tornar exequível, senão erradicar por completo a miséria, ao menos torná-la
residual. Para a alegria da nação brasileira.

LENA LAVINAS é professora associada do Instituto de Economia da UFRJ

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Almira Rodrigues fala sobre o Aborto

(Brasília, Distrito Federal, Brasil - Comunique-se - ) Iniciei minha atuação política em movimento feminista na década de 80, ainda em Belo Horizonte. Quando retornei a Brasília, em 1986, vinculei-me ao Fórum de Mulheres do DF. Este movimento teve sucesso em várias lutas na cidade: criação da Delegacia de Mulheres; criação do Conselho dos Direitos das Mulheres do DF; campanhas contra a violência contra as mulheres; participação na luta pelos Direitos das Mulheres na Constituinte; inclusão dos direitos das mulheres na Lei Orgânica do Distrito Federal; adoção do programa do aborto legal na rede pública, apresentação de Plataforma Feminista para os candidatos da cidade em períodos eleitorais, entre outras ações.

Almira, participaste de um vídeo produzido pelo CFEMEA defendendo o aborto? Explique melhor o vídeo e sua posição?

Almira:
O vídeo “Por Todas as Mulheres” (http://vimeo.com/15358185) foi produzido pelo CFEMEA, uma importante ONG feminista, e pela produtora de vídeos Illuminnati, antes das eleições. Passa a idéia de que as mulheres não devem ser criminalizadas por realizarem o aborto. Faz a denúncia de que muitas mulheres morrem anualmente pela realização de abortos inseguros. Defende o direito de as mulheres decidirem frente a uma gravidez indesejada - levar a termo a gestação ou realizar a interrupção da gravidez. Defende o direito de escolha das mulheres. Esta é a posição dos movimentos feministas do Brasil e de todo o mundo. Compartilho desta posição.

Porque a questão do aborto se tornou crucial no segundo turno da eleição e não questões economicas, políticas e etc?

Almira: O segundo turno das eleições teve um destaque para a questão do aborto em um determinado momento. Tanto a candidata Dilma quanto o candidato Serra se posicionaram contra o aborto e apresentaram posições conservadoras sobre a questão. Verificou-se que o tema na verdade foi muito mal tratado e utilizado de forma a conquistar votos de setores religiosos em detrimento da consideração da dramática situação das mulheres. Estas posições viraram moeda de troca por votos de pessoas contrárias à interrupção da gravidez.

Porque discutir o aborto é tão importante em nosso país, e em outros países é questão irrisória, tranquila, compreensível?

Almira:
Acho que a conquista do direito de as mulheres realizarem o aborto foi difícil em todos os países. Na Europa e nos EUA a luta iniciou-se já na década de 60 e não foi tranquila. A América Latina é um dos redutos mais conservadores e atrasados na conquista dos direitos sexuais e reprodutivos. Alguns países realizaram plebiscitos nacionais para definir sua posição sobre o aborto, mas na maioria dos países, a interrupção da gravidez foi aprovada e regulamentada pelo Poder Legislativo. No Brasil enfrentamos 21 anos de ditadura militar e esse contexto atrasou um pouco a luta pelo direito das mulheres interromperem a gravidez por escolha própria. Outro aspecto a ser considerado é a forte dimensão religiosa do povo brasileiro. Os governantes e os representantes do povo sempre se melindraram no enfrentamento de questões conflitavam com as forças religiosas. No entanto, considerando que o Brasil é um país laico, a função legislativa não poderia ser realizada a partir de dogmas religiosos e noções de pecado. A discussão sobre a interrupção da gravidez, bem como sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, sobre a eutanásia, entre outros temas, deve se pautar por uma bioética laica.

A maioria das mulheres brasileiras, repito, brasileiras incluindo da mais culta à mais humilde, vê a questão do aborto como você? Qual a visão da maioria, repito, maioria das mulheres brasileiras?

Almira: É difícil avaliar a visão da maioria das mulheres brasileiras sobre o aborto. Segundo algumas pesquisas, sabemos que 1 em cada 7 mulheres já abortou pelo menos uma vez; e que na faixa acima dos 35 a 39 anos, 1 em cada 5 mulheres já realizou um aborto. Ou seja, milhões de mulheres realizam abortos anualmente e destas, um percentual muito expressivo realiza o aborto em péssimas condições acarretando seqüelas e mortes. Os movimentos feministas, com o apoio de outros movimentos sociais, vêm afirmando a noção de que a maternidade não pode ser uma obrigação, mas sim uma escolha das mulheres. Vem ganhando força a perspectiva de que eticamente ninguém tem o direito de obrigar uma mulher a levar a termo uma gestação contra a sua vontade. Assim, o aborto é uma questão de autonomia das mulheres e de saúde pública.

Alguma coisa ficou pendente que gostarias de colocar em nossa entrevista?

Almira: É importante esclarecer que o aborto deve ser considerado no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos. Com certeza, o que todas as mulheres querem, são boas condições para prevenir a gravidez indesejada sem precisarem recorrer ao aborto (assistência médica e orientação para o planejamento familiar, acesso a métodos contraceptivos e esterilização); e, de igual forma, as mulheres querem boas condições para criarem os filhos que escolherem ter.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Valeu à pena sermos “desaforadas”!

Em março de 2005 o Editorial do Jornal Fêmea, escrito por mim, estava cheio de revolta diante do conselho que o presidente Lula deu a nós mulheres, no dia Internacional da Mulher, para que não fossemos “desaforadas” e não começássemos a “pensar na Presidência da República”.

Na matéria fiz uma retrospectiva dos nossos “desaforos” e encontrei a resposta na nossa luta para conseguir votar e ser votada, para entrarmos no mercado de trabalho, para termos 120 dias de licença maternidade, para deixarmos de ser “colaboradoras” e “com-sorte” do marido, pala lutar pelas cotas de mulheres na política e muitas outras reivindicações.

Apontei o porquê de precisarmos continuar sendo “desaforadas” para conseguirmos ganhar o mesmo salário dos homens para um mesmo tipo de trabalho, para deixar de sermos violentadas, assediadas, maltratadas, estupradas. Que precisamos continuar a ser “desaforada” para que a sociedade entenda que nossos corpos nos pertencem, que nossos úteros são parte de nós, que nós é que temos que decidir se e quando termos nossos filhos.

Cinco anos se passaram e o conselho do Presidente parece ter fermentado o íntimo das mulheres brasileiras e uma delas se colocou para enfrentar, com “desaforo” a feroz batalha contra magos da política nacional.

É verdade que aquele que há cinco anos pediu para que a mulher brasileira “não fosse desaforada para pensar na Presidência da República”, como que, medindo e pesando aquelas palavras, agora resolveu se redimir e apostar em uma mulher e apostou com todas as forças de seu poder presidencial.

Temos uma mulher eleita para Presidenta da República Federativa do Brasil e, como mulher que sonhava ver outra mulher na presidência, me dou o direito de dizer o que penso para não vê-la decepcionando as mulheres, pois afinal, também sou “desaforada”. E pergunto:
E agora Maria?

Escutei atentamente seu pronunciamento de vitória. Você nunca se intitulou “feminista”, mas, pelo seu histórico de vida sei que é uma guerreira e toda guerreira tem um pouco de feminismo, mesmo sem saber. Gostei do que falou das mulheres (aconselho um pequeno estagio na SPM para conhecer mais as diversidades de mulheres brasileiras – a brasileira não é a mulher e sim as mulheres).

Você vai ter que ser muito “desaforada” para enfrentar o que lhe espera. Vai precisar ser “desaforada” quando for escolher sua equipe (os gorgulhos do Poder estão de olhos nos cargos) que, esperamos, tenha um razoável numero de mulheres.

Vai ter que ser mais “desaforada” ainda, quando tiver que limpar a Corte Palaciana dos corruptos, fichas sujas, aproveitadores etc.

E quando tiver que decidir sobre o orçamento público aí sim seu “desaforo” deve ser implacável do contrário não erradicará a miséria.

O desenvolvimento econômico jamais deverá sobrepujar o desenvolvimento humano e para isto você vai ter que ser, mais uma vez “desaforada”.

E como você vai fazer para separar a religião da política sem ter que ser “desaforada” com os fundamentalistas de plantão?

Há cinco anos disse que além de “desaforadas” precisávamos ser mais apressadas para conseguirmos uma igualdade democrática, uma melhor distribuição das riquezas, maiores oportunidade de trabalho para homens e mulheres, repartição das tarefas domésticas para o cuidado com crianças, familiares idosos, pessoas com deficiência e doentes; políticas públicas realmente implementadas, com equipamentos sociais como creches, lavanderias e refeitórios públicos.

Muito disso só será concretizado se a educação do país incluir estas questões, sem discriminações, sem tabus, sem covardia, desde o ensino fundamental. É outro “desaforo” que terá que enfrentar.

Enfim, desejo que seja “desaforada” e “atrevida”, só assim marcará este país com sua passagem.

E, como há cinco anos, trago a mesma frase de Fernando Pessoa: “Tudo parece ousado para quem nada se atreve”.

Iáris Ramalho Cortês – sócia do CFEMEA
Brasília, 01 de novembro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Participação política das mulheres nas eleições 2010

Balanço das candidaturas

De acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres são 51,8% do eleitorado. Mais de 70 milhões de mulheres que podem definir os rumos da política brasileira através do voto. Contudo, o direito de ser votada ainda não é exercido inteiramente, como demonstram os dados das candidaturas femininas apresentadas pelos partidos políticos nas eleições de 2010.

A configuração majoritariamente feminina do eleitorado é uma tendência que se confirma desde 2000. Em 2006, 20,4% delas eram jovens de 16 a 24 anos. Atualmente, a maior parte das eleitoras está na faixa etária de 25 a 34 anos, 23,9%.

Foram apresentados 22.555 registros de candidaturas para o jogo eleitoral, em todo o território brasileiro. Destes, apenas 22,4% representam candidatas mulheres. Após a apreciação dos pedidos de registro das candidaturas pelos Tribunais Eleitorais, houve uma diminuição de dois pontos percentuais. Ainda assim, representa um aumento de 36% no número de candidaturas femininas aptas para todos os cargos em disputa em relação a 2006, com 14,1%.

Presidência da República
As eleições de 2010 contam com nove concorrentes para a Presidência da República, sendo duas mulheres. Elas não são as primeiras mulheres a disputarem o principal cargo político do país, contudo, são as primeiras com chances reais de chegarem ao poder e/ou de influírem em grande medida em um segundo turno.

Nas últimas eleições nacionais, em 2006, houve também duas candidaturas femininas, de Ana Maria Teixeira Rangel (PRP), tendo sido impugnada, e a outra de Heloísa Helena (PSOL) que seguiu com algum destaque, situando-se em terceiro lugar nas pesquisas eleitorais.

Governos estaduais
As candidaturas aos governos estaduais totalizam 163 candidat@s aptos, figurando somente 18 mulheres, 11%. Um decréscimo relativo a 2006, que somaram 26 mulheres, representando 12,7% do total de candidaturas.

Metade dos estados brasileiros mais o Distrito Federal, com a renúncia de Joaquim Roriz em favor de sua esposa Wesliam Roriz, têm candidatas ao posto de governadora. A região Nordeste sobressai com 50% das candidaturas ao governo.

Dos 27 partidos políticos, 11 concorrem com mulheres, em maior número o PSOL e o PSTU com três candidatas cada.

Apenas a candidata do PCO ao governo do Piauí teve sua candidatura impugnada.

Senado Federal
Concorrem ao Senado Federal 32 mulheres de um total de 241 candidatos. Elas perfazem o percentual de 13,3% demonstrando que houve, assim como para o governo estadual, uma diminuição no número de mulheres concernentes às eleições nacionais passadas. Em 2006, esse índice foi de 16%, com 35 candidatas.

Grande parte das unidades federativas teve candidaturas femininas, em apenas sete não há nenhuma candidatura feminina ao Senado, com destaque novamente para a região Nordeste que contou com 37,5% das candidaturas de mulheres ao Senado. O pior desempenho foi da região Centro-Oeste com 9,4%.

Agregando em posições ideológicas estereotipadas os nove partidos políticos que apresentaram candidaturas femininas para senadora (PCdoB, PCB, PP, PSB, PSDB, PSOL, PSTU, PT e PV), observa-se que as mulheres são mais recrutadas nos partidos ditos de esquerda e centro-esquerda do que nos partidos mais a direita do espectro político. Sabendo que, dadas as características do nosso sistema partidário, tais rótulos nem sempre são sólidos, tanto pelas profundas diferenças regionais no seio de cada legenda quanto pelo fato de que, por vezes, a filiação não indica uma vinculação efetiva com o programa do partido ou ainda considerando as alianças realizadas nas coligações.

Câmara dos Deputados
Do total de 6.028 registros apresentados pelos partidos, pouco mais de 22% configuram candidaturas de mulheres. Índice ainda aquém do estipulado pela Lei Eleitoral 9.504/97 que determina um percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas para os cargos proporcionais, obrigatórias desde 2009.

As candidaturas femininas consideradas aptas pelos Tribunais Eleitorais são ainda em menor número, representando 19,4%. São quase três pontos percentuais, o maior decréscimo observado em relação aos demais cargos. Embora, comparando-se com o pleito passado, mostra um incremento de 37,6% no número de candidatas à deputada federal. Esse acréscimo reflete uma tentativa ainda assaz insuficiente dos partidos políticos de cumprirem as cotas.

Um dado significativo é o alto número de impugnações de mulheres frente a sua desproporcional participação eleitoral. Elas configuram 39,6% da totalidade dos candidat@s impugnad@s. O que representa 24,8% de todas as candidaturas femininas apresentadas, ao passo que esse percentual para os homens é de pouco menos de 11%. As impugnações ocorreram em sua maioria devido ao indeferimento do registro e por renúncia. O indeferimento foi a causa de 74,1% das impugnações de candidatas, para 59,1% dos candidatos. Aventa-se que, não obstante o acréscimo no número de candidatas, as mulheres ainda figuram como um grande contingente das candidaturas pequenas.
São, em sua maioria, candidaturas pouco competitivas e recebem pouco ou nenhum apoio de seus partidos, inclusive no momento do registro. Os procedimentos formais e burocráticos foram, em grande medida, responsáveis por tamanho número de impugnações. Sem contarem com assessoria jurídica, seja para providenciar toda a documentação requisitada pelos tribunais, seja para interpor recursos e seguir na competição eleitoral, os critérios objetivos formais acabaram por inviabilizar muitas candidaturas.

O estado do Mato Grosso do Sul foi o único a alcançar mais de 30% de candidaturas femininas. Ao contrário do observado nos cargos majoritários é a região Nordeste que tem o pior desempenho de participação feminina nas eleições na disputa ao cargo de deputado federal com 14,3% das candidaturas de mulheres. Com destaque positivo para as regiões Sul e Norte com 22,8% e 22,7%, respectivamente.

A tendência dos partidos considerados de esquerda recrutar mais mulheres se confirma tanto para os cargos majoritários quanto para os proporcionais, uma vez que PCO 33,3%, PCdoB 26,2%, PMN 25%, PSTU 23,5% e PTB 23,4% foram os partidos com mais candidaturas femininas apresentadas proporcionalmente.

Traçando um perfil da candidata que disputa o cargo de deputada federal atinente ao seu grau de instrução, à faixa etária e estado civil, sua ocupação, pode-se aferir que 87,2% das mulheres têm nível médio completo, superior completo e incompleto para 85,5% dos homens. Em um rol de 169 ocupações, as mulheres se declaram em sua maioria, professoras 9,7%, donas de casa 6,7%, empresárias 6%, estudante 4,6%, advogadas 4,3%. Os homens são em sua maioria empresários 10,4%, deputados 8,3%, advogados 7,5% e comerciantes 4,9%. Outras ocupações perfazem 12,9%.
A maior parte dos candidat@s encontra-se na faixa etária de 45 a 59 anos, 48,2% dos homens, para 46,8% das mulheres. Contudo há um percentual significativamente maior de candidatas jovens, na faixa de 21 a 34 anos, 18,1 % para 9,9% dos homens.

O estado civil d@s candidatos revela outro significativo dado em relação às mulheres que participam da disputa política eleitoral. Enquanto 63,6% dos candidatos são casados, a ampla maioria de candidatas é formada por solteiras, divorciadas ou viúvas, um percentual de 60,2%. A ocupação de cargos eletivos e a própria competição eleitoral implica numa terceira jornada de trabalho, resultante da divisão sexual do trabalho, não havendo, via de regra, apoio do companheiro.

Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa do DF
Os percentuais da participação feminina na competição às Assembléias Legislativas e à Câmara Legislativa do DF não diferem substancialmente àqueles para a Câmara dos Deputados. Os registros de candidaturas femininas perfazem 22,8%, sendo que apenas 21% foram consideradas aptas para o pleito.

O índice de impugnações de candidatas foi extremamente alto, 36%, levando em consideração a proporção de mulheres que estão concorrendo. Foram impugnadas 19,9% das candidaturas femininas registradas, enquanto apenas 10% dos candidatos tiveram seu registro considerado inapto.

Para os cargos de deputad@ estadual e distrital também observou-se a concentração de candidaturas femininas nas regiões Sul 24,3%, Norte 23,4% e Centro-Oeste 23,4%, em contraste com as candidaturas para os cargos majoritário. O pior desempenho, assim como para deputad@ federal, foi da região Nordeste.

As listas partidárias com os maiores percentuais de mulheres foram mais uma vez aqueles mais à esquerda do espectro político ideológico PSTU com 45%, PCO 33,3%, PMDB 24,2%, PSC 23,6% e PPS com 23,5%.

O perfil da candidata à deputada estadual e distrital quanto a faixa etária é de meia idade. A maior parte dos candidat@s encontra-se na faixa etária de 45 a 59 anos, 47,7% dos homens, para 46% das mulheres. Contudo há um percentual significativamente maior de candidatas jovens, na faixa de 21 a 34 anos, 16,9 % para 12,6% dos homens.

Três candidatos são analfabetos, sendo duas mulheres. As mulheres são mais qualificadas que seus concorrentes do sexo masculino, 45,8% das candidatas cursaram nível superior completo, para 44,3% dos homens.

Relativo à ocupação, as mulheres se declaram em sua maioria, professoras 10,2%, donas de casa 6%, advogadas 4,7%, empresárias 4,4%, estudante 3,4%, Outras ocupações 19,6%. Os homens são em sua maioria empresários 9%, advogados 6%, comerciantes 5,9%, deputados 5,4% e Vereador 4,7%. Outras ocupações perfazem 15,6%.

Os dados foram retirados do site do TSE, com última atualização em 01 de outubro de 2010.
http://www.tse.gov.br/. Ver dados detalhados, a partir de julho de 2010, no site www.cfemea.org.br – temas e dados – poder e política.

sábado, 14 de agosto de 2010

Estatísticas das candidaturas 2010

Site disponibiliza estatísticas de candidaturas
Quarta, 11 de Agosto de 2010

O site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br acompanha o processo de julgamento das candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como até o momento pouco mais da metade dos 22 mil nomes foram considerados aptos, optamos por desenhar as tabelas em cima dos dados das candidaturas aptas até o início desta semana.

Segundo o levantamento feito na segunda-feira, dia 09/08, as mulheres representavam apenas 19,38% de todas as candidaturas, ou 2.632. Até este dia, apenas 13.583 nomes estavam aptos para as Eleições 2010.

Na tabela confeccionada pelo site em relação a todos os cargos em disputa, aparece a seguinte configuração de candidatas:

Presidência: 25%; Governos Estaduais: 9,735%; Vice-Governos Estaduais: 22,52%; Senado: 12,59%; Câmara Federal: 18,20%; Câmaras Legislativas: 19,58%; Câmara Distrital: 24,44%; 1º Suplente no Senado: 21,43%; 2º Suplente no Senado: 24%.

Chamam a atenção as candidaturas à Câmara Federal e às Assembleias Estaduais/Câmara Distrital, que por lei deveriam ser de no mínimo 30%. Mesmo que estes dados sejam preliminares, relativos às candidaturas aptas até o momento, na listagem geral disponível no site do TSE, de todas as candidaturas registradas, as mulheres são 22,23% das candidatas à deputada federal, 22,47% à deputada estadual e 25,4% à deputada distrital.

Em três tabelas, mostramos como estão estes números por regiões e unidades da federação.
Entre as regiões, a região Sul até o momento é a que tem o maior percentual de mulheres candidatas a deputadas federais, 23,75%, e deputadas estaduais, 25,24%. Os menores percentuais são verificados no Nordeste, 13,75% de candidatas a deputadas federais e 17,05% a deputadas estaduais.

Analisando a tabela que dispõe as informações de candidatas à Câmara Federal e às Assembleias Estaduais/Câmara Distrital, podemos entender o baixo percentual do Nordeste pelos números mais específicos em alguns estados, como Pernambuco, com apenas 7,65% de candidatas à Câmara Federal, o menor percentual, e a Bahia, com 11,22% de candidatas para o mesmo cargo.
Já o Maranhão apresenta o menor percentual entre os estados de candidatas a deputadas estaduais, 13,84%.

O único estado que cumpre as cotas é o Mato Grosso do Sul, no caso de candidatas a deputadas federais, 30,12%.

A conclusão óbvia é que não houve, até o momento, respeito à Lei 9.504/1997, revisada em 2009. Pela mudança aprovada, os partidos estão obrigados a preencher um mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas registradas de cada sexo nas eleições proporcionais. A mudança na redação da lei foi uma vitória das mulheres e resultado dos trabalhos da Comissão Tripartite, coordenada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, constituída por representantes dos poderes executivo, legislativo e de organizações da sociedade civil.

O principal problema para o não cumprimento da lei está sendo a divergência de entendimento do texto por parte dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), que são os responsáveis na observância do cumprimento das cotas.

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP), por exemplo, entendeu que não há como obrigar as coligações e os partidos políticos a preencherem a cota de 30%, em tese destinada às mulheres, no registro de candidaturas. O partido não pode ser prejudicado se não há mulheres interessadas nas vagas. Nos casos apreciados, não houve impugnação por esse motivo. Segundo o presidente do TRE/SP, Walter de Almeida Guilherme, a norma é mais uma “exortação” para que as mulheres participem do processo eleitoral e deve ser perseguida pelos partidos políticos, informou a assessoria de imprensa do TRE/SP.

Em Santa Catarina, entendimento parecido teve o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC), que definiu que partidos e coligações não precisam cumprir o preenchimento de 30% das candidaturas com pessoas de um sexo caso eles não ultrapassem a cota de 70% com pessoas do sexo oposto. A juíza Eliana Paggiarin Marinho explicou a situação. “Se é possível a inscrição de 100 candidaturas e o partido possuir 80 homens e 20 mulheres interessadas em concorrer, poderá inscrever apenas 70 homens, mas não lhe será exigido que apresente mais 10 candidaturas femininas para chegar aos 30%".

Segundo a juíza, "se por um lado a lei pode estabelecer políticas de promoção da igualdade, de outro não pode obrigar ninguém a concorrer. Se não existem mulheres filiadas ao partido interessadas em concorrer aos cargos, não se pode exigir que a agremiação desista das demais candidaturas ou, pior ainda, obrigue alguém apenas para cumprir a cota”.

Já no Rio Grande do Norte, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE/RN) ingressou com vários recursos especiais, junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o objetivo de resguardar a proporção que, de acordo com a legislação, deve ser observada na distribuição de vagas femininas e masculinas nas coligações eleitorais. Para o procurador regional eleitoral, Ronaldo Sérgio Chaves Fernandes, “o objetivo da determinação é pôr fim à discriminação entre sexos na democracia representativa. Não se pode simplesmente apontar dificuldades no cumprimento da lei para se esquivar do seu comando, sob pena de tornarem-se inócuas as normas jurídicas”.

No Amazonas, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE/AM) apresentou impugnações aos pedidos de registro coletivo de candidaturas de coligações e partidos políticos por não preenchimento do número mínimo de candidatas mulheres e por terem apresentado pedido fora do prazo legal. Na ação de impugnação, a PRE/AM pede que a Justiça Eleitoral determine às coligações que sanem as irregularidades, com o registro de novas candidatas femininas ou a exclusão de candidatos masculinos, segundo opção dos dirigentes partidários. Em caso de descumprimento da medida, a PRE/AM pede que o registro coletivo seja indeferido.

Confira as tabelas com as estatísticas de candidaturas aptas até 09/08 no site www.maismulheresnopoderbarsil.com.br
Eleições 2010 - Estatísticas de Candidaturas
Estatísticas de Candidaturas nas Eleições 2010 - Sexo - Candidaturas Aptas
Estatísticas de Candidaturas nas Eleições 2010 - Sexo e Cargo - Candidaturas Aptas
Estatísticas de Candidaturas nas Eleições nas Eleições 2010 - Sexo por Regiões - Candidaturas Aptas
Estatísticas de Candidaturas nas Eleições 2010 - Candidatas a Deputadas Federais por Regiões - Candidaturas Aptas
Estatísticas de Candidaturas nas Eleições 2010 - Candidaturas a Deputadas Estaduais por Regiões - Candidaturas Aptas
Estatísticas de Candidaturas nas Eleições 2010 - Candidaturas a Deputadas Federais e Estaduais por Unidade da Federação - Candidaturas Aptas

terça-feira, 3 de agosto de 2010

É perfeitamente possível alcançar o cumprimento de no minimo 30% das cotas

Foram 15 anos desde a primeira iniciativa para alterar o quadro de subrepresentação feminina até a sua exigibilidade no atual pleito eleitoral. Tempo hábil para que os partidos políticos fossem se adequando à necessidade de incorporar mais mulheres no seu cotidiano, criando instâncias específicas, investindo na formação política, destinando recursos e apoiando candidaturas. Dessa forma, não é justificável alegarem tamanha dificuldade para cumprirem a cota.

Segundo os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poucos foram os partidos que cumpriram o percentual exigido por lei nos estados, para os cargos proporcionais (Deputado Federal e Deputado Estadual/Distrital). Apenas o estado do Mato Grosso do Sul chegou ao percentual de 30,55% de candidaturas femininas para o cargo de deputado/a federal. Embora como unidade federativa tenha alcançado o índice estipulado, grande parte dos partidos sul matogrossenses não chegaram a esse percentual. Isso acontece devido a alguns partidos lançarem apenas um/a candidato/a e esta ser do sexo feminino. Ademais, para o cargo de deputado/a estadual a proporção entre os sexos ficou abaixo do fixado em lei, em 25,66%.

Em seguida estão os estados de Santa Catarina e do Rio de Janeiro com 28,9% e 28,53%, respectivamente, para o cargo de deputado/a federal. Para deputado/a estadual, Santa Catarina obteve a melhor colocação das unidades federativas, com 30,85% e o Rio de Janeiro em segundo lugar, com 28,26%.

Com os piores índices para deputado/a federal encontram-se Pernambuco, com 7,25%, e Goiás, com 10,49%. O Espírito Santo figura em último lugar para deputado/a estadual e Maranhão e Tocantins logo à frente com os percentuais de 14,66% e 14,72%, respectivamente. Os dois maiores colégios eleitorais, além do Rio de Janeiro, não se encontram em patamares tão superiores. São Paulo possui apenas 21,01% e 19% de candidatas mulheres à Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa, respectivamente, e Minas Gerais 15,21% e 14,84%.

A região Sul obteve o melhor índice de candidaturas femininas tanto para deputado/a federal quanto para estadual com 26,15% e 27,68% e a região Norte o pior também para ambos os cargos, com 17, 56% e 19,81%. Pode-se apontar uma tendência de que onde os TREs atuaram de forma mais rígida em relação ao cumprimento da lei, os partidos tiveram uma preocupação maior em apresentar sua lista em conformidade com o novo texto legal. Analisando os partidos políticos em cada unidade federativa para a disputa à Câmara Federal, observa-se também o descaso com a lei por muitos deles. A média dos partidos que conseguiram cumprir as cotas foi de 6,59 partidos em cada estado. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) não alcançou as cotas em nenhum estado e os Democratas (DEM) em apenas três. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tem o melhor desempenho, atingindo o número de candidaturas femininas necessárias para preencher o percentual exigido em lei em treze estados. Nas candidaturas para as Assembleias Legislativas e Câmara Distrital, o cenário é ainda pior. A média ficou em 5,59 partidos sendo que nos estados do Espírito Santo e Rondônia nenhum partido alcançou o percentual mínimo. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) observou a lei em 12 estados, o melhor resultado para o cargo, sendo os piores foram do Partido da Causa Operária (PCO), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Verde (PV).

Aliado a todo esse cenário desfavorável, teve-se ainda a decisão do TSE de não firmar entendimento em relação ao descumprimento da lei, delegando a decisão para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Dessa forma, nos estados onde houve uma atuação mais firme dos tribunais no sentido de se fazer cumprir a lei, obtiveram-se os melhores índices, segundo o levantamento realizado por José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE). Ainda conforme o pesquisador, já existem no país 2,5 mulheres para cada vaga em disputa na Câmara Federal e quase 3 mulheres para cada vaga das Assembleias Legislativas (e distrital). Nas palavras de José Eustáquio, portanto, não faltam mulheres candidatas e é perfeitamente possível o cumprimento do percentual de 30% mínimo para cada sexo. O que não é possível e nem justo é o TSE ignorar a mudança da Lei e fazer uma interpretação contrária ao caminho de uma maior equidade de gênero. O que tem de ser feito é diminuir a quantidade excessiva de homens candidatos.

O CFEMEA juntamente com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) encaminharam cartas para o TSE, TREs e procuradores regionais eleitorais, numa tentativa de suscitar o debate e sensibilizar os operadores do direito, cobrando uma postura firme para que a alteração da lei não reste como letra morta. Contamos que os Tribunais Eleitorais primem pela fiscalização e exigência do cumprimento da Lei 12.034/2009 no pleito que se inicia. Especialmente porque a lei atual superou a exigência de mera reserva de vagas por sexo para determinar o preenchimento obrigatório de no mínimo 30% (trinta por cento) e no máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Trata-se de uma mudança da regra legal que exige da mesma maneira uma mudança na postura para sua aplicação. Compreendemos, portanto, que nos pedidos de registros de candidaturas apresentados pelos partidos à Justiça Eleitoral existem mais candidaturas do sexo masculino do que as que a lei permite.

Um breve histórico

As cotas foram idealizadas com o intento de gerar medidas reparatórias no sentido mais concreto de proporcionar, nas disputas eleitorais de hoje, uma vantagem inicial às mulheres, compensando ao menos em parte os prejuízos devidos ao seu ingresso forçosamente tardio à arena política. Sua finalidade última é propiciar aumentos efetivos nos percentuais de mulheres presentes nas esferas de representação política como candidatas e, sobretudo, como eleitas. Além desse componente de caráter distributivo, a política de cotas possui o objetivo mais simbólico de alterar a cultura política, marcada por percepções de gênero que naturalizam as desigualdades.

Introduzidas pela Lei nº 9.100, em 1995, as cotas eleitorais no país estabeleceram as normas para a realização das eleições municipais subsequentes e determinou uma cota mínima de 20% para as mulheres. Este dispositivo foi revisado em 1997, com a Lei n.º 9.504, que estendeu a medida para os demais cargos eleitos por voto proporcional, ampliando o percentual anterior para 30% e mantendo-o em todas as eleições seguintes, tanto municipais quanto estaduais e federais. Contudo, em sua redação, a lei não exigia a obrigatoriedade de preenchimento dos percentuais, ou seja, os partidos e coligações não eram obrigados a preencher as vagas destinadas às mulheres. Caso o percentual mínimo estabelecido não fosse preenchido por um dos sexos, não poderia apenas ser substituído por homens, sendo possível, no entanto, deixá-lo em aberto, lançando as candidaturas disponíveis, sem que por isto haja alguma sanção sobre o partido.

