terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Entrevista com Sonia Wright

19-12-1008 – Entrevista exclusiva do site “Mais Mulheres no Poder”

Sonia Wright, cientista política da Rede Mulher & Democracia, fala sobre a pesquisa "A questão da Mulher na Visão Parlamentar no Nordeste do Brasil", que resultou na confecção de um livro de mesmo nome lançado há duas semanas.

Você e Vileni Garcia acabam de lançar o livro "A questão da Mulher na Visão Parlamentar no Nordeste do Brasil". Como surgiu a idéia para a pesquisa e confecção da obra?

A pesquisa foi inspirada em trabalho semelhante realizado pelo Cfemea com os parlamentares federais. Nossa idéia era conhecer a(o)s parlamentares estaduais do Nordeste e suas opiniões sobre as questões das mulheres, já que não havia pesquisa sobre o assunto. A investigação foi realizada em duas etapas, a primeira envolvendo quatro estados (Pernambuco, Sergipe, Maranhão e Piauí) e a segunda os cinco estados nordestinos restantes (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Bahia). A coleta de dados da primeira etapa foi feita em 2005, com parlamentares eleita(o)s em 2002, e a da segunda etapa foi realizada em 2007, com deputada(o)s eleita(o)s em 2006. O livro é o resultado da análise dos dados da pesquisa e pretende ampliar o conhecimento sobre a visão parlamentar no que tange os direitos femininos.

Quais os principais resultados que chegaram?

Traçamos inicialmente um perfil dessa(e)s representantes, quanto ao sexo, auto-identificação da cor/raça, faixa etária, grau de instrução, profissão/ocupação, estado civil, número de filha(o)s, partido político, auto-identificação ideológica, áreas prioritárias de atuação no Legislativo e número de mandatos exercidos. Constatamos que as mulheres representam apenas 14,5% da(o)s entrevistada(o)s, enquanto os homens dominam extensivamente esse espaço de poder, com 85,5% dos parlamentares.

A(o)s branca(o)s constituem metade da(o)s legisladora(e)s, ou seja, a representação de pessoas negras é bastante significativa (44,3% da(o)s parlamentares). A faixa de idade com maior número de parlamentares é a situada entre 30 e 49 anos (48,5%). A(o)s jovens (de 18 a 29 anos) apresentam um percentual de apenas 8,7%. Mais da metade (52,7%) da(o)s deputada(o)s possui a formação superior completa.

Quanto à ocupação, a grande maioria é proveniente dos setores médios da população, sendo a(o)s profissionais liberais o maior contingente (29,8%). A grande maioria (76%) da(o)s representantes é casada(o). A maioria da(o)s deputada(o)s possui filha(o)s, sendo que 80,5% possui de 1 a 4 filha(o)s.

Os partidos políticos que mais possuem representantes nas assembléias legislativas da Região Nordeste são o DEM (14,9%), o PMDB (14,5%), o PSDB (13,4%), seguido pelo PT (11,5%).
Quanto à auto-identificação ideológica, a maioria da(o)s parlamentares situa-se no centro e centro-esquerda. Direitos das mulheres e a promoção da equidade de gênero não figura enquanto prioridade legislativa - apenas 11,1% da(o)s parlamentares dedicam-se ao tema. Houve uma renovação de 37% de deputada(o)s que estão em seu primeiro mandato, a maioria delas mulheres.

Quanto a posição parlamentar acerca dos direitos das mulheres, chamou nossa atenção o fato de que há maior aprovação para as cotas no mercado de trabalho do que nos espaços de poder. A(o)s parlamentares consideram (61,8%) que o salário maternidade deve ser pago integralmente pela Previdência Social, independentemente do valor do salário. Mais da metade da(o)s parlamentares identificam a gratuidade do exame de DNA para a população de baixa renda como instrumento da paternidade responsável.

Também considerou-se que o assédio sexual deva ser criminalizado (78,6%). Significativamente 72,9% são favoráveis à inclusão da orientação sexual na Constituição Federal e à regulamentação da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo (62,6%).

A maioria (89,7%) também é favorável à inclusão da educação sexual nos currículos escolares. Somente 8,8% é radicalmente contrária(o) ao aborto. As mulheres são mais favoráveis que os homens a que o aborto não seja considerado crime, mas a maioria (66,8%) da(o)s parlamentares é a favor da legalização do aborto, em alguns casos, e o SUS sendo responsável por sua realização, assim como a realização do aborto legal pelo SUS é amplamente aceita (88,2%).