Além disso, ao mesmo tempo em que instituiu a reserva de vagas para mulheres, a legislação ampliou o número de candidaturas que cada partido ou coligação pode apresentar. Essa característica dá abertura para que não existam deslocamentos de candidatos homens, frente ao maior número de candidatas mulheres. Isso porque a legislação aprovada em 1997 ampliou em 50% o número de candidatos que podem concorrer, ou seja, um partido pode lançar até 150% de candidatos para o total de vagas em disputa.A Lei 12.034, de 2009, alterou a redação da Lei 9.504 de “deverá reservar” para “preencherá”, ou seja, tornou obrigatório o cumprimento do dispositivo legal. Vale ressaltar que juntamente com essa alteração, outras duas medidas foram aprovadas com o objetivo de fortalecer a participação política feminina: 10% do tempo de propaganda partidária (e não eleitoral – proposta essa rejeitada pelos parlamentares do sexo masculino) e a destinação de 5% dos recursos do fundo partidário para a formação política e o incentivo à participação feminina. Nenhuma delas foram cumpridas pelos partidos. A mobilização feita no ano passado pelos movimentos feministas, pela própria Bancada Feminina por gestoras públicas (reunidas na Comissão Tripartite para a Revisão da Lei de Cotas, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) para a aprovação dessas e outras medidas (como a inclusão do quesito racial nas fichas de candidaturas; tempo de 30% mínimo para as mulheres nas propagandas eleitorais e partidárias; paridade nas candidaturas; e especialmente MULTA para os partidos que não cumprirem as cotas) foram rejeitas, para não dizer ridicularizadas pelos parlamentares do sexo masculino durante a tramitação da proposta. Ora, enquanto os partidos não compreenderem a participação das mulheres, bem como de outros segmentos da sociedade que sempre foram excluídos das instâncias de poder e decisão, como parte fundamental de uma democracia que se diz representativa, continuaremos vendo tal situação de impunidade. Impunidade essa que, infelizmente, o estado brasileiro – representados pelos tribunais eleitorais – tem sido conivente.

A exemplo da não aplicação da Lei Maria da Penha que temos visto em caso cotidianos e cruéis de assassinatos de mulheres em suas relações domésticas, estamos com mais uma situação de desrespeito aos direitos das mulheres. Temos leis que não são cumpridas. Até quando nossa cidadania será vista com tamanho desdenho? Os dados foram retirados do site do TSE, com última atualização em 26 de julho de 2010. http://www.tse.gov.br/

CFemea, julho/2010.

sábado, 10 de julho de 2010

Campanha eleitoral começa oficialmente: candidatas à presidência têm 49% das intenções de voto, mas menor intenção de escolha entre as mulheres

A segunda-feira, dia 05/07, foi o prazo final para o registro de candidaturas às Eleições 2010. Os nomes, agora, estão sendo analisados pela Justiça Eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral recebeu o pedido de registro de nove nomes de candidatas/os à Presidência da República. São eles: Marina Silva e Guilherme Leal (PV), Dilma Rousseff e Michel Temer (Coligação Para o Brasil Seguir Mudando – PT, PMDB), Rui Costa Pimenta e Edson Dorta Silva (PCO), Levy Fidelix e Luiz Eduardo Ayres Duarte (PRTB), José Maria de Almeida e Cláudia Alves Durans (PSTU), José Serra e Índio da Costa (Coligação O Brasil Pode Mais – PSDB, DEM), José Maria Eymael e José Paulo da Silva Neto (PSDC), Plínio Arruda Sampaio e Hamilton Moreira de Assis (PSOL) e Ivan Pinheiro e Edmilson Silva Costa (PCB).

De acordo com estes dados, as duas mulheres candidatas representam 22,22% dos registros e têm, juntas, quase 50% das intenções de votos, Dilma Rousseff aparece empatada com José Serra com 39%, e Marina Silva tem 10%, de acordo com a última pesquisa Ibope realizada nacionalmente com 2002 pessoas entre os dias 27 e 30 de junho.

A pesquisa também avaliou as intenções de voto em um possível segundo turno. Dilma Rousseff e José Serra também estão empatados em 43%. Apesar de ser a primeira vez que candidatas alcançam tais patamares, o Ibope e outras pesquisas anteriores mostram que as intenções de votos das mulheres na candidata com maior possibilidade de vencer são menores em relação ao candidato com o qual está empatada.

Na pesquisa em questão, Dilma tem 44% entre os eleitores e 34% entre as eleitoras, enquanto Serra tem 36% entre o eleitorado feminino e 41% entre o eleitorado masculino. As eleitoras indecisas, 9% - índice maior que o de eleitores, 5%, é que fazem a diferença.

Parece intrigante o fato de homens demonstrarem maior preferência em votar em uma mulher e, ao contrário, as mulheres terem menor intenção de votar na candidata, mas este último fato tem despertado maiores debates.

Recentemente, o professor e demógrafo, José Eustáquio Diniz Alves, titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE, chamou a atenção para a mudança do perfil do eleitorado brasileiro, que está envelhecendo e se feminilizando. As eleitoras já superam em 5 milhões os homens aptos a votar, verificando-se um crescimento de aproximadamente 100% da força eleitoral feminina em pouco mais de 20 anos, passando de 37 milhões, em 1988, para 70 milhões de eleitoras em 2010.

Segundo Alves, principalmente as mulheres “balzaquianas”, de 35 anos ou mais, “vão ter um peso cada vez maior no processo eleitoral brasileiro, influindo na decisão do voto e na agenda dos candidatos. Eu tenho absoluta certeza de que as 5 milhões de mulheres podem decidir as eleições presidenciais de 2010. Só não sei em quem elas preferirão votar, e se a decisão delas será a favor de uma mulher ou a favor de um homem”.

No artigo “A Reversão das Expectativas de Gênero nas Eleições 2010: Dilma na Frente entre os Homens e Serra na Frente entre as Mulheres” (2010), José Eustáquio diz que este poder do voto feminino já foi comprovado nas duas últimas eleições presidenciais. Caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tivesse tido a mesma votação entre o eleitorado feminino como teve entre o eleitorado masculino, ele teria ganhado no primeiro turno, tanto em 2002 quanto em 2006. “De certa forma, foram as mulheres que jogaram a decisão para o segundo turno, nas duas últimas eleições presidenciais”.

Ao contrário de Lula, “esperava-se uma diferença menor no caso da candidatura Dilma, pois sendo mulher, ela poderia ter uma maior identidade de gênero com o eleitorado feminino. Mas isto não aconteceu, pelo menos por enquanto”. Já Marina, ressalta Alves, ao contrário de Dilma, possui aproximadamente o mesmo percentual de intenções de voto entre o eleitorado de ambos os sexos, inclusive com ligeira vantagem entre as mulheres.

As maiores taxas de indefinição do voto das mulheres e o possível fato de serem mais exigentes na escolha da/do candidata(o) estão entre as possíveis explicações para o menor percentual de intenção de voto feminino, segundo o artigo. “Nesta perspectiva, as mulheres teriam maiores taxas de indefinição porque gostariam de conhecer melhor as candidaturas à presidência. Desta forma, a menor percentagem de votos em Dilma Rousseff seria parte de um comportamento de precaução na escolha do voto, por parte das mulheres, em decorrência da candidata ser novata na política e pouco conhecida do público feminino”.

Em outro artigo, “O Poder do Voto Feminino” (2010), a socióloga Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisas de opinião, fundadora do Instituto Patrícia Galvão e assessora de pesquisa da “TV Cultura”, também analisa o fato. O texto foi elaborado no contexto do Projeto “Mulheres em Espaços de Poder e Decisão” do Instituto Patrícia Galvão, que tem o objetivo de analisar a percepção das mulheres enquanto eleitoras, com base nos levantamentos sobre intenção de voto realizados por institutos de pesquisa de opinião para as eleições 2010 e eleições de anos anteriores.

“Historicamente tem-se observado que as mulheres aguardam que o quadro de informações das campanhas esteja mais completo e só se interessam mais fortemente pelas eleições quando o horário eleitoral gratuito começa e os debates entre os candidatos são realizados. Mais ainda, as eleitoras ficam na expectativa de algo que afete diretamente a vida da população, como propostas para a saúde, educação, desemprego e segurança, entre outras. Pela experiência das campanhas anteriores, sabe-se que esse processo de tomada de decisão sobre intenção de voto se dá mais consistentemente durante o período de propaganda eleitoral gratuita”.

A socióloga cita o fato do voto feminino ter levado ao segundo turno as eleições de 2006, porque as mulheres mostravam que ainda precisavam de uma segunda rodada de campanha para escolher seu candidato. Em 2006, na véspera do pleito, 19% das mulheres e 12% dos homens ainda estavam indecisos, situação repetida em várias eleições no passado.

Tal situação é a mesma apresentada em 2010, segundo o artigo de Fátima Jordão: mulheres aguardando as próximas etapas do processo e homens mais definidos em suas escolhas. Na pesquisa Ibope realizada no fim de maio, verifica-se na resposta espontânea que 36% estão indecisos, sendo 40% mulheres e 32% homens. Ou seja, o padrão observado se confirma neste estágio da campanha.

Há um mito arraigado, na mídia e no imaginário popular, de que mulher não vota em mulher, já que a grande maioria dos postos de poder é ocupado por homens. Esta ideia não se sustenta, pois em diversos países em que mulheres apresentaram candidaturas fortes, elas obtiveram votação expressiva, de eleitoras e eleitores. Na América Latina há os exemplos recentes e bem sucedidos das presidentes Laura Chinchilla (Costa Rica), Michelle Bachelet (Chile) e Cristina Kirchner (Argentina), afirma a socióloga.

“É importante lembrar que não faltam eleitoras que votem em mulheres, mas sim candidaturas femininas com estrutura partidária, apoio efetivo em termos de recursos, infraestrutura e tempo no horário de propaganda eleitoral. Historicamente, os partidos políticos são espaços de poder masculino”, segundo Fátima Jordão.

Ela também analisa os temas que mais interessam eleitoras e eleitores, podendo interferir em suas intenções de voto. Os homens mostram maior interesse pela esfera do jogo de poder (eleições, preferência partidária e conversa sobre política) e as mulheres estão mais sensíveis a políticas públicas nas áreas de educação e saúde.

“Nesta fase de pré-campanha que se encerra, os temas de maior visibilidade estavam ligados aos bastidores da política – alianças partidárias, composição de chapas, lutas internas entre aliados – que mobilizam mais os eleitores homens. Daqui para frente, começam a entrar nas campanhas os conteúdos de políticas públicas, que ganham mais a atenção das eleitoras. Nesta última fase, as mulheres se engajam mais fortemente, e as candidaturas poderão se beneficiar destas características do processo eleitoral”. A partir de agora, “os eleitores e, sobretudo, as eleitoras, terão olhos mais abertos para as campanhas. As propostas dos candidatos ganham mais foco nos debates, na propaganda e nos discursos. E as duas candidatas e os nove candidatos terão que olhar mais para as mulheres. Assim sempre foi e assim será nas eleições de 2010”.

Acesse os artigos na íntegra na seção de “Estudos e Pesquisas” do site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br

Feminização e Envelhecimento do Eleitorado e as Eleições 2010
Autoria: José Eustáquio Diniz Alves
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A Reversão das Expectativas de Gênero nas Eleições 2010: Dilma na Frente entre os Homens e Serra na Frente entre as Mulheres
Autoria: José Eustáquio Diniz Alves
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O Poder do Voto Feminino
Autoria: Fátima Pacheco Jordão
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Sexta, 09/07/2010

domingo, 4 de julho de 2010

A travessia da masculinidade*

O maior avanço contra o machismo está na criação dos filhos

“Ninguém mais se define como machista”, diz Luis Bonino, psiquiatra e psicoterapeuta especializado em homens e relações de gênero. “Mas ainda existe muito machismo encoberto”, acrescenta. “Houve mudanças, mas em aspectos superficiais”, afirma. Ele não gosta de recorrer ao conceito de masculinidade. “É um tipo de essência masculina onde se coloca qualquer coisa. Prefiro falar de um modelo masculino que se adapta às condições históricas em que vivem”, desmitifica.

Nas últimas décadas, a Espanha passou de um machismo em estado bruto a uma igualdade legal na qual sobrevivem práticas do velho modelo. É o que Bonino denomina de micromachismos. “A imagem masculina mudou, sobretudo no aspecto físico. E além disso, os pais se envolvem mais no cuidado dos filhos. Mas isso no ócio e no lúdico. A parte séria e dura fica para a mãe”, afirma.

Bonino reflete sobre o comportamento masculino há anos. Ele é crítico porque é homem e sabe do que está falando. Assim como sabe Mariano Nieto, madrilenho de 52 anos, funcionário do Ministério da Indústria e pai de três filhos, que pertence à organização “Stopmachismo, Homens contra a Desigualdade de Gênero”. Não se trata de um movimento propriamente dito. Apenas um pequeno grupo que se reúne uma vez por mês para combater a desigualdade a partir de seu próprio terreno. “Todos somos machistas. Temos muitos privilégios por sermos homens e achamos que, já que somos parte do problema, também somos parte da solução”, afirma.

“Ser a favor da igualdade não basta”, opina Nieto. “Às vezes a ideia de igualdade é distorcida ou utilizada em benefício próprio. Por exemplo, ao defender a custódia compartilhada dos filhos depois do divórcio, por decisão do juiz, sem mútuo acordo, argumenta-se a favor da igualdade, mas há homens que não cuidavam de seus filhos quando estavam casados e só se lembram deles ao se separarem”, denuncia.

Em algum momento de sua vida, os homens do Stopmachismo se encontraram com uma companheira, com amigas ou colegas de trabalho que os fizeram ver as desigualdades e injustiças que as mulheres ainda sofrem. “A violência de gênero é só a ponta do iceberg da desigualdade. Se os homens não se sentissem com poder para fazê-lo, não chegariam ao maltrato”, assinala. Bonino admite que os espanhóis têm uma consciência cada vez maior da igualdade, mas a maioria ainda vê a mulher como alguém que nutre ao homem. “Ela me enriquece”, dizem. “Não há reciprocidade”, explica.

O que mudou é o social, não a biologia, e isso revelou o ridículo de muitos mitos”, afirma María Ángeles Durán, catedrática e pesquisadora do CSIC. “As mulheres percebem estas transformações como uma mudança para melhor, enquanto alguns homens se ressentem porque perderam terreno e exclusividade. Mas ganharam em liberdade e em reconhecer que a vida pessoal é importante”, prossegue. Mudanças que ainda não terminaram.

Duran observa que a maternidade, ainda que seja uma dedicação permanente, cada vez ocupa menos tempo na vida da mulher como atividade puramente fisiológica. “Levando em conta que há 1,4 filhos por mulher, e cada gravidez dura nove meses, isso representa cerca de 3% da vida da mulher”, afima. A masculinidade também iniciou sua própria travessia. Depois de anos de fomentar uma imagem de poder, “agora são sucessivamente fortes e frágeis, solidários e agressivos... Reconhece-se sua individualidade”, continua Durán. Os filhos são mais uma de suas conquistas. “É uma relação que fica cada vez mais profunda. Eles conhecem e tratam seus filhos como nunca fizeram. Os homens se engrandeceram. A hombridade não era só a agressividade, mas também o afeto e a solidariedade”, conclui.

Houve uma época em que o homem era, antes de tudo isso, o seu gênero. A masculinidade, e nem sempre a individualidade, os definia. Seguindo sempre o mesmo molde, presos ou felizes dentro de seu papel dominante, destinados a fazer o nó da gravata em algum momento de sua vida. Integridade, valor, hombridade. Houve um tempo em que essas eram palavras intercambiáveis. E continuam sendo em algumas de suas acepções. Ainda que também se associassem com a força, a agressividade, o exercício da guerra. Um conjunto de temas que há tempos caíram em desuso. “O homem muda induzido pela mulher: o que ele faz é se adaptar”, afirma a socióloga Myriam Fernández Nevado. “A chave agora é a participação: há uma inter-relação pessoal e social mais participativa entre homens e mulheres. Não é tanto uma troca de papel ou de modelo, quanto de funções.”

O que resta então da hombridade? “No fundo resta muita coisa. Como conceito ficou ultrapassado. Mas os maus-tratos estão muito relacionados com a sobrevivência desses supostos valores”, assegura Mercedes Ferández-Martorell, professora de Antropologia Social e Cultural da Universidade de Barcelona. “Ainda que muitos homens estejam modificando suas condutas tradicionais, os antigos esquemas se reproduzem na transmissão de valores a seus filhos. Dentro das famílias não se percebe tanta evolução. É difícil encontrar pais e mães que vivam numa total cumplicidade, que sejam responsáveis por tudo na casa e compartilhem tudo”, continua. “Entre os jovens, as ideias são mais igualitárias, mas apenas as ideias...”, acrescenta.

“A hombridade foi se redefinindo porque não é possível que o feminino mude e o que o masculino não o faça. No passado o homem era o único provedor. Ele era obrigado a aparentar que podia com tudo. Agora perdeu seu caráter dominante por razões demográfica, de expectativa de vida. Já não pode ser assim”, argumenta Durán. “À hombridade eram vinculadas qualidades consideradas masculinas, como o bom humor, a serenidade e a inteligência, algo que já não se sustenta desde que as mulheres chegaram à universidade e ao mundo profissional. A educação mudou as coisas. Muitos desses valores eram considerados masculinos porque as mulheres não tinham chance de exercitá-los. Quando tiveram a possibilidade de fazê-lo, os incorporaram”, explica.

“As mudanças de modelo estão acontecendo principalmente nas classes médias e altas. Entre os adolescentes há muita diversidade. Depende dos valores educativos que seguem. Ainda se conservam valores populares ligados à masculinidade”, recorda. “Há menos machismo em seu conjunto, mas existe uma certa polaridade e o resquício é recalcitrante. A igualdade tem um preço alto para muitos homens: ou estamos por cima, ou estamos por baixo, parecem dizer”, afirma Bonino.

“Naturalmente, há resistências. Dentro da sociedade há núcleos ancorados no passado, com uma espécie de liturgia própria e alguns padrões de conduta mais rígidos, e então a mudança é mais custosa”, afirma Fernández Nevado. “Porque não muda só o comportamento, mas a mentalidade. Mas mudar não é errar, e sim buscar novas atitudes”, acrescenta.

Para alguns, também é difícil abandonar o machismo. Ser homem ainda têm muitas vantagens. “Por exemplo, os homens têm mais tempo livre. E entretanto, alguns se mostram irritados com a ascensão das mulheres. E culpam o feminismo por seus males”, explica Bonino. “Entretanto, os homens chiam quando têm seus direitos ignorados ou percebem que são vítimas, eles não ficam de braços cruzados, e surgem grupos anti-igualitários”. No fim das contas, “há homens que melhoram. Mas outros ficam pior”, sintetiza.

Brad Pitt, Patrick Dempsey, David Bisbal ou Antonio Bandeiras, tão diferentes entre si, representam o novo ícone masculino. Uns sempre com seus filhos nos momentos de ócio, outros sem ter medo de se emocionar em público ou de apoiar sua companheira nos maus momentos. Para muitas mulheres, o homem marcadamente varonil só interessa como imagem (e como identidade sexual), mas sem caráter de dominação. Nenhuma exibição de testosterona seduz a essas alturas. “Entretanto, nem todos os que são a favor da igualdade têm os mesmos motivos: uns querem corrigir a injustiça. Outros acham que a igualdade entre homens e mulheres os beneficia”, conclui Bonino.

Ainda que minoritários, há grupos de homens contra a desigualdade no País Basco, Madri, Andaluzia e outros locais. Com frequência realizam oficinas para analisar sua obsessão pelo poder. “Há pouco tempo organizamos umas oficinas para movimentos sociais e vimos que até entre os “okupas” (movimento de ocupação irregular de imóveis urbanos) sobrevive o machismo”, lembra Nieto. “Guardando as devidas proporções, alguns de nós se reúnem pelo mesmo motivo que os alcoólicos anônimos: para lembrar que continuamos sendo machistas, embora tentemos deixar de sê-lo”, argumenta. Com razão sua mãe costuma dizer à sua nora, a mulher de Nieto: “Mas você percebe a maravilha de homem que tem? Não há muitos assim...”

*Inmaculada de La Fuente / El País

'É impossível descrever a dor'

'É impossível descrever a dor', diz modelo sobre circuncisão feminina
Somali Waris Dirie escreveu livro que inspirou filme em cartaz esta semana. Em todo o mundo, até 140 milhões de mulheres sofrem com mutilação.

As histórias são parecidas: sem aviso, as meninas são levadas pelas mães a um local ermo, onde encontram uma espécie de parteira que as espera com uma navalha. Sem qualquer anestesia ou assepsia, a mulher abre as pernas das garotas - muitas vezes, crianças de menos de dez anos - e corta a região genital, num procedimento que varia da retirada do clitóris ao corte dos grandes lábios e à infibulação (fechamento parcial do orifício genital).

Com Waris Dirie não foi diferente. "Desmaiei muitas vezes. É impossível descrever a dor que se sente", disse em entrevista ao G1 a hoje modelo e ativista contra a mutilação genital feminina. Dirie nasceu num vilarejo da Somália e foi circuncisada aos cinco anos.

Após conseguir fugir de um casamento arranjado por seu pai aos 13 anos, ela foi parar em Londres, onde chamou a atenção de um fotógrafo. Dirie se tornou modelo internacional e uma ferrenha ativista contra a circuncisão feminina. Sua história, contada no livro "Flor do deserto", virou filme com o mesmo nome - em cartaz em São Paulo.

"É uma vergonha que uma tortura bárbara, cruel e inútil continue a existir no século XXI". Dirie diz que sempre sentiu que aquilo não estava certo e quando se tornou uma 'supermodelo' pode começar a luta contra a prática. Aos 45 anos, ela é fundadora de uma organização que leva seu nome e embaixadora da ONU contra a mutilação feminina.

Ela mora com a família em uma casa alugada na Etiópia e disse que está tentando convencer a cunhada a não circuncisar as filhas. "Estou confrontando a mutilação na minha própria família. Meu irmão tem seis meninas, todas menores de idade e que vivem no deserto. Minha cunhada quer mutilá-las. Por causa disso eu estou tentando trazer as meninas para um lugar seguro. Isso tira meu sono todas as noites."

Ocorrências
Estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que entre 100 e 140 milhões de meninas e mulheres vivem hoje sob consequências da mutilação - a maioria na África. A organização tem uma campanha contra a prática, que considera prejudicial à saúde da mulher e uma violação dos direitos humanos.

A mutilação ocorre em várias partes do mundo, mas tem registro mais frequente no leste, no oeste e no nordeste da África e em comunidades de imigrantes nos EUA e Europa. Em sete países africanos - entre eles Somália, Etiópia e Mali - a prevalência da mutilação é em 85% das mulheres.

Um estudo da ONG Humans Rights Watch de junho deste ano (clique para ler a pesquisa, em inglês) mostra que, no Curdistão iraquiano, 40,7% das meninas e mulheres de 11 a 24 anos passaram por mutilação.

Uma declaração da OMS de 2008 contra a prática diz que a mutilação "é uma manifestação de desigualdade de gênero, [...] uma forma de controle social sobre a mulher" e que é geralmente apoiada tanto por homens quanto por mulheres. Segundo o texto, algumas comunidades entendem a circuncisão como artifício para reprimir o desejo sexual, garantir a fidelidade conjugal e manter as jovens "limpas" e "belas".

"Não tem nada a ver com religião. Todas as meninas que são vítimas de FGM [mutilação genital feminina, na sigla em inglês] também são vítimas do casamento forçado. A maioria é vendida quando criança a homens mais velhos. Eles não pagariam por uma noiva que não é mutilada. É uma vergonha para nossas comunidades, para os países que permitem a prática. Os homens temem a sexualidade feminina, essa é a verdade", explica Dirie.

E ela não é a única a falar abertamente sobre o assunto. A médica egípcia Nawal El Saadawi, também circuncisada, chegou a ser presa em seu Egito natal após falar do tema e fazer campanha contra a prática. Sua história foi contada no livro "A daughter of Isis" ('Filha de Isis'), e em outros em que aborda a questão feminina nos países do Oriente Médio.

Danos à saúde
A OMS divide a prática em quatro tipos: o tipo 1 é a remoção total ou parcial do clitóris; o tipo 2 é a retirada do clitóris e dos pequenos lábios; o terceiro tipo envolve o estreitamento do orifício vaginal pela criação de uma membrana selante, corte ou aposição dos pequenos lábios e/ou dos grandes lábios (a chamada infibulação); o tipo 4 é qualquer outra forma de intervenção por razão não médica. Os primeiros dois tipos correspondem a 90% das ocorrências de mutilação, segundo a OMS.

De acordo com a ginecologista da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) Carolina Ambrogini, a circuncisão traz riscos imediatos, como hemorragia e infecção. "Não temos registros dessa prática no Brasil. A vagina é uma região muito vascularizada, e há perigo de sangramento intenso, infecção e até de morte. As consequências a longo prazo são um possível trauma psicológico e a perda do prazer na relação sexual."

Os casos de infibulação também trazem riscos durante o parto: segundo um estudo da OMS, a mortalidade de bebês é 55% maior em mulheres que sofreram procedimentos para redução do orifício vaginal.

Polêmica nos EUA
No começo do mês de junho, a Academia Americana de Pediatria (AAP) dos EUA emitiu uma declaração indicando que talvez fosse melhor que os médicos fossem autorizados a realizar uma forma leve de circuncisão feminina nas clínicas americanas do que deixar as famílias enviarem as filhas para os países de origem que realizam o procedimento de maneira rudimentar e sem segurança. O texto gerou polêmica e muitas críticas de organizações de direitos humanos - a mutilação genital feminina é proibida por lei nos EUA - e foi retirado pela AAP.

Em entrevista ao G1 por e-mail, a presidente da AAP, Judith Palfrey, disse que a AAP "é contra todas as formas de mutilação e nunca recomendou a prática. Uma confusão foi gerada a partir de uma discussão acadêmica". A relatora da declaração, Dena Davis, disse que médicos acreditam que algumas meninas estão sendo levadas a países africanos para a realização da prática, embora não haja dados sobre isso. "O objetivo do texto era educar os médicos para tentar orientar as famílias que pedem pelo procedimento."

A última declaração da OMS contra a prática afirma que o trabalho junto às comunidades está tentando reverter o costume e tem obtido sucesso em algumas regiões, apesar da lenta taxa de redução.

"A prática continua porque o mundo não toma nenhuma atitude séria contra isso, nem a ONU nem nenhum outro país do mundo. Encontrei muitos políticos. E ouvi muito blábláblá. Mas não vejo nenhuma atitude séria para acabar com esse crime", protesta Dirie.

Fonte: Universidade Livre Feminista
Sáb, 03 de Julho de 2010 / Giovana Sanchez - Do G1, em São Paulo

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Mulheres demandam prioridade para o financiamento do II PNPM na LDO 2011

Estamos nos aproximando do fim da execução do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e agora vamos discutir as diretrizes para o orçamento de 2011, o último ano do ciclo orçamentário. E para nós mulheres é lamentável o descompromisso de alguns setores do governo com o financiamento das políticas orientadas a justiça social e a igualdade de direitos para as mulheres.

Estudo realizado pelo CFemea aponta que a falta de recursos públicos até agora disponibilizados nos programas e ações orçamentárias que financiam o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, inclusive em relação ao previsto no PPA 2008-2011, é um obstáculo que impede as mulheres de exercer os seus direitos.

Governo não cumpre a meta de redução da mortalidade materna
Estamos longe de atingir a meta de redução de 15% da mortalidade materna traçada no II PNPM, entre 2008 e 2011. Estudo do CFemea mostra que nos últimos anos os recursos comprometidos com a saúde das mulheres no II PNPM tiveram execução muito baixa, em média 20%.

Dados governamentais projetam um aumento do número de mulheres que morrem em decorrência de complicações na gravidez, parto ou puerpério; 92% dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o atendimento médico fosse adequado.

Este é o retrato da falta de recursos para financiar o Sistema Único de Saúde: segundo o estudo, a ação de Atenção Integral à Saúde da Mulher teve apenas 44,8 milhões de reais previstos para o quadriênio (2008/2011). Menos ainda foi o que se gastou até agora - R$ 3,8 milhões.

As diretrizes orçamentárias para 2011 devem, portanto, assegurar prioridade e mais recursos públicos, em diferentes programas e ações de saúde para a atenção básica, de média e alta complexidade, assim como em ação específicas para atender o direito das mulheres à saúde.

Tendo em vista este cenário, o CFemea sugere emenda para garantir prioridade à saúde da mulher no PLDO 2011 que poderá beneficiar pelo menos 43,4 milhões de mulheres, segundo meta prevista no PPA.

Uma vida sem violência é um direito nosso!
Para que o enfrentamento da violência contra as mulheres seja efetivo, a existência de novos instrumentos legais (a exemplo da Lei Maria da Penha) deve ser acompanhada por uma série de políticas públicas amplas e bem-estruturadas.

Nesse sentido, há compromissos do Poder Público expressos no II PNPM e no Pacto de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres.

No entanto, apenas 1/3 dos 764 serviços especializados de atendimento às mulheres em situação de violência colocados como meta do II PNPM foram instalados até agora.

Um dos fatores é a insuficiência dos recursos públicos, já que as próprias leis orçamentárias anuais fazem cortes em relação ao previsto no PPA, autorizando menos do que previsto.

Ademais, a execução é prejudicada, pois parte considerável tem ficado retida pelo contingenciamento.

Disso resulta que os recursos executados pelos programas do governo federal que financiam as ações de enfrentamento da violência contra as mulheres estão longe do planejado para o quadriênio (2008-2011), variando entre um mínimo de 0% e máximo de 47%.

É fundamental que em 2011 haja mais recursos autorizados e prioridade assegurada para esses programas, que fiquem livres de contingenciamento, inclusive com proteção orçamentária para o programa 0156 – Prevenção e Enfrentamento da VCM, conforme propõem as emendas sugeridas pelo CFemea.

Mulheres exigem mais transparência e controle social
É impressionante como as políticas públicas não têm perspectiva real de enfrentamento das desigualdades de gênero na sua formulação, desenvolvimento e avaliação. A falta de informação pública é um obstáculo. Verificamos que vários Ministérios não divulgaram ainda os valores que estão destinando a financiamento das ações do II PNPM. É importante termos um controle social efetivo para que possamos identificar, dentro de cada ação orçamentária, os recursos que estão dirigidos ao II PNPM; e ademais informação sobre que impacto os gastos públicos estão produzindo sobre as desigualdades de gênero, raça.

Todos os anos a Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê a elaboração, pelo governo, de um relatório de impacto dos programas no combate às desigualdades nas dimensões de gênero, raça, etnia, geracional, regional e de pessoas com deficiência. No entanto, isso não tem sido cumprido.
Os movimentos de mulheres e feministas têm se dirigido, então, ao Ministério Público Federal, para denunciar o descumprimento desses e de outros dispositivos incluídos nas Leis de Diretrizes Orçamentárias do atual ciclo do PPA que nunca chegaram a ser efetivados.

Além disso, o CFemea propôs emenda que obriga o governo a elaborar e divulgar Metas Sociais, que devem estar diretamente relacionadas com a redução da desigualdade entre homens e mulheres e entre brancos e negros e, sobretudo, devem ser cumpridas com o mesmo empenho com que são cumpridas as metas fiscais.

Exigimos e reivindicamos
Que as Diretrizes Orçamentárias para 2011 expressem na lei o compromisso prioritário com o financiamento dos programas e ações orçamentários que viabilizarão o alcance das metas traçadas no II PNPM até 2011. E que o Orçamento de 2011 reflita a vontade política de orientar as finanças públicas à promoção da igualdade.

Transparência, informação sintética e objetiva para subsidiar e viabilizar a participação e controle social, no monitoramento das metas estabelecidas no II PNPM.

PLATAFORMA POLÍTICA DAS MULHERES DO PPS

PODER – Defesa e Promoção da/do:

• Garantia de condutas éticas e de responsabilidade social, eliminando práticas clientelistas, assistencialistas e corruptas, apoiando, entre outros instrumentos, a adoção do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais.

• Garantia de financiamento das candidaturas femininas, além de assegurar recursos para capacitação e formação política das mulheres e capacitação em gênero.

• Participação dos movimentos organizados de mulheres e demais movimentos sociais em instâncias de formulação e fiscalização/controle de orçamentos e de políticas públicas (conselhos e comitês).

• Criação e/ou fortalecimento de organismos formuladores de políticas públicas dirigidas à defesa da democracia e inclusão de sexo/gênero, etária, étnica, orientação sexual e condição social e econômica, com orçamentos próprios e mediante processos/representações legítimas.

• Fortalecimento da adoção de medidas afirmativas na política, mediante a implantação de cotas mínimas de 30% para ambos os sexos para as instâncias de direção e poder, atenção especial em termos de capacitação, apoio e estímulo à participação e representação das mulheres.