Quanto à violência sexual a resposta quase unânime (95,4%) foi a favor do atendimento das vítimas pelo SUS. A maioria (59,5%) considera que a destinação de recursos orçamentários para os direitos das mulheres é prioritária.

Enfim, a(o)s parlamentares estaduais nordestina(o)s mostraram-se amplamente favoráveis à maioria das reivindicações do movimento feminista e de mulheres.

A região Nordeste tem se destacado nos últimos anos quanto à crescente participação política das mulheres. Como analisa este fato?

O Nordeste tem um histórico de participação política das mulheres que vem desde o movimento sufragista da década de 1920. A primeira prefeita do País foi do Rio Grande do Norte, assim como houve uma intensa participação política através da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) em estados como a Bahia e Alagoas. Ou seja, existe um histórico de luta e organização das mulheres na Região.

Atualmente o Nordeste possui um forte movimento de mulheres, especialmente nos estados de Pernambuco e Maranhão, que conquistaram recentemente a criação e implementação de Secretarias da Mulher, com feministas à frente destes órgãos governamentais. No estado do Piauí, também foi criada uma Diretoria de Mulheres, vinculada a uma Secretaria. Há que se registrar que a crescente participação política das mulheres na Região ocorre pelo fato de existirem mulheres em cargos de poder, como é o caso da prefeita reeleita Luizianne Lins e da prefeita Micarla de Sousa, eleita prefeita de Natal (RN). A própria eleição da ex-candidata à presidência, Heloísa Helena, para a Câmara Municipal de Maceió (AL) deve-se à sua visibilidade pública, através da mídia, e o exercício do poder dentro de seu partido, o PSOL.

Por outro lado, o Nordeste conserva suas características patriarcais, onde a participação política das mulheres não é fruto de um movimento organizado, mas de espaços familiares na política, onde as mulheres em instâncias de poder são filhas, esposas e irmãs de políticos.

Nas últimas eleições, o Nordeste elegeu quase a metade das prefeitas eleitas no Brasil, estão na região as duas únicas mulheres eleitas prefeitas de capitais e teve uma capital (Maceió) com o maior percentual de mulheres eleitas para Câmara Municipal. Acredita que os bons resultados estão servindo ou podem servir como estímulo às mulheres de todo o Brasil?

Com certeza esses bons resultados devem servir de estímulo às mulheres, não só da Região como do País como um todo. No entanto, chamo atenção para o fato da representação política das mulheres ainda estar aquém do desejado. Com os atuais números, a representação continua simbólica, sem condições de exercer maior influências nas Câmaras Municipais.

Esse fato coloca para o movimento de mulheres o desafio de tratar essa questão de forma mais sistemática, ousando uma atuação suprapartidária que influencie partidos e outras instâncias de poder para que as demandas das mulheres, principalmente quanto ao exercício do poder, sejam atendidas.

Como avalia a relação entre política familiar e participação política de mulheres no Nordeste?
Esse é um aspecto ainda bastante forte na política nordestina. As famílias patriarcais sobreviveram ao fim formal do coronelismo, sendo o poder muitas vezes exercido por familiares, prioritariamente homens. Na impossibilidade de nenhum filho, irmão ou outro familiar do sexo masculino, é que se opta pela participação política da mulher. Esta mulher pode vir a ser uma aliada do movimento de mulheres, como ocorreu com várias durante o processo Constituinte, em que havia muita unidade interna da bancada feminina, ou Bancada do Batom.

Como o movimento de mulheres pode contribuir para uma reforma do sistema político brasileiro? Quais as principais reivindicações?

As mulheres estão participando dos debates e mobilizações para uma ampla reforma do sistema político brasileiro. Ressalto como principais reivindicações no que concerne o sistema eleitoral e partidário, parte dessa reforma ampla, que as eleições sejam financiadas, exclusivamente, por fundos públicos, equalizando as possibilidades de toda(o)s a(o)s candidata(o)s no aspecto econômico, onde as mulheres têm grande desvantagem; as listas fechadas para que se possa implantar a alternância de sexo na lista de candidaturas, obrigando os partidos políticos a garantir uma igualdade de chances entre mulheres e homens, aproximando a possibilidade de paridade; obrigatoriedade do cumprimento da cota, com fortes sanções aos partidos que infringirem a lei; e cotas para as mulheres quanto ao fundo partidário e tempo de propaganda na rádio e tv, garantindo-se melhores condições às mulheres que atualmente dispõem de menos recursos financeiros e menor visibilidade na mídia.