DIREITOS CIVIS E INTEGRIDADE PESSOAL – Defesa e Promoção da/do:

• Não discriminação por sexo/gênero, orientação sexual, etnia, condição física/mental ou social, idade, estado civil, religião, ideologia e origem e combate aos crimes de discriminação e de preconceito.

• Alocação de recursos públicos para a realização do exame de DNA para investigação de paternidade/maternidade à população de baixa renda.

• Direito à garantia de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo.

• Legalização do aborto. (A plenária do XVI Congresso Nacional decidiu pela descriminalização)


EDUCAÇÃO – Defesa e Promoção da/do:

• Educação pública e de qualidade em todos os níveis (infantil, fundamental, médio e superior), garantindo currículos escolares e materiais didáticos que respeitem as diferenças de gênero, etnia, etária, condição física/mental e social, de orientação sexual, religiosa, ideológica e de origem.

• Educação Infantil em especial (creches e pré-escolas).

• Educação informal e complementar (programas extracurriculares, de desporto, lazer e cultura).

• Educação formal de cidadania (ética e participação política) em todos os níveis escolares.

• Implantação da educação sexual nas escolas, com ênfase na prevenção da gravidez na infância e adolescência, DST/Aids; implementação à prevenção ao uso indevido de drogas.

• Criação e implementação de medidas de ações afirmativas para a população afrodescendente e indígena, visando à inclusão na educação formal e informal, e que se cumpra a lei 9.394/96 que trata da inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “história e cultura afrobrasileira”.

• Capacitação de professores de todos os níveis sobre questões de gênero.


SAÚDE/SEXUALIDADE – Defesa e Promoção da/do:

• Saúde Sexual e Reprodutiva: programas de prevenção e tratamento das DST/Aids; do câncer nos órgãos reprodutivos e de mama; programa de humanização do pré-natal e nascimento; assistência à concepção, garantia de todas as formas de contracepção e interrupção da gravidez

• Revisão, estruturação e humanização do SUS.

• Implantação pelo SUS, de programas voltados para a saúde mental, em especial de tratamento psicológico às mulheres em situação de violência e depressão pós-parto.

• Consolidação pelo SUS, do serviço de aborto nos casos previstos em lei (gravidez decorrente de estupro ou com risco de vida para a mulher) ou por decisão judicial (anomalias fetais).

• Desenvolvimento de programas e serviços para segmentos específicos, tais como: adolescentes, mulheres na 3ª idade, trabalhadoras, afrodescendentes, portadoras de deficiência, doentes ou lesionadas.

• Combate à utilização do estereótipo da mulher nos meios de comunicação e marketing.


VIOLÊNCIA DE GÊNERO – Defesa e Promoção da/do:

• Criação/fortalecimento de Programas e Medidas de Prevenção e Combate à Violência de Gênero, tais como: Centros de Referência da Mulher com atendimento social, jurídico e psicológico às mulheres em situação de violência; Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAM; abrigos temporários para as mulheres em situação de violência, acompanhadas de seus filhos; Lei Maria da Penha.

• Criação/fortalecimento das Defensorias Públicas, em todos os estados brasileiros, com núcleos de atendimento à mulher em situação de violência doméstica.

• Capacitação de servidores da área de segurança, da saúde e da educação para a temática de gênero e de direitos humanos.

• Combate ao tráfico interno de pessoas e o internacional de mulheres.

• Combate ao turismo sexual, que atinge particularmente as crianças e os/as adolescentes, com políticas públicas, e permanente campanha nacional.

• Combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes em âmbito doméstico e extrafamiliar.


TRABALHO/GERAÇÃO DE RENDA/TRABALHO DOMÉSTICO – Defesa e Promoção da/do:

• Programas e Medidas de Prevenção e Combate às discriminações contra as mulheres no mercado de trabalho, em termos de admissão, salário e benefícios, promoção, capacitação, ocupação de cargos de chefia e saúde da mulher.

• Reconhecimento e valorização do trabalho doméstico não-remunerado

• Elaboração/implantação de programas de formação, capacitação e aperfeiçoamento profissional para as mulheres (com inclusão à tecnologia digital).

• Programas de geração de renda e programas de renda mínima, com prioridade para as provedoras familiares.

• Garantia da valorização e do aproveitamento do conhecimento das mulheres no manejo, utilização e conservação dos produtos naturais e aplicação de valores socioambientais ecologicamente corretos.

• Defesa dos direitos trabalhistas e previdenciários: licença e salário maternidade, estabilidade das gestantes e adotantes, tempo e local adequado para amamentação, aposentadoria diferenciada, entre outros.

• Garantia dos direitos humanos, trabalhistas e previdenciários das trabalhadoras domésticas.

• Da erradicação do trabalho escravo e do trabalho infantil (com atenção especial na área do trabalho doméstico) com denúncias e exigências de punições.

• Visibilidade e publicização sobre os programas de geração de renda específicos para as mulheres.

• Divulgação, aplicação e conscientização dos direitos trabalhistas e previdenciários das mulheres.


Brasília, 21/6/2010
Última atualização:
I Encontro Nacional Eleitoral das Mulheres do PPS / Rio, agosto de 2009

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sou feminista

Florence Thomas Cofundadora del grupo Mujer y Sociedad
Facultad de Ciencias Humanas Universidad Nacional de Colombia, Marzo, 2008. Traduzido por Claudina Ramirez

Nunca declarei guerra aos homens; não declaro guerra a ninguém, mudo a vida: sou feminista.

Não sou nem amargurada nem insatisfeita: gosto do humor, do riso, porém também sei compartilhar a dor das milhares de mulheres vítimas de violência: sou feminista.

Gosto com loucura da liberdade, mas não da libertinagem: sou feminista.

Eu não sou pró-aborto, sou pró-escolha porque conheço as mulheres e creio em sua enorme responsabilização: sou feminista.

Eu não sou lésbica, e se fosse, qual seria o problema? Sou feminista. Sim, eu sou feminista porque não quero morrer indignada. Sou feminista e defenderei até onde eu puder o direito de as mulheres viverem livres da violência.

Sou feminista, porque eu acredito que o feminismo é hoje um dos últimos humanismos nesta terra desolada e porque eu aposto num mundo misturado, feito para homens e mulheres que não têm a mesma forma de habitar o mesmo mundo, de interpretá-lo e agir sobre ele.

Sou feminista, porque eu gosto de provocar debates nos lugares onde posso fazê-los. Sou feminista para movimentar ideias e colocar a circular conceitos; para desconstruir velhos discursos e narrativas, para destruir mitos e estereótipos derrubar papéis prescritos e imaginários emprestados.

Eu também sou feminista para defender os sujeitos inesperados e seu reconhecimento como sujeitos de direito como gays, lésbicas e transexuais, como idosos, como crianças, como descendentes indígenas e afrodescendentes e como todas as mulheres que não desejam dar à luz mais nenhuma criança que possa ir para a guerra.

Eu sou feminista e escrevo para as mulheres que não têm voz, para todas as mulheres, por suas inegáveis semelhanças e suas evidentes diferenças. Eu sou feminista, porque o feminismo é um movimento que me permite pensar também em nossas irmãs do Afeganistão, Ruanda, Croatas, Iranianas, que me permite pensar nas meninas africanas cujo clitóris foi arrancado e em todas as mulheres que são obrigadas a cobrir-se com véus, em todas as mulheres maltratadas pelo mundo, abusadas, estupradas e em todas as que pagaram com suas vidas por esta peste mundial chamada misoginia.

Sim, eu sou feminista, para que possamos ouvir outras vozes, para aprender a escrever o roteiro da humanidade, com sua complexidade, diversidade e pluralidade. Eu sou feminista para mover a razão e impedir que ela se fossilize num discurso estéril para o amor. Eu sou feminista para reconciliar razão e emoção e, humildemente, participar na construção de sujeitos “sentipensantes” como chamou Eduardo Galeano.

Eu sou feminista e defensora de uma epistemologia que aceite a complexidade, ambigüidade, incerteza e desconfiança. Sei agora que não existe uma verdade única, uma História com H maiúsculo, ou um sujeito universal. Há verdades, histórias e contingências que coexistem com a história oficial tradicionalmente escrita por homens, as histórias não oficiais, histórias de vidas particulares, histórias de vida que nos ensinam muito sobre o outro lado do mundo, talvez seu lado mais humano.

Por fim, sou feminista por tentar atravessar uma moral patriarcal das exclusões, dos exílios, dos órfanatos e guerras, uma moralidade que nos governa há séculos. Eu tento ser uma feminista no contexto de uma modernidade que, finalmente, cumpre sua promessa para todos e todas.

Como diz Gilles Deleuze "sempre se escreve para dar vida, para liberá-la quando ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga". Sim, vou tentar traçar para as mulheres deste país linhas de fuga que passem pela utopia. Porque acredito que um dia existirá no mundo um lugar para as mulheres, para suas palavras, suas vozes, suas demandas, seus desequilíbrios, seus transtornos, suas afirmações como seres iguais politicamente aos homens e diferentes existencialmente.

Um dia, num futuro não muito distante, eu espero que deixemos de atrair e perturbar os homens, deixemos de nos dividir em mães ou putas, em Marias ou Evas, imagens que alimentaram durante séculos o imaginário patriarcal, teremos então aprendido a fazer alianças entre o que representa Maria e o que significa Eva. Teremos aprendido a ser mulheres, apenas mulheres.

Nem santas, nem bruxas ou nem putas nem virgens, nem submissas, ou histéricas, mas mulheres, resignificando este conceito, preenchendo-o com vários conteúdos capazes de refletir novas práticas de si que nossa revolução nos entregou, mulheres que não mais precisem de amos nem maridos, mas de novos companheiros dispostos a tentar reconcilar-se com elas a partir do reconhecimento imprescindível da solidão e da necessidade imperativa do amor.

Por isso repito tantas vezes que ser mulher hoje é quebrar os velhos padrões esperados para nós, é não reconhecer-se como o que foi pensado para nós, é “extraviar-se”, como tão bem expressa a feminista italiana Alessandra Bocchetti. Sim, não reconhecer-se como o que foi pensado para nós. Por isso sou uma extraviada, sou uma feminista. E o sou, com o direito também de errar.

domingo, 2 de maio de 2010

O poder nas mãos delas (RevistaGEO)

Somente homens entendem a arte de governar? Esse preconceito foi contrariado há séculos por Elisabeth I e Catarina, a Grande, entre tantas outras governantes.

Por Mathias Mesenhöller
http://revistageo.uol.com.br/cultura-expedicoes/12/artigo167971-1.asp

Somente homens entendem a arte de governar? Esse preconceito foi contrariado há séculos por Elisabeth I e Catarina, a Grande, entre tantas outras governantes. Foi justamente a Democracia que baniu as mulheres do Poder. Mas desde os tempos de Margaret Thatcher elas estão voltando. Jamais houve tantas governantes como hoje. Elas se baseiam em outra tradição administrativa?

O avião de caça se aproxima zunindo, em voo rasante sobre a água. O barulho ensurdecedor é tremendamente violento, um pipocar que elimina todos os outros ruídos e penetra na cabeça como uma dor aguda. Os homens na fragata tampam seus ouvidos com as mãos.
A mulher não.

Nem quando um segundo "Tornado" passa, e depois um terceiro e mais um quarto. Quatro vezes ela se expõe à dor, quatro vezes tenta sorrir bravamente. Por nada nesse mundo ela quer dar aos fotógrafos a chance de tirar essa foto. Angela Merkel está em visita à Marinha da Alemanha.

Ela conhece a força simbólica das imagens. "A chanceler alemã não escuta, vira as costas. Ela é fraca." Mas quem fica sorrindo ao lado de um oficial, que se protege da barulheira, é forte. É um líder. É o chefe.

Grande parte do Poder é encenação. Poderoso é quem irradia poder. E cada vez mais fotos mostram mulheres que fazem precisamente isso: irradiar Poder. Já é o bastante para alimentar o falatório de uma "revolução feminista".

Angela Merkel - A chanceler alemã gosta de ternos, raramente usa bolsa e não tolera afetações entre seus colaboradores, sejam homens ou mulheres. Pompa? É responsabilidade exclusiva do batalhão de guarda. A "mulher mais poderosa do mundo" (segundo a Forbes Magazine) não é dada a vaidades

Mais de 80 mulheres foram eleitas chefes de Estado ou de governo desde 1945, mais de 90% delas somente após 1979. Na verdade, a maioria chegou ao Poder nos anos de 1990. Junte-se a isso todas as ministras, que há muito não são mais titulares apenas das clássicas áreas femininas.

Estamos em meio a uma mudança de caráter épico. Nunca antes tantas mulheres mandaram simultaneamente. Pela primeira vez, e de modo crescente, a pretensão feminina diante do Poder encontra, em grande parte do mundo, franco acolhimento. E quase não provoca mais aquela sensação desagradável que a acompanhou em quase todos os períodos históricos. Ao contrário, vez por outra, o que ela suscita são grandes esperanças.

Ironicamente, tais expectativas positivas se fundamentam em um argumento que durante muito tempo serviu para afastar as mulheres da atividade política: o de que elas têm uma constituição radicalmente diferente da dos homens. Elas são mais sociáveis, moralistas e empáticas. E, justamente por causa disso, inadequadas para o negócio braquial do Poder.

Essa afirmação foi inventada por volta de 1800 e, até hoje, alguns biólogos e pesquisadores comportamentais tentam prová-la. Por exemplo, com indicações de que um sistema hormonal médio feminino recompensa a cooperação, enquanto um masculino premia a competição. Ou com alegações discriminatórias de que crianças pequenas já se comportam especificamente de acordo com o gênero. Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus, resume sem floreios o título de um best-seller: eles organizam a guerra, elas o piquenique da escola.

Esta é uma tese de dois gumes. Aos conservadores, ela se afigura uma justificativa para o fato de que, apesar de todas as mudanças sociais, o número de mulheres em posições de liderança ainda é muito inferior ao dos homens, isso porque sua função natural é, simplesmente, outra.

Já os defensores das mulheres se baseiam na diferença biológica para fundamentar a esperança. Segundo eles, o poder feminino poderia livrar o mundo das guerras e crises masculinas, das rixas e lutas por status e dominação.

A História não fornece nenhuma indicação de que a Biologia tenha influído a questão de quem pode conquistar o Poder, e como ele será usado. Em vez de hormônios e modelos de atividades cerebrais, isso era determinado por regras sociais e talentos individuais. Portanto, quando e onde as mulheres podiam alcançar o Poder? Como elas governavam? Como se explica que tenham permanecido excluídas durante tanto tempo e agora festejam sua súbita revolução?

No período que precedeu o surgimento da tese das competências sociais e morais especiais das mulheres, antes do século XIX, a explicação era mais simples e sucinta: mulheres são inconstantes, pouco sagazes, inferiores aos homens tanto física, como intelectual e psicologicamente.

Por isso, elas em geral ficavam de fora enquanto o Poder era conferido a imperadores, reis, ministros. Mas, no momento em que o sangue era determinante, quando o grau de parentesco era mais importante que o sexo, elas governaram sim. Filhas herdaram tronos régios, viúvas foram regentes em lugar de seus filhos menores de idade, esposas substituíram homens incapazes.

No decorrer dos séculos, muitas mulheres governaram na Europa, imprimindo sua marca à evolução do continente. Assim, Elisabeth I pode dominar a Inglaterra da Renascença, e Catarina II transformar o Império Russo em grande potência mundial.

Foi somente no século XIX, quando o Poder passou a ser decidido em eleições, não mais através de heranças, que as mulheres desapareceram completamente do cenário governamental, excluídas sob o argumento de que não foram feitas para isso. A Democracia foi mais eficiente que o Feudalismo para eliminar o Poder feminino.

Mesmo depois de as mulheres terem conquistado o direito de votar, passaram-se décadas na Europa até que a primeira assumisse a chefia de um país: Margaret Thatcher, em 1979. A mulher considerada impertinente até por suas iguais. Mas, em retrospectiva, sua ascensão política parece ter coincidido com um período crítico: a Revolução Feminista.

Elisabeth I, Catarina II e "Maggie" Thatcher, o drama do Poder feminino no chamado "Velho Continente" pode ser apresentado, exemplarmente, em três atos. Um drama sobre a ambição que impulsionou mulheres poderosas, sobre as dificuldades que elas tiveram de vencer, e das estratégias que lançaram mão. Um drama com três personagens principais, que nos fala mais sobre as épocas em que elas viveram, do que sobre o preconceito do "eternamente feminino".

Todas as três, porém, compartilham uma experiência comum: elas não ganharam o poder gratuitamente.

Acantonamento de Tilsbury, sul da Inglaterra, 9 de agosto de 1588. O exército emudece. O vento sopra em torno das lanças dos soldados. Com os cabelos soltos, envolta em veludo branco, a rainha se ergue nos estribos de seu cavalo branco. A armadura peitoral prateada reluz.

"Eu sei que tenho o corpo frágil de uma mulher, mas tenho o coração e a coragem de um rei, e de um rei da Inglaterra!", grita Elisabeth. Antes que um príncipe espanhol penetrasse em seu reino: "Eu mesma pegarei as armas!" Eu mesma serei vosso general! Eu mesma os orientarei e recompensarei vossos atos!".

Doze mil homens, os melhores de suas guarnições, irrompem em júbilo ensurdecedor. Que os espanhóis desembarquem! Por essa mulher eles darão tudo! Defendê-la significa defender tudo o que é possível com a honra masculina.

Robert Dudley, conde de Leicester, amigo íntimo da rainha, assumirá o resto: ele anotará o discurso, mandará imprimi-lo e distribuir em todo o reino. Ele fará de tudo para imprimir esse momento, essa imagem, na fantasia nacional: sua rainha virginal, o exército decidido a tudo - antes da grande batalha decisiva da Inglaterra.

As notícias são desalentadoras. Do outro lado do Canal da Mancha encontra-se o temido exército espanhol dos Flandres, pronto para a invasão. Nesse preciso momento, dizem, 16.000 mercenários sobem nos barcos de assalto. O rei Filipe II, senhor incontestado de um império mundial que se estende da América do Norte aos Países Baixos, está determinado a derrubar a odiada mulher do trono.

Elisabeth I - Conduz a Inglaterra à "Era Dourada" (1558-1603), transforma Londres em metrópole cultural e rechaça a Armada espanhola. Mais importante: defende ferrenhamente sua própria independência, e recusa todas as propostas de casamento, sob o pretexto de já estar casada com seu povo

Elisabeth I tem 54 anos nesse dia de agosto, e reina sobre a Inglaterra há 30 dias, em oposição à persistente noção de que é necessário um homem para governar. A noção de que uma mulher no poder contraria a vontade manifesta de Deus, e constitui o fim de toda a boa ordem estabelecida, como afirmava um panfleto pouco antes de sua ascensão ao trono.

O pai de Elisabeth também pensava assim, por isso ansiava desesperadamente por um herdeiro varão a todo custo. Ao todo, Henrique VIII contrai seis matrimônios e, para obter o primeiro divórcio, engole o rompimento com o Papa, em Roma. Mas, ao morrer, em 1547, ele deixa apenas duas filhas e um filho adoentado. O menino morre antes de atingir a maioridade. Sua meia-irmã Maria tenta restabelecer o Catolicismo como religião oficial, ou seja, reaproximar a Inglaterra de Roma. Nesse processo, quase 300 Protestantes são executados. Quando Maria morre, provavelmente de um tumor, as massas invadem as ruas de Londres e festejam. É o dia 17 de novembro de 1558.

No final da manhã, lady Elisabeth Tudor está sentada sob um carvalho nos jardins do palácio de Hatfield, ao norte de Londres. O dia é gelado. Diante dela ajoelham-se os lordes do Conselho de Estado e reconhecem a única descendente viva de Henrique como soberana, de acordo com as leis inglesas vigentes.

A jovem, de 25 anos, responde aos senhores em latim, prova da educação exclusiva que desfrutou. A herdeira do trono inglês é uma das mulheres mais cultas de sua época. Não obstante, ela deverá casar-se, repassar os negócios ao marido e gerar um herdeiro homem. É o que todos têm como certo. Embora a Renascença celebre o indivíduo, ninguém duvida que até uma princesa seja obrigada a se submeter ao marido.

Só que Elisabeth começa a hesitar: casar, sim, mas com quem? Um príncipe estrangeiro, talvez um católico, um aristocrata inglês? Os anos passam. Pretendentes de toda a Europa são apresentados, consolados, recebem meias promessas, catálogos de condições impraticáveis e, por fim, recusas.

A rainha usufrui todos os privilégios de um príncipe. Ela monta, caça, dança, adora mascaradas [divertimentos de origem italiana que incluem música e dança] lascivas, comédias rudes e debates eruditos. Favoritos descartáveis desfrutam o direito de uma proximidade mais íntima com a rainha, e um constante fluxo de cartas amorosas.

Logo circulam boatos sobre excessos extravagantes, sobre bebês gestados em segredo. Para seus conterrâneos, essa mulher solteira, com seus incessantes namoricos, parece completamente desnaturada.

Mas aqueles que precisam saber da verdade, pretendentes e enviados políticos, asseguram reiteradamente que a rainha é virgem. Obviamente, Elisabeth é esperta e disciplinada demais para arriscar seu Poder na cama. Em vez disso, ela se dedica crescentemente a um culto que visa tornar suportável a incomum regência solitária de uma mulher: a personificação de Elisabeth como rainha virginal, que escolheu a Inglaterra por consorte e os súditos como "seus filhos", sedutora, mas inseduzível. E, principalmente, uma mulher que não governa pior que um homem - ao contrário.

Desde os primeiros dias no palácio real de Whitehall ela trabalha arduamente. Para a grande indignação de seus ministros, exige ler pessoalmente todas as cartas de assuntos oficiais e negocia, sem enviar resposta, com os representantes diplomáticos e seus embaixadores.

Lentamente, os dignitários compreendem que não estão lidando com uma rainha provisória, mas com uma governante ambiciosa. Elisabeth não tolera fracassos ou insubordinações. Ela grita, xinga de forma vulgar, distribui tapas atrás das orelhas de seus conselheiros, ou joga um sapato na cara de um ministro. Restabelece a independência da Inglaterra em relação à Roma, mas mantém muitas tradições católicas. Também julga os rígidos ideais morais dos fundamentalistas protestantes impertinentes. Somente quando surgem as primeiras indicações de um complô contra a fidelidade papal, a rainha cede aos ânimos populares e suprime a fé católica romana.

Rebeldes religiosos, insultuosos contra Sua Majestade, ladrões de rua comuns: quem se insurge é chicoteado, mutilado e não raro, executado. Só na praça de execução londrina de Tyburn, 6 mil delinquentes são enforcados, decapitados ou esquartejados como criminosos que, durante seu reinado de quase 45 anos, atentaram contra o Estado.

Em paralelo a isso, o comércio e os negócios, a arte e a vida intelectual florescem livremente. Mercadores ingleses navegam cada vez mais para longe, atracando nas colônias espanholas do Continente Americano, onde realizam prósperos negócios e não se furtam nem à pirataria, nem ao sequestro de navios alheios.

Por fim, os espanhóis preparam um contra-ataque. Em 1588, uma frota de 130 navios e 30 mil tripulantes zarpa de Lisboa. Eles devem unir-se ao exército de Flandres, que embarcará em botes de assalto no Canal da Mancha, para atacar a ilha. O plano é ousado, mas o adversário é apenas uma mulher.

Elisabeth negociou até o fim para tentar evitar o confronto armado. Ela odeia guerras, pois tais eventos arruínam os cofres públicos. Antes de tudo, porém, guerra é assunto para homens. A rainha teria de conferir poderes a um comandante militar, compartilhar com ele, em caso de vitória, um prestígio precioso. Essa é uma das razões que a leva a encenar o atraente papel de "rainha da paz".

Mas agora a guerra é iminente. No auge da crise, Elisabeth viaja até Tilbury e se coloca à frente de suas tropas. Ao discursar, já sabe que a invencível Armada de Filipe foi castigada pelos capitães ingleses, e como por milagre, fustigada pelos ventos de uma tempestade. Os britânicos falam de um "vento Protestante". Finalmente, à meia-noite, chega a notícia alvissareira: os espanhóis suspenderam a partida para a Inglaterra das tropas acantonadas em Flandres.

Durante os anos de vida que ainda lhe restam, Elisabeth transforma-se definitivamente em um ícone vivo.

Ela entretém a corte, maquiada de branco, com uma peruca avermelhada, cravejada de pérolas.
Em plena idade avançada, desconcerta e escandaliza o embaixador francês com um vestido decotado até o umbigo, revelando sua barriga há muito enrugada. Ao morrer, em 1603, aos 69 anos, Elisabeth reinou 44 anos e quatro meses com inteligência, rigor e muita vocação para encenações que transformaram em benefício a desvantagem de sua condição feminina. Como rainha inatingível, venerável e virgem, ela não deixa um herdeiro, mas também jamais teve se de sujeitar a um homem. Ela foi o seu próprio monarca.

Catarina II - Aos 14 anos, esta filha de um general prussiano chega à Rússia. Aos 33, ela derruba seu marido do trono e se torna czarina. Ao longo de 34 anos Catarina ampliou seu Poder até a soberania da Rússia se estender da Crimeia ao Mar Báltico. Envolvida em intensa correspondência com pensadores do Iluminismo, mostra-se como grande reformadora: reorganiza a administração pública, funda escolas e moderniza o código penal
Pois "monarca" é precisamente a categoria em que Elisabeth se autoenquadra. As limitações a que está sujeita podem ser grandes, no entanto a simples noção de ter tido qualquer coisa em comum com uma camponesa ou a filha de um comerciante, só por ser mulher, teria lhe parecido completamente absurda. O nascimento e a posição; é com base nisso que as pessoas identificam a época de Elisabeth.

Em determinado círculo social, porém, faz grande diferença ser um homem ou uma mulher. A autoprojeção de Elisabeth como virgem reflete uma limitação existencial.

Um "monarca" feminino é obrigado a abrir mão de liberdades que um monarca masculino consideraria indiscutivelmente naturais, como as liberdades sexuais, por exemplo.

Tanto seu pai Henrique VIII, como seu irmão, se fazem retratar como empolados símbolos de sexualidade e virilidade. Nos retratos eles sempre deixam a mão nas proximidades do sexo, da protuberância assinalada pelas apertadíssimas calças da época. No decorrer dos séculos, os reis franceses também computaram em honra própria seus incontáveis atos heroicos e eróticos.
Encenar o próprio desejo como forma prazerosa de seu Poder, e dessa forma experimentar a plena autonomia monárquica, é um luxo negado a Elisabeth.

E também às mulheres que agora governam a Europa com crescente frequência, como as viúvas da Monarquia, que reinam em nome dos filhos menores de idade. Elas são obrigadas a, pelo menos, aparentar virtuosidade.

Mas no século XVIII os limites da moralidade se deslocam. De início, a educação contribui menos para isso que a ampliação do Poder Monárquico. A violência dos soberanos aumenta e, em certos lugares, atinge o absolutismo, o que desperta o desejo de compartilhar esse poderio, indiscriminadamente, com qualquer confidente.

Luís XV, da França, permite-se tomar uma plebeia rica como amásia, conceder-lhe rapidamente um título de nobreza e lhe facilitar notável influência em assuntos nacionais. Como Marquesa de Pompadour, ela se transforma na amante mais poderosa de sua época.

Ela não é, nem de longe, a única. Até o final do século, a escritora Mary Wollstonecraft se queixa de que as mulheres gozam de poder excessivo: um poder ilegítimo, derivado de seus favores sexuais sobre monarcas e altos funcionários.

Com isso também se abrem novas esferas de ação para mulheres aristocratas. Quase nenhuma outra se mostra tão moralista como a imperatriz Maria Teresa da Áustria, que reina de 1740 a 1780, como boa mãe de seus súditos e de seus 16 filhos legítimos ao lado de um marido notoriamente infiel. Se quisesse, ela poderia ter alegrado o trabalho de reinar com um de seus ministros ou generais.

Ao amanhecer do dia 28 de junho de 1762, os tambores rufam violentamente no pátio interno da caserna do Regimento de investiGuarda Imperial Ismailowskij, nos arredores de São Petersburgo. Com o sono ainda nos olhos, os soldados se apressam para perfilar. Diante deles encontra-se a grã-duquesa Catarina. Ao seu lado, no uniforme verde e vermelho do batalhão Preobrazhenski, a mais requintada das quatro unidades da Guarda, Grigori Orlov, seu confidente e amante.

Catarina não necessita de muitas palavras para conquistar os homens para um ato impensável, embora não tão incomum na história russa, como a revolta palaciana. O alvo é o marido de Catarina, o czar Pedro III, que ocupa o trono há seis meses, um excêntrico, que treina cães e lacaios com o chicote, um beberrão infantil, cruel e, muito provavelmente, impotente. No âmbito pessoal, um fracasso humano; no âmbito político, um idiota.

As tropas irrompem em júbilo, se adiantam, beijam as mãos de Catarina e a barra de seu vestido preto. O regimento entra em formação e segue para o centro da cidade. No caminho, outros soldados se unem à marcha. Eles avançam rumo à Catedral de Kazan, onde os sacerdotes cumprimentam Catarina com ícones nas mãos. O bispo de São Petersburgo a proclama soberana única da Rússia, e os sinos repicam em comemoração.

À noite, Catarina veste o uniforme de um coronel da guarda, monta em um cavalo branco e, com o sabre desembainhado, coloca-se à frente das tropas reunidas para prender Pedro. Ele não resiste. Em pouco mais de uma semana, será morto pelos seguidores de Catarina.

Margaret Thatcher Em 1970, como Ministra da Educação e Ciência, ela ainda sustenta o governo do primeiro-ministro Edward Heath. Nove anos mais tarde, é ela quem se torna primeira-ministra da Grã-Bretanha, e enaltece as vantagens de sua liderança feminina: "Se precisarem de alguém que profira discursos, peguem um homem. Se houver um problema para ser resolvido, é melhor que perguntem a uma mulher"

Foi, para a princesa Sophie de Anhalt-Zerbst, uma longa jornada. Enviada à corte russa com a reputação de adolescente indisciplinada, a fim de gerar descendentes para a dinastia Romanov, ela se converte à Igreja Ortodoxa Russa, recebe o nome de Catarina, e sofre com a debilidade de seu marido. Aos poucos, e de maneira silenciosa, ela conquista a confiança e a lealdade dos guardas imperiais, algo imprescindível para uma czarina.

Catarina possui talento para conquistar pessoas e estabelecer laços de união. A maior parte de seus subordinados investidos de cargos elevados a servem por muito tempo. Seu favorito, Orlov, permanece ao seu lado durante 12 anos. E o brilhante Grigori Potemkin lhe é fiel até o fim da vida, mesmo após o turbulento affair amoroso com a czarina.

Mas então seguem-se incontáveis favoritos, cada vez mais jovens e mais insignificantes. Um enviado prussiano relata sobre problemas no ventre da czarina, resultantes de um relacionamento com seu filho ilegítimo. Por fim, até o boato de que Catarina havia praticado sodomia com seu cavalo ganha credibilidade.

Com a idade, ela se torna excessivamente vaidosa, e perde a noção dos limites. O ceticismo diante das ideias do Iluminismo, que havia adotado com tanto entusiasmo de filósofos franceses e historiadores ingleses, também se amplia. Evidentemente, alguns projetos do programa de reformas que adotara eram pura propaganda, numa exposição da própria monarca culta que se correspondia com o iluminista Voltaire, recebia na corte o colega dele, Diderot, e redigia tratados eruditos.

Ainda assim, Catarina reorganiza com eficiência a administração pública, aprimora a educação e, de modo geral, exerce uma política de "absolutismo iluminista", como é moda entre os monarcas de sua época. Assim, ainda em vida, ela recebe o predicado "a Grande".

Em outro plano de atuação, Catarina manda esmagar rebeliões ao estilo inclemente de Elisabeth. Como a soberana britânica, também a governante dos russos mantém certa reserva diante de aventuras militaristas, e pelos mesmos motivos que Elisabeth alimenta. No entanto, Catarina conduz algumas guerras bem-sucedidas, amparadas por uma diplomacia inescrupulosa. Dos rediturcos ela arrebata grandes extensões de terras que cercam o Mar Negro. À época do fim de seu reinado, a Polônia desaparece do mapa-múndi, o território foi dividido entre a Rússia, a Áustria e a Prússia.