Como as pessoas podem ter acesso ao livro "A questão da Mulher na Visão Parlamentar no Nordeste do Brasil"?

O livro encontra-se à venda por R$ 10,00 com as componentes da Rede Mulher & Democracia nos nove estados nordestinos. Pode ser adquirido também com a Secretaria Executiva da Rede, no Centro das Mulheres do Cabo (cmc@mulheresdocabo.org.br ).

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Mulheres e Eleições 2008: náufragas em um oceano de machos


Patrícia Rangel, cientista política e consultora do CFEMEA
Setembro de 2008


É chegado o tempo das eleições municipais e, com elas, a possibilidade de transformação do espaço público no âmbito local. É especialmente preocupante o fato de, na democracia representativa, o poder político institucional ser masculino, branco, cristão, urbano. Há somente 17,2% de mulheres legisladoras no mundo e 19,5% nas Américas. Segundo a
ONU, no atual ritmo, a igualdade de participação entre os sexos em casas legislativas só será concretizada em cem anos. “Náufragas em um oceano de machos”, a frase que o escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu para descrever as legisladoras de seu país, foi a melhor definição que conheci para o panorama da representação feminina na região e no Brasil.


O Brasil, com 8,7% de deputadas federais, está em 146° num ranking de 192 países e em penúltimo na América do Sul, segundo a União Inter-Parlamentar (órgão vinculado à ONU). Nestas eleições, apesar de serem maioria do eleitorado, as mulheres são minoria das candidaturas a prefeito, vice-prefeito e vereador em nível nacional (21,36% dos 377.733).


Nas últimas eleições municipais, em 2004, o quadro não foi mais animador: elas eram 21,31% dos/as candidatos/as (somando os cargos de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a). Somente 7,52% dos/as prefeitos/as (9,53% das candidaturas ao cargo) e 12,65% dos/as vereadores/as (22,13% dos/as candidatos) eleitos/as foram mulheres naquele ano.


Levando em conta que as mulheres são 51,2% da população, 51,7% dos 130.604.430 eleitores brasileiros e 24,9% dos chefes de família, o que os dados nos mostram é que as mulheres são sub-representadas em todos os níveis legislativos e executivos do país. Os motivos dessa sub-representação vão desde fatores culturais até o sistema político, mas são sempre estruturais, ancorados em valores de sistemas ideológicos excludentes como o machismo.


A partir dos dados preliminares disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral em 09/10/2008, o CFEMEA apresenta a seguinte sistematização com o objetivo de oferecer uma base sólida para a reflexão acerca da participação política feminina nas Eleições Municipais de 2008 e contribuir para o debate sobre presença das mulheres no cenário político-partidário do país.


Dados Gerais das eleições
5.558 municípios;
130.604.430 eleitores (51,73% de mulheres).
377.733 candidatos/as (prefeito/a; vice-prefeito/a; vereador/a). 80.665 mulheres (21,36%).
15.231 candidatos/as a prefeito/a. 1.621 mulheres candidatas (10,64%).
347.333 candidatos/as a vereador/a. 76.670 mulheres candidatas (22,07%).
A região Norte é a única na qual as mulheres ainda são minoria do eleitorado (49,9%), mas, ainda assim, as candidatas da região conseguem alcançar a média nacional: elas são 22% do
total de candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a. O Sudeste é a região com maior percentual de votantes em geral e de eleitoras mulheres no país: dos eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 56.915.973 (43,57%) estão na região.


Destes, 51,98% são mulheres. A região, em percentual de eleitoras, só perde para o Nordeste (52,09%).


O Sudeste também é a região com segundo maior percentual de candidatas no geral, só perde para o Norte (22%): Das 145.307 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, 31.488 são femininas (21,7%). O Centro-Oeste tem 21,4%, o Nordeste tem 21,3% e o Sul tem a menor média de candidaturas femininas, 20%, de acordo com dados do TSE.

Candidaturas às Câmaras de Vereadores
Em 2008:
5.558 municípios;
52.058 cadeiras na Câmara de Vereadores (1 cadeira/2.508,82 eleitores);
130.604.430 eleitores (51,73% de mulheres).

* Em 2008, as mulheres representam 22,07% do total de candidatos/as a vereador, 76.670 em 347.333 candidaturas.

Em 2004:
5.563 municípios.
51.748 cadeiras na Câmara de Vereadores (1 cadeira/2.315,48 eleitores);
119.821.569 eleitores (51,18% de mulheres).

* Em 2004, as mulheres representavam 22,13% do total de candidatos/as a vereador, 76.555 em 346.419 candidaturas.


Constatação 1: enquanto o eleitorado cresceu 8,8%, o número de cadeiras no Legislativo Municipal aumentou somente 0,6%. Desta forma, perdeu-se espaço de representação política e ampliou-se a competição entre os/as candidatos/as.


Constatação 2: Constata-se um crescimento em números absolutos de 115 candidaturas femininas e de 904 no total de candidatos, o que demonstra que as mulheres reduziram a sua participação em 0,06%.

Regiões
De uma forma geral, os percentuais de candidaturas de mulheres às Câmaras de Vereadores
nas unidades federativas são relativamente homogêneos. O menor percentual é da região
Sul (21,10%) e o maior é do Norte (22,61%). Sudeste tem 22,47%, Centro-Oeste tem
22,12% e Nordeste tem 21,90%. Sendo a média nacional 22,07%, somente o Sul e o
Nordeste ficam abaixo da média. As maiores disparidades se mostram na comparação entre
os Estados.
Estados
Em relação ao percentual de candidaturas femininas à vereadora nos Estados brasileiros,
observamos heterogeneidade: o menor índice é 19,40% (Acre) e o maior é 25,26% (Mato
Grosso do Sul).
Igual ou acima da média nacional (22,07%), estão: Mato Grosso do Sul (25,26%),
Maranhão (24,33%), Rio de Janeiro (24,27%), Amapá (24,22%), São Paulo (24,21%), Pará
(23,38%), Alagoas (23,13%), Sergipe (23,04%), Rio Grande do Norte (22,84%), Tocantins
(22,80%), Roraima (22,72%), e Rondônia (22,53%),
Abaixo da média, estão: Acre (19,40%), Piauí (19,62%), Santa Catarina (19,78%), Minas
Gerais (20,31%), Pernambuco (20,69%), Espírito Santo (20,85%), Bahia (21,14%),
Amazonas (21,15%), Goiás (21,40%), Paraná (21,42), Mato Grosso (21,48%), Rio Grande
do Sul (21,53%), Ceará (21,92%) e Paraíba (21,93%).
Em 2004, o Rio de Janeiro (24,79%) ocupava a primeira posição e o Piauí (19,55%), a
última. Ceará, que hoje está abaixo da média, estava no primeiro grupo, com 22,56% de
mulheres candidatas, respectivamente (a média nacional era 22,13%). O Acre caiu
vertiginosamente, de 20,81% para 19,40%.
Rio Grande do Norte e Alagoas, por sua vez, obtiveram sucesso em sair do grupo de
Estados abaixo da média nacional em candidaturas femininas e subiram para o primeiro
grupo. Em 2004, eles tinham 21,32% e 20,91% de candidaturas femininas,
respectivamente.
Partidos políticos
Em relação às candidaturas femininas a vereadora por partido político, faz-se mister
destacar que, novamente, nenhum dos 27 partidos cumpriu a Lei 9.504/97, que reserva um
percentual mínimo de 30% das vagas nas listas eleitorais às mulheres.
Igual ou acima da média nacional de candidaturas femininas (22,07%), estão: PRB
(23,83%), PTC (23,74%), PSTU (23,56%), PC do B (23,44%), PV (23,30%), PRTB
(23,09%), PTN (22,91%), PT (22,90%), PT do B (22,75%), PSDB (22,38%), PMN
(22,29%) e PSC (22,16%).
Abaixo da média nacional, colocam-se: PSL (22,05%), PSB (21,97%) PHS (21,96%), PRP
(21,91%), PSDC (21,91%), DEM* (21,88%), PMDB (21,72%), PTB (21,56%), PPS
(21,45%), PDT (21,43%), PP (21,41%), PCB (21,33%), PR (21,09%) PSOL (20,43%) e
PCO (18,52%).
Em relação às eleições de 2004, subiu para o primeiro grupo o PSDB, que tinham 21,84%.
Desceram para o segundo grupo o PCO e o PP, que tinham 23,46% e 22,18%,
respectivamente. PRONA e PL se fundiram sob a sigla PR em outubro de 2006. Desta
forma, o PL, que tinha 21,42%, se manteve no segundo grupo e o PRONA, que tinha,
24,98%, caiu de posição (o PR tem 21,01% de candidaturas femininas em 2008). O PAN,