Em dezembro de 1796, Catarina é sepultada como o última ícone de sua espécie: uma monarca absolutista, culta, que se sobrepõe às limitações de seu sexo. Mestra venerada abertamente pela elite da corte: uma nata social em nada vinculada às massas. Para a aristocracia, o povo é, simplesmente, uma outra espécie.

Mas ainda durante os últimos anos de vida de Catarina, começa a se delinear na Europa uma transformação épica.

Na Paris revolucionária, o povo, no quadriênio de 1789 a 1793, conquistou a soberania, declarou a República e decapitou o rei. Séculos de monarquia e magnificência agonizam. Lentamente. Um lema incomum percorre o mundo: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade".

Paralelamente, os slogans populares e os filósofos lançam novas ideias sobre homens e mulheres: não tratam da igualdade, mas sim da desigualdade.

Dificilmente uma outra época separa tão rigorosamente os "caracteres sexuais", distinguindo homens de mulheres, como o Modernismo. De agora em diante, a mulher suave, empática e sensível, amante da virtude ("competência social") será confrontada com o homem enérgico, dinâmico e, paralelamente, violento, egoísta e imoral.

Homens são de Marte, mulheres são de Vênus: a dura Biologia da natureza dos sexos é inventada por volta de 1800. Desde então, o fantasma persiste no ar. Enquanto o postulado ganha adeptos convictos de que monarcas e povo, aristocracia e camponeses pertencem à mesmíssima raça humana, os dois gêneros agora estão literalmente separados por universos distintos. Como seres de outros planetas, eles são divididos em esferas nitidamente delimitadas.

A bondosa mulher, o homem mau. Em uma ironia fatal, é justamente a elevação moral das mulheres que as expulsa das proximidades do Poder. A era burguesa lhes reserva a tarefa de civilizar o homem. Mulheres devem casar, organizar uma confortável vida doméstica e, desse modo, domar a questionável tendência masculina ao impulso, à inconstância. Enquanto o homem ruma cada vez mais para a combalida vida pública, deformada por crescentes guerras revolucionárias, processos de industrialização e lutas sociais, ela proporciona uma vida social baseada na moralidade.

Ocasionalmente, a Democracia é acusada de ter-se mostrado incompetente para evitar o despotismo dos homens. Mas foi pior que isso: justamente a Democracia barrou o acesso das mulheres ao Poder, e com mais rigor do que qualquer outra forma de governo anterior. Durante quase 200 anos, o Poder será um campo livre de mulheres.

Apesar disso, elas, pouco a pouco, conquistam o direito do voto. Na Europa, a primeira nação a adotar o sufrágio universal foi a Finlândia (1906). A partir de 1918, seguiram-se muitos países do Leste Europeu e a Rússia. A Itália concedeu o voto feminino em 1925, a Espanha fez o mesmo em 1933, a Bulgária em 1944, a Croácia em 1945 e a Grécia em 1949. Em outras partes do mundo, as mulheres também são aceitas como eleitoras: na Turquia, em 1930, no Brasil, em 1933, na Índia, em 1950.

Mas, embora as mulheres agora possam votar em massa, o equilíbrio do Poder só se altera lentamente. Isso apresenta várias causas: agremiações masculinas, a fragmentação social do eleitorado, reflexos conservadores. Porém, uma outra razão flagrante é que a moderna ideologia dos sexos estrangula qualquer pretensão feminina ao Poder.

Nas primeiras sete décadas do século XX, as mulheres só têm uma chance de conquistar democraticamente o poder político naqueles países onde o antigo princípio dinástico ainda perdura.

Pesquisadores da Universidade Hildesheim examinaram o fenômeno e sempre chegaram aos mesmos nomes: Sirimavo Bandaranaike, no Sri Lanka (1960), Indira Gandhi, na Índia (1966), e, um pouco mais tarde, Isabel Perón, na Argentina (1974): todas eram filhas ou viúvas de estadistas lendários. E apesar de necessárias para a satisfação de seus povos, elas, em parte, só dispunham de um Poder simbólico. É o modelo feudal em trajes democráticos.

Galgar a escada da ascensão social e, simultaneamente, conquistar a emancipação sexual, foi façanha de uma mulher que até hoje ainda suscita certa incredulidade e horror nas mentes de muitas feministas.

Inverno de 1978/79. Nas ruas britânicas ratos reviram montanhas de lixo. Os postos de gasolina estão fechados. Motoristas de ambulâncias não reagem aos chamados de emergência. A British Rail (Ferrovia Britânica) emite os comunicados à imprensa mais sucintos de sua história: "Hoje não circularão trens". Os sindicatos na Grã-Bretanha estão mergulhados na rotina das greves. O caos se abate sobre uma economia já estagnada. Imobilizadas, companhias estatais gigantescas registram resultados no vermelho. O índice de inflação flutua ao redor dos 10%; o desemprego atinge alta recorde.

Nesse inverno de anarquia, em que a cidade de Liverpool já nem consegue mais enterrar os seus mortos, os discursos radicais contra o poder sindical e a economia nacional ganham adeptos, discursos que estão entre os preferidos da líder conservadora da oposição: Margaret Thatcher.

Margaret Hilda Roberts nasceu em 1925, em Grantham, pequena cidade nas Midlands [centro oeste da Inglaterra]. Atrás do armazém de seu pai começa um mundo triste e desolado de cervejarias e ruas estreitas ladeadas por compactas casas de operários.

Sua família acredita em economia, diligência e cultura, mas principalmente em moralidade. O pai formula suas convicções em máximas claras: "Trabalhe arduamente". "Siga seu próprio julgamento". "Sirva sua comunidade".

Margaret consegue ser admitida na Universidade de Oxford, conhecida por receber os filhos da elite da sociedade britânica, e estuda Química. Mas se sente uma estranha no ninho. As jovens que conhece em Oxford vêm das caras escolas particulares, e pertencem ao grupo sóciopolítico da esquerda liberal, elas torcem o nariz quando a colega provinciana, que usa vestidos costurados em casa, ingressa no Partido Conservador.

Após sua graduação, Margaret casa-se com o bem-sucedido empresário Denis Thatcher e dá à luz a gêmeos. Em 1959, é eleita para a Câmara dos Comuns - uma de 25 mulheres entre 600 homens.

A deputada Thatcher é eloquente, trabalhadora; só dorme quatro, no máximo, seis horas por noite.

Nomeada Secretária de Estado para Assuntos Sociais, é designada Ministra da Educação e Ciência, em 1970.

Os meios de comunicação vibram. Uma mulher vistosa no Parlamento, uma mãe no ministério, isso é novidade. Mas quando Thatcher corta a distribuição gratuita de leite nas escolas, a oposição e a grande imprensa dão meia-volta: uma mulher que nega leite às crianças! Um orador a chama de "mulher reacionária das cavernas". "Acabem com a vagabunda", ecoam os comentários de bastidores.

Mas ela continua apostando no confronto, inclusive na arena político-sexual. Aborto, igualdade. Thatcher sempre vota, previsivelmente, à direita. "Feministas", diz ela, "são mulheres que gostariam de ganhar algo de presente, sem ter que trabalhar por isso". E julga ter conhecido os tipos: as de Oxford. Margaret Thatcher não gosta delas.

Mercê dessa postura, Thatcher está mais próxima do eleitorado conservador até mesmo do que o líder do partido, Edward Heath. Já faz tempo que as bases partidárias exigem uma política mais dura contra imigrantes, ensino unificado, sindicatos, revoltas estudantis. Subitamente discutem-se ideias há muito difamadas: mercados livres, privatizações, redução de impostos.

Quando Heath não consegue mais contê-la, Thatcher é eleita, no dia 11 de fevereiro de 1975, como a primeira mulher dirigente dos Tories.

A nova líder da oposição deixa-se fotografar de avental na boca do fogão, fala de compras e de lavar roupa: pacifica o medo dos homens, e oferece às mulheres a oportunidade da identificação. Se ela tem resistência para tanto? Ela a tem, como toda mulher obrigada a levantar à noite para cuidar dos filhos. Comparativamente, a Política seria apenas a doddle, uma brincadeira.

Margaret Thatcher não esconde sua condição feminina; ao contrário, se aproveita dela. E não se furta em interpretar os papéis que homens aceitam como sendo inerentes à autoridade feminina: a política conservadora explica a situação à nação da maneira que uma professora rigorosa o faria, e, ao mencionar suas reformas, aparenta ser uma médica receitando o tratamento.

Em 1979, no momento da queda do governo trabalhista, o gênero de Thatcher funciona para ela mais como vantagem do que como uma desvantagem; só que, agora, isso já não é tão importante.

Dois anos e meio depois. Com apenas 25% de aprovação, Margaret Thatcher é a primeira-ministra mais impopular da Grã-Bretanha, desde o início da época em que a popularidade dos políticos passou a ser aferida por pesquisas de opinião. A inflação, o desemprego, as quebradeiras financeiras não regridem; ao contrário, aumentam. Greves desembocam em tumultos, o Partido fica nervoso. O Gabinete oscila perigosamente.

Nessa época, Thatcher comete um erro crasso, que lhe renderá o mandato mais longo de um primeiro-ministro britânico no século XX.

As Ilhas Malvinas. Território de Sua Majestade no Atlântico Sul e herança do império, elas consistem em um agrupamento de rochas seminuas, habitadas por 1.800 pessoas e alguns milhares de carneiros. Situadas a apenas 500km do litoral da Argentina, as ilhas são, há tempos, reivindicadas pelo governo de Buenos Aires.

Quando o governo Thatcher dá a impressão de que não tomará uma atitude, caso a situação nessa região do Atlântico fique séria, tropas argentinas invadem e ocupam o arquipélago nos dias 1 e 2 de abril de 1982.

Thatcher realmente se enfurece com a violação dos direitos internacionais, mas, valendo-se de um raciocínio frio, também entende que aqui se trata de sua própria manutenção no cargo.

A 3 de abril, ao se dirigir à Câmara dos Comuns, é vaiada na rua, por transeuntes. Os deputados estão com ânimos beligerantes. Mas o que a primeira-ministra lhes anuncia supera todas as expectativas: um comando avançado da frota britânica zarpará da Inglaterra em direção ao Atlântico Sul dentro de 48 horas.

Uma guerra travada a 12 mil km de distância é risco puro. Dois dias depois, multidões jubilosas invadem o cais do porto de Portsmouth. No ar, o clima de excitação parece indicar uma era de restauração do império e, com ele, a volta da grande rainha guerreira de outrora: Elisabeth I.

No fim da guerra das Malvinas, 225 britânicos e 649 argentinos morrem em uma batalha que, felizmente, as tropas de Thatcher vencem, em grande parte graças ao tempo. Como em 1588.
O conflito, na realidade, constitui o verdadeiro início da Era Thatcher. Durante os próximos oito anos, ela dominará a política interna britânica como quase nenhum outro premier antes dela.

Seu estilo destruirá o empedernido socialismo sindical, e ainda combaterá o Estado de seguridade social, que há tempos se encontra desmantelado. No âmbito de seu partido ela procura esvaziar o poder da velha elite, nascida em berço de ouro, e a influência dos privilegiados estudantes de escolas particulares.

PESQUISA SEXUAL
Mitos da diferença

O cérebro feminino funciona de modo diferente do masculino? As pesquisas de Rosalind Barnett, da Universidade Brandeis e de Caryl Rivers, da Universidade de Boston, esquentam essa discussão nos Estados Unidos

As mulheres são o sexo tagarela. Elas são as comunicadoras da sociedade. As áreas da fala em seus cérebros são maiores que as dos homens, e o sexo feminino é, por natureza, o que desperta mais empatia". "Homens têm cérebros que lhes permitem enxergar melhor através de correlações, e são muito hábeis para empregar e aproveitar seu poder. Homens falam menos, e não carregam no sangue a necessidade de se preocupar excessivamente com os outros". Essas frases soam familiares a você, leitor? Na década passada, elas conformaram uma sabedoria generalizada, quase irrefutável: meninos e meninas são diferentes, simplesmente, por que suas estruturas cerebrais são distintas! Uma ideia que produziu best-sellers e vários tratados sobre educação infantil.

Entretanto, uma análise crítica dos fatos reais, subjacentes a essas afirmações, mostra que parte delas não se baseiam em evidência alguma, e até ocultam a inexistência de uma pesquisa séria que ampare o jargão científico. Outras afirmações se baseiam em estudos questionáveis, conduzidos com métodos comprometidos e de significados limitados. É verdade que os cientistas descobriram algumas diferenças notáveis na anatomia cerebral dos sexos, mas sabemos muito pouco sobre como elas se manifestam na conduta de garotos e garotas.

A ideia de diferenças cognitivas entre homens e mulheres tem profundas raízes históricas. Na Era Vitoriana, os sábios viam o cérebro do homem, em geral um pouco mais volumoso, como justificativa para representar sua superioridade intelectual. Além disso, os peritos da Medicina partiam do princípio de que era impossível que o cérebro e os ovários femininos se desenvolvessem ao mesmo tempo: um acúmulo de conhecimento em excesso nos jovens cérebros femininos colocava em risco a maternidade.

Essas noções equivocadas foram corrigidas no século XX. Aceitou-se, de modo geral, que o volume cerebral é proporcional ao tamanho físico da pessoa e que, sozinho, ele nada pressagia sobre a inteligência. A partir desse reconhecimento, na década de 1970 o movimento feminista apresentou reivindicações sociais abrangentes. Mas nos anos 90, a tendência pareceu reverter novamente. Surgiram novos resultados neurológicos provocantes, mas não conclusivos. Movidos por certa preocupação quanto ao papel das mulheres, uma infinidade de livros sobre o tema proporcionou negócios agitados e lucrativos para as editoras ao redor do mundo.

Os títulos vão desde Porque é que os Homens Nunca Ouvem Nada e as Mulheres Não Sabem Ler os Mapas de Estradas (Barbara e Allan Pease) e Garotos e garotas aprendem de forma diferente (Michael Gurian) até Por Que o Gênero Importa? (Leonard Sax). Durante algum tempo, as vendas do ancestral de todas essas obras Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus, de autoria do terapeuta familiar John Gray, chegaram a superar as da Bíblia.

A linha de argumentação dos autores frequentemente envolve tênuas explicações neurológicas. Com base em um estudo muito limitado, com apenas 19 participantes, o psicólogo americano Leonard Sax afirmou que "garotos são naturalmente privilegiados na Matemática em razão de sua vantagem anatômica natural". Enquanto os voluntários olhavam imagens de rostos ou pequenos círculos brancos, a irrigação de seus cérebros era medida por meio de tomografias de ressonância magnética. Os dados desse exame mostram que as variações e os desvios de pessoa para pessoa são tão grandes, que não faz o menor sentido chegar a conclusões abrangentes entre os sexos como grupos isolados.

A colega de Sax, Diane Halpern, do Claremont McKenna College, na Califórnia, revisou uma série desses estudos sobre diferenças cognitivas. E descobriu que ocorre uma variação muito maior dentro dos próprios grupos do que entre os gêneros em si.

Alguns especialistas e meios de comunicação insistem reiteradamente que meninos são biologicamente programados para se concentrar em objetos, enquanto meninas dirigem seus olhares para pessoas. Essa noção se baseia em uma pesquisa com recém-nascidos, conduzida em 2003 pelo psicólogo britânico Simon Baron-Cohen. Em um teste com 100 bebês ele constatou: os meninos olhavam muito mais tempo para móbiles e as meninas, para rostos. Entretanto, o trabalho de Baron-Cohen foi duramente criticado, desde o início, por Elizabeth Spelke, professora de Psicologia da Universidade Harvard. Na publicação American Psychologist ela aponta: os métodos utilizados nos experimentos não foram aplicados corretamente. Os bebês poderiam ter sido influenciados, de forma inconsciente, pelos adultos De todo modo, existe uma quantidade enorme de literatura científica que mostra claramente que bebês de ambos os sexos se concentram com igual intensidade em objetos e pessoas. E quanto às aptidões de fala? Os meninos de fato são menos capazes? Não. Em 2005, Janet Hyde, da Universidade de Wisconsin, reuniu dados de 165 averiguações e concluiu: embora uma ligeira superioridade feminina possa ser comprovada marginalmente, ela não pode ser aplicada na prática, quando se quer estabelecer a diferenciação de gêneros. Mesmo assim, a ideia da falta de talento idiomático dos meninos parece resistir teimosamente. Há estudos mais relevantes que provam que a competição masculino-feminina não é, de fato, decisiva. O estudo mais recente mostra um empate técnico: mulheres pronunciam 16.215 palavras por dia, homens 15.699. Como a ciência ganha cada vez mais importância em debates públicos e políticos, não é de surpreender que as meias verdades neurológicas das duas "frentes" sejam utilizadas como "provas". Mas a ciência não deveria ser usada como uma desculpa esfarrapada para que acreditemos naquilo que desejamos acreditar. Antes, ela deveria ser entendida como o estágio inicial de um caminho que pode nos levar a uma nova compreensão do mundo.