que foi incorporado ao PTB em outubro de 2006, também caiu, uma vez que tinha 24,67%
em 2004 (o PTB também tem 21,56% de candidaturas femininas em 2008).
* O PFL mudou seu nome para DEM em março de 2007.
Faixa etária
Observando os dados preliminares sobre as candidaturas ao cargo de vereador/a do TSE,
percebemos que o perfil dos candidatas/os, em termos geracionais, é predominantemente de
meia-idade. A maior parte dos candidatos/as a vereador/a está na faixa dos 45 a 59 anos
(136.228 em 347.333) e a faixa etária onde há menos candidaturas compreende aquela entre
os 18 e os 20 anos (2.555 em 347.333). Observamos também que os homens são maioria
em todas as faixas etárias. Contudo, há algumas em que a diferença é especialmente
marcante: 60 a 69 anos (81,81% homens e 18,19% mulheres), 70 a 79 anos (87,44%
homens) e superior a 79 anos (89,98% homens). A faixa etária em que a diferença é mais
suave é entre os 18 aos 20 anos (67,05% homens e 32,95%). Talvez isso esteja associado
aos ciclos de vida da mulher e às conseqüências da divisão sexual do trabalho. Em relação a
esta, as mulheres têm dificuldades para se envolver em atividades políticas por conta da
dupla jornada de trabalho (trabalho remunerado e trabalho doméstico), que absorve das
mulheres tempo e energia. A militância político-partidária implica numa tripla jornada de
trabalho.
Há um grau de desigualdade na divisão sexual do trabalho social extremamente marcante
no Brasil que, combinado ao peso da dupla jornada, produz impacto direto na
desmobilização das mulheres comuns em relação à política. Com o acúmulo dos trabalhos
remunerado e não remunerado, elas não dispõem de tempo, disposição (referimo-nos ao
cansaço como falta de disposição, na ausência de palavra melhor) ou incentivos para se
envolver em atividades sindicais, partidárias ou comunitárias. Em 96% dos domicílios em
que residem mulheres, uma mulher é a principal responsável pelos afazeres domésticos.
Somente essa informação já nos auxilia a entender, ao menos em parte, porque as mulheres
permanecem fora da política partidária.
Para Araújo e Scalon (2005), a centralidade e as demandas dos filhos são aspectos que
pesam, uma vez que o cuidado1 dos filhos é atribuído às mulheres. As autoras apontam,
nesse sentido, que há mais parlamentares homens casados do que mulheres e que estas
compõem o grupo de legisladores que apresentam índice mais elevado de estado civil
divorciado ou solteiro, o que indica que o cuidado com a família dificulta ou impede seu
maior envolvimento na política e, sobretudo, sua entrada na disputa eleitoral,
principalmente para cargos legislativos federais (Câmara dos Deputados e Senado Federal).
Talvez isso explique o fato de 1,8% das deputadas federais terem entre 18 e 24 anos, idade
em que provavelmente ainda não constituíram família, em oposição a 0,9% dos deputados
homens com a mesma idade (Araújo & Alves, 2007).
1 Cuidado é entendido como atenção social, psíquica, emocional e física oferecida diariamente às outras
pessoas. Ao serem atribuídas as mulheres, essas responsabilidades prejudicam o desenvolvimento da
cidadania social feminina (ARAÚJO e SCALON, 2005).
Além dos fatores listados até aqui, as mulheres têm como barreira o fato de muitos homens
com carreiras políticas consolidadas conseguirem facilmente se reeleger. A possibilidade de
reeleição é um fator de conservação da composição de gênero/ geração e um obstáculo à
renovação da Câmara de Vereadores, prejudicando as mulheres que buscam ingressar na
assembléia. Entre outros motivos, é por isso que as mulheres demoram mais para construir
uma carreira política: 52% das deputadas federais têm entre 45 e 59 anos, em oposição aos
48% de legisladores homens.
Grau de instrução
Assim como ocorre em todas as categorias, os homens são maioria em cada faixa na
classificação do grau de instrução dos candidatos a vereador. Desta forma, apresentam
maiores percentuais de educação formal do que as mulheres em números absolutos. Veja na
tabela abaixo:
Vereador(a)
Instrução/ Cargo Homens Mulheres
Quant. % Quant. % Total
Analfabeto 237 87,13 35 12,87 272
Ensino fundamental completo 44.313 82,36 9.491 17,64 53.804
Ensino fundamental incompleto 65.491 86,12 10.557 13,88 76.048
Ensino médio completo 83.452 75,75 26.712 24,25 110.164
Ensino médio incompleto 16.342 79,18 4.296 20,82 20.638
Lê e escreve 8.769 87,50 1.253 12,50 10.022
Superior completo 38.645 66,61 19.376 33,39 58.021
Superior incompleto 13.414 73,05 4.950 26,95 18.364
TOTAL 270.663 77,93 76.670 22,07 347.333
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares -
17/09/2008.
Entretanto, fica fácil percebermos que essa superioridade só se dá porque os homens são
numericamente superiores às mulheres. Se separarmos os dados e calcularmos o percentual
de candidatos em cada faixa de grau de instrução sobre o total de candidaturas de cada
sexo, teremos o seguinte resultado:
Vereador(a)
Instrução/ Cargo Homens
Quant. %
Analfabeto 237 0,09
Ensino fundamental completo 44.313 16,37
Ensino fundamental incompleto 65.491 24,20
Ensino médio completo 83.452 30,83
Ensino médio incompleto 16.342 6,04
Lê e escreve 8.769 3,24
Superior completo 38.645 14,28
Superior incompleto 13.414 4,96
TOTAL 270.663 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Vereador(a)
Instrução/ Cargo Mulheres
Quant. %
Analfabeto 35 0,05
Ensino fundamental completo 9.491 12,38
Ensino fundamental incompleto 10.557 13,77
Ensino médio completo 26.712 34,84
Ensino médio incompleto 4.296 5,60
Lê e escreve 1.253 1,63
Superior completo 19.376 25,27
Superior incompleto 4.950 6,46
TOTAL 76.670 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Enquanto o grupo de mulheres candidatas mais representativo é o das que terminaram o
ensino médio (24,84%), seguido do grupo das que terminaram o ensino superior (25,27%),
o grupo de homens candidatos mais representativo é o dos que terminaram o ensino médio
(30,83%), seguido dos que não terminaram o ensino fundamental (24,20%). Os homens que
terminaram o ensino superior são só 14,28%, bem menos do que os 25,27% de mulheres
que o fizeram.
De forma geral, altos níveis de educação constituem uma condição favorável para que as
mulheres ascendam a cargos legislativos em todos os Estados. Contudo, parece haver mais
exigências educativas e profissionais para as mulheres parlamentares do que para seus pares
masculinos. Elas precisam ter antecedentes nem sempre exigidos dos homens. Os
parâmetros pra avaliar capacidades e desempenho na política não parecem ser os mesmos
para homens e mulheres.
Candidaturas a prefeita em 2008:
Em 2008:
5.558 municípios;
130.604.430 eleitores (51,73% de mulheres).
* Em 2008, as mulheres representam 10,64% do total de candidatos/as a prefeito/a,
totalizando 1.621 em 15.321 candidaturas.
Em 2004:
5.563 municípios.
119.821.569 eleitores (51,18% de mulheres).
* Em 2004, as mulheres representavam 9,53% das candidaturas, totalizando 1.501
candidatas em um total de 15.746 candidatos/as.
Constatação: Houve um decréscimo em números absolutos de candidaturas ao cargo de
prefeito/a (425 a menos do que 2004) e um crescimento absoluto de candidaturas femininas
(120 a mais do que 2004), correspondendo a um crescimento percentual de 1,11% de
candidatas a prefeita.
Regiões
Os percentuais de candidaturas de mulheres às Prefeituras nas unidades federativas são
menos homogêneos que nas Câmaras de Vereadores. O menor percentual é da região Sul
(8,02%) e o maior é do Nordeste (13,54%). Centro-Oeste tem 10,56%, Norte tem 12,24% e
Sudeste, 8,76%. Sendo a média nacional 10,64%, somente Norte e Nordeste ficam acima da
média. A exemplo do que ocorre na disputa por cargos legislativos, as maiores disparidades
se encontram na comparação entre os estados.
Observamos que o Nordeste, apesar de não possuir o maior percentual de candidatas, no
geral, concentra 28 dos 41 municípios brasileiros onde só mulheres disputam prefeitura. O
líder nacional é a Paraíba, com sete cidades. Depois, vem São Paulo, com cinco; seguem
Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte, com quatro cada um; Alagoas e Minas Gerais, com
três cidades cada; Ceará e Maranhão, com duas cada; Espírito Santo, Goiás, Paraná, Pará,
Pernambuco, Sergipe e Tocantins, com uma cidade cada um. Ou seja, dos 16 Estados que
possuem municípios com candidaturas à prefeitura unicamente femininas, nove são
nordestinos. Considerando que a região Nordeste é formada por nove Estados, ela é a única
região na divisão política do Brasil na qual 100% dos Estados possuem municípios nos
quais só mulheres disputam prefeitura.
Estados
Entre as unidades federativas, constata-se uma grande discrepância entre a participação das
mulheres como candidatas a prefeita, com percentuais de candidaturas femininas que vão
de 5,97% (Acre) a 17,16% (Sergipe).
Igual ou acima da média nacional (10,36%), destacam-se: Sergipe (17,16%), Amapá
(17,14%), Alagoas (16,94%), Maranhão (16,57%), Paraíba (15,22%), Tocantins (14,81%),
Roraima (13,95%), Piauí (13,28%), Rondônia (13,25%), Rio Grande do Norte (12,90%),
Ceará (12,80%), Mato Grosso do Sul (11,48%), Pará (11,11%), Bahia (10,07%), Goiás
(10,74%) e Pernambuco (10,74%).
Abaixo da média, colocam-se: Rio de Janeiro (10,20%), São Paulo (9,91%), Mato Grosso
(9,81%), Amazonas (9,61%), Espírito Santo (9,46%), Paraná (8,85%), Rio Grande do Sul
(7,83%), Minas Gerais (7,47%), Santa Catarina (7,11%) e Acre (5,97%).
Em relação a 2004, quando a média nacional era 9,53%, caiu para o segundo grupo o
Estado do Rio de Janeiro, que tinha 9,97%. O Estado de Pernambuco (que tinha 8,23%)
subiu para o grupo dos que têm candidaturas acima da média.
Constatamos também que em nove dos 26 Estados não há nenhuma candidatura feminina
na disputa da prefeitura na capital: Acre, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Roraima.
Partidos políticos
Em termos de candidaturas a prefeito/a por partido político, de forma agregada em todo o
país, destaca-se também uma grande diferença entre eles: o percentual de mulheres
candidatas em cada partido vão de 4,12% (PRP) a PCO (40,00%).
Igual ou acima da média nacional (10,64%), destacam-se: PCO (40,00%), PSTU (20,59%),
PTN (13,40%), PC do B (12,63%), PV (12,63%), DEM (12,53%), PRB (13,36%), PR
(12,10%), PMN (11,83%), PHS (11,58%), PSOL (11,46%), PTB (11,16%), PT (10,80%) e
PT do B (10,64%).
Abaixo da média nacional, colocam-se: PSB (10,57%), PMDB (10,30%), PSDB (10,11%),
PPS (10,06%), PRTB (9,80%), PP (9,48%), PTC (9,47%), PSL (9,28%), PDT (9,25%),
PSDC (7,61%), PCB (6,98%), PSC (6,32) e PRP (4,12%).
Em relação a 2004, quando a média nacional era 9,53%, caíram para o segundo grupo:
PRTB (que tinha 17,89%), PTC (11,46%), PRP (10,67%) e PSC (9,94%), Como PRONA e
PL se fundiram sob a sigla PR em outubro de 2006, ambos continuara acima da média, uma
vez que o PR superou os 10,64%.
Em relação ao último pleito, os partidos que saíram do grupo abaixo da média e subiram
para o primeiro grupo são: DEM (que tinha 9,34%), PTN (7,24%), PT do B (7,21%) e
PMN (6,62%). O PAN (4,65% em 2004), que foi incorporado ao PTB em outubro de 2006,
também subiu para o primeiro grupo, uma vez que o PTB passou dos 10,64%.
Faixa etária
A exemplo do que ocorre na disputa pelas vagas nas Câmaras dos Vereadores, os dados
preliminares sobre os candidatos/as ao cargo