Incessantemente, cita suas origens; e fala das virtudes de Alderman Alfred Roberts, seu pai. Mas para Roberts, as reações das bolsas de valores e dos mercados financeiros, que ela desencadeia, não teriam passado de um perverso jogo de azar. Ele, simplesmente, teria amaldiçoado o maciço consumo a crédito que aquece a economia britânica.

Em termos econômicos, a revolução de Thatcher é um sucesso. Entretanto, no decorrer dos anos, "Maggie" começa a extrapolar, e rebate, agressiva e indiscriminadamente, ministros, jornalistas e chefes de Estado estrangeiros. No outono de 1990, quando sua arrogância torna-se insuportável, e ameaça as chances eleitorais dos Tories, o Partido derruba sua primeira-ministra.

Dizem que, na época, meninos britânicos perguntavam: "Papai, será que um homem também pode tornar-se primeiro-ministro?".

Nesse ponto, depois de Sirimavo Bandaranaike, Indira Gandhi, Isabel Perón e Golda Meir, Margaret Thatcher melhorou consideravelmente as chances das mulheres na Democracia.

Por outro lado, existe um retrato tirado no dia em que Thatcher festejou a posse em áureos tempos, no segundo ano depois que deixou o cargo de Primeira-Ministra. 26 homens de smoking cercam uma mulher em um vestido longo de brocado. Cavaleiros em preto e branco e uma rainha Tudor. Uma só.

Em seus 11 anos como primeira-ministra da Grã-Bretanha, Thatcher tolerou apenas uma vez uma outra mulher ao seu lado no Gabinete, pelo espaço de dois anos.

Ela não queria melhorar as chances das mulheres. Ela queria aproveitar a sua oportunidade. Como Elisabeth e Catarina. Ainda assim, em retrospectiva, o ano de sua posse, 1979, chega a parecer uma mudança de era.

Desde então, a lista de chefes de governo e de Estado femininas cresce ininterruptamente: Gro Harlem Brundtland, na Noruega; Milka Planinc, na Iugoslávia; Mary Robinson, na Irlanda; Tansu Çiller, na Turquia; Édith Cresson, na França; Julia Tymoshenko, na Ucrânia; Angela Merkel na Alemanha.

Nos anos de 1970, a vanguarda da Revolução Feminista chegou às centrais do Poder. E essa vanguarda era constituída dos primeiros grupos de mulheres que se beneficiaram de um épico crescimento cultural, de uma ampliação das chances profissionais e das ofertas estatais de assistência infantil.

Hoje, na maioria dos países industrializados as mulheres possuem uma formação acadêmica superior a dos homens; muitas exercem uma profissão. Lideradas pelo feminismo, as mulheres experimentam, desde 1945, uma transformação fundamental em seus papéis, na sua sexualidade, em suas chances de trabalho e de exercer o Poder.

O fato de ocuparem apenas uma fração das posições de liderança, parece, cada dia mais, configurar um anacronismo. Ainda há, contudo, um longo caminho a percorrer.
Em todo o planeta, apenas 20% dos cargos legislativos são ocupados por mulheres. Nas altas esferas administrativas da Europa, sua participação é até significativamente inferior a isso. A "diferença dos sexos", a distância entre eles, continua estrepitosa.

Isso é tão sabido como os esforços de correção. Alguns partidos, como os Verdes, e alguns países, França e Suíça entre eles, exigiram cotas de mulheres para mandatos políticos. As leis da Noruega determinam, além disso, que 40% de todos os conselhos administrativos sejam integrados por representantes femininas da sociedade. Na Espanha existe legislação similar.
O que isso contribuirá para uma mudança na sociedade, ou na Política?

Provavelmente muito, e, ao mesmo tempo, pouco. Muito, porque haveria mais mulheres no poder, o que é desejável por ser o objetivo. Pouco, porque a Política dificilmente experimentaria mudanças.

Elisabeth I, Catarina II, "Maggie" Thatcher e muitas outras mulheres conquistaram, e usaram, o Poder de acordo com as regras vigentes em seus países e épocas. Elas aproveitaram as chances, e assimilaram as exigências que resultaram de preconceitos em vigor.

Mas não existem indícios de que, devido à sua "natureza", elas tivessem se desempenhado como personagens de maior empatia do que os homens, mais competentes do ponto de vista social, ou mais zelosas acerca da necessidade de consenso do que empenhadas no conflito.

A constatação combina com as teses de Rosalind Barnett, da Universidade Brandeis, perto de Boston, EUA. Barnett adverte: muitos estudos comprobatórios da diferença de conduta entre os sexos averiguam apenas os extremos. Os detalhes, segundo Barnett, são exagerados e inflacionados pela mídia, afinal, a indústria "Marte-Vênus" quer ser alimentada (veja Box à página 38). "Existem muito mais coincidências que diferenças entre os sexos", diz Barnett.

Desde 1993, a Índia empreende o maior esforço de sua história para levar as mulheres ao Poder. Ali é obrigatório que 33% de todos os representantes municipais, distritais ou de povoados sejam femininos, na pior hipótese através da cota. De início a medida foi recebida com resistência, porque a maioria da população desejava ter homens como representantes.

Agora, um estudo revelou que nos lugares administrados por mulheres os preconceitos diminuíram significativamente, e suas chances de também vencer eleições livres aumentaram nitidamente. Esther Duflo, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), autora do estudo conclui: "A visibilidade das mulheres no Poder reduz os preconceitos contra elas"
Portanto, o mundo fica mais justo e inteligente quando mulheres conquistam o Poder. Não porque governem de forma radicalmente diferente dos homens, mas porque a maior parte dos boatos sobre alegadas diferenças entre os sexos circula menos.

Mathias Mesenhöller, nascido em 1969, é pesquisador - assistente no Centro de Ciências Morais, História e Cultura da Europa Central, em Leipzig. É também colaborador regular de GEO

O desejo feminino de poder
O sexo dirigente: governantes famosas em 3.500 anos de História mundial

1479 a.C.
Hatshepsut

A rainha (1479-1458 a.C.) deixou-se imortalizar como um governante masculino através de magníficas construções às margens do Nilo: com barba imperial e toucado de Nemes (como os faraós). O busto de Hatshepsut no Museu Egípcio de Berlim pode ser uma falsificação

51 a.C.
Cleópatra VII

Governou com o corpo. Cleópatra (69-30 a.C.) seduziu os comandantes militares romanos Júlio César e Marco Antonio. Um terceiro, Otaviano, resiste a seus encantos, e a enfrenta como inimiga de Roma, anexando seu império. A última rainha do Egito comete suicídio com veneno

690
Wu Zetian
Durante os diferentes períodos históricos do Reino do Meio, na China, mulheres governaram no lugar de sucessores enquanto eles eram menores de idade. Mas, além da concubina Wu Zhao (690 a 705), nenhuma ousou usar o título de imperatriz. Seu nome imperial era Wu Zetian

1056
Agnes de Poitou
Regente do Sacro Império Romano-Germânico, entre 1056 e 1062, no lugar de seu filho, o futuro imperador Henrique IV. Até o menino ser sequestrado e ela, destronada

1184
Tamar da Geórgia
Seus conterrâneos a veneram até hoje como a mais competente de todos os monarcas georgianos. A "bondosa rainha" Tamar (1184 a 1213) impressionou por sua habilidade militar, e capacidade de rechaçar inúmeros ataques turcos

1474
Isabel I de Castela
Ela abre o caminho para a Espanha tornar-se uma potência mundial, unifica vastas regiões da Península Ibérica graças ao seu casamento com Fernando II de Aragão, e envia Cristóvão Colombo em suas viagens ao ultramar. Reinou com sabedoria e crueldade. Até seu último suspiro (1504), ela perseguiu implacavelmente judeus e muçulmanos

1488
Catarina Sforza
Para seus contemporâneos a "Tigresa de Forlì" é a mais bela e corajosa representante de seu sexo: em 1488, ela se vinga sangrentamente do assassinato de seu marido, e depois governa durante 12 anos o Principado de Forlì

1559
Margarida de Parma
Em nome da Espanha, a filha ilegítima de Carlos V e de uma flamenga governa os Países Baixos como regente durante oito anos. Mas não se mostra à altura de uma rebelião. Em 1567, cede o lugar a um homem

1561
Maria Stuart
Viveu uma vida confusa e trágica. Com apenas seis dias de idade torna-se rainha da Escócia (1542-1567); em 1561 assume o governo. Casa-se três vezes e parece ter-se envolvido continuamente em casos amorosos e complôs. Por ordem de Elisabeth I, passa 18 anos encarcerada antes de, finalmente, ser executada

1610
Maria de Médici
Graças ao seu dote, o rei da França Henrique IV salda suas dívidas. Mais tarde, governa no lugar do filho, que é menor (1610-1617). Mas o rapaz, exasperado, irá bani-la

1611
Nur Jahan
Em 1611, a persa Mehrunnisa casa-se com o grão-mongol da Índia. Enquanto o marido, viciado em ópio, vegeta até a morte, em 1627, ela controla a corte e o império com pulso firme, e recebe o título honorífico de Nur Jahan, "A luz do mundo"

1624
Njinga Mbandi
Quando seu irmão morre, em 1624, ela assume o trono do reino de Ndongo, no território hoje ocupado pela Angola. Com suas táticas astutas, resiste durante anos ao colonialismo português, e luta energicamente contra os europeus caçadores de escravos, embora ela própria comercialize seres humanos

1643
Anna da Áustria
Educadora cuidadosa, regente sábia e política fria. A rainha (1643-1651), procedente da Espanha, entrega ao seu filho Luís XIV um reino bem organizado. O alicerce sobre o qual o "Rei Sol" construirá sua monarquia

1644
Cristina da Suécia
Ela tem apenas cinco anos quando seu pai Gustavo II Adolfo tomba na Guerra dos Trinta Anos. Conscienciosa, assume, aos 18 anos, o Reino da Suécia. Extremamente culta, Cristina atrai sábios e artistas para sua corte (no retrato, René Descartes é o segundo à direita). Após dez anos no Poder, ela renuncia para se dedicar à Arte e às Ciências, em Roma

1725
Catarina I
A serva, um despojo de guerra, é indicada ao imperador como "pequena deliciosa". O czar Pedro I casa-se com ela e transforma seu grande amor em herdeira do trono (1725-1727)

1745
Madame Pompadour
Em 1745, o rei Luís XV escolhe justamente uma plebeia como amante. Ele a ouve e ela, extremamente culta e hábil, ascende ao cargo secreto de conselheira do rei, tornando-se uma das mulheres mais poderosas de sua época

1837
Rainha Vitória

Ela ocupa o trono britânico durante 63 anos (1837-1901), muito mais que todos os seus antecessores, e empresta seu nome a uma época. Ainda assim, a partir de certo momento sua voz obtém repercussão cada vez menor, porque ela é obrigada a se submeter de forma crescente ao Parlamento

1862
Imperatriz viúva Tsu Hsi
Como concubina de quinta categoria ela dá ao imperador chinês seu único herdeiro masculino. De 1862 a 1908, Tsu Hsi governa no lugar do filho, e, mais tarde, em nome de seu sobrinho, sem sorte. Sob sua regência o império sucumbe. De forma zombeteira, diz-se que ela só demonstra habilidade para selecionar os cozinheiros da corte

1960
Sirimavo Bandaranaike
"O que ela entende de Política?" - muitos se enganam quando, em 1960, a viúva do chefe de governo assassinado do Ceilão torna-se a primeira premier do mundo. Tendo ocupado o cargo por três vezes, ela levou o país à independência

1966
Indira Gandhi
Tem atrás de si a mais poderosa dinastia de políticos da Índia. Seu pai, Jawaharlal Nehru, foi o primeiro chefe de governo do país independente. Como sua secretária e conselheira, Indira aprende os trâmites do poder. Entre 1966 e 1984, ela é por duas vezes primeira-ministra, até ser assassinada por sikhs fanáticos

1969
Golda Meir
Primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra de Israel (1969-1974). Golda é calorosa. E teimosa. "O povo palestino não existe", declara sucintamente. Ela perde a chance de promover conversações de paz e acaba por renunciar

1974
Isabel Perón
Em outubro de 1973, Juan Domingo Perón é eleito pela terceira vez presidente da Argentina e nomeia sua mulher, nascida María Estela Martínez, como vice-presidente. Mas Perón morre em 1º de julho de 1974. Isabel é rapidamente empossada como presidente. Mas seu governo é considerado como o de um fantoche. Ela se mostra sobrecarregada com as funções inerentes ao cargo

1986
Corazón Aquino
Uma dona de casa filipina faz o mundo prestar atenção. Em nome de seu marido assassinado, ela concorre contra Ferdinando Marcos e prova que uma mulher pode colocar um ditador corrupto para correr, sem se corromper no ofício (1986-1992)

1988
Benazir Bhutto

Ela herda a tarefa de seu pai: conduzir o Paquistão à modernidade. "Pinkie" se transforma em uma chefe de governo segura de seu poder (1988 e 1999). Foi assassinada em 2007

1993
Kim Campbell
Ela só governa o Canadá durante um verão e até hoje foi a única chefe de Estado na América do Norte. Em 1993, a conservadora renuncia após cinco meses, pois seu partido sofre um grande revés nas eleições para a Câmara dos Comuns

1993
Tansu Çiller
A professora da Faculdade de Economia do Bósforo é a primeira, e até agora única mulher, a ocupar o cargo de primeira-ministra da Turquia (1993 a 1996). Em 1990 adere ao Partido do Verdadeiro Caminho, e apenas três anos depois assume a presidência partidária. Considerada uma dura política reformista, também enfrenta acusações de corrupção

1999
Vaira Vike-Freiberga

Moscou, não obrigada! Durante sua presidência (1999-2007) a Letônia ingressa na OTAN e na EU. Ela prefere manter a potência russa, que no passado ocupou seu país, à distância. E provoca o chefe de Estado russo Vladimir Putin, ao falar apenas alemão com ele. Ela aprendeu o idioma após fugir do domínio soviético, em 1944

2000
Tarja Halonen
Em 1906, a Finlândia torna-se o primeiro país da Europa a conceder o direito do voto às mulheres. Hoje, a Política está firmemente em suas mãos. Durante o segundo mandato de Halonen como presidente (2006), a maioria dos ministérios também foi ocupado por mulheres

2005
Julia Tymoshenko

Depois da "Revolução Laranja", a bilionária do gás torna-se, em 2005, primeira-ministra da Ucrânia e é reeleita em 2007. Tymoshenko combate energicamente a política energética russa

2006
Ellen Johnson-Sirleaf
É a parcela impotente da sociedade liberiana, mães e avós, que a catapulta ao Poder. Na campanha eleitoral de 2005, elas marcham por toda a Libéria, devastada pela guerra, com cartazes que diziam: "Nosso homem chama-se Ellen!". Ela é a primeira presidente livremente eleita da África

2006
Michelle Bachelet

Autodidata e ateísta declarada, ela não se sentiu impedida de tentar a Presidência do Chile. Indício do quanto os tradicionais países católicos da América Latina estão mudando

2007
Cristina Kirchner
Seu marido foi seu antecessor, e também quer ser seu sucessor, é o que os Kirchner entendem por divisão de poder. Porém, em consequência das críticas generalizadas, também Nestor Kirchner aponta os erros de sua administração, iniciada em 2007, o que não produz mudanças no estágio atual de miséria econômica argentina

2009
Johanna Sigurdardottir
É ela quem deve arrancar a Islândia da crise financeira. A mãe de dois meninos é a primeira chefe de governo do mundo que, após divorciar-se do marido, vive abertamente em uma parceria homossexual

2009
Jadranka Kosor
A política dos Bálcãs também está se feminizando. Em julho de 2009, o Parlamento da Croácia nomeia a jurista como primeira-ministra do país. Sua promessa: governar a nação "com firme pulso feminino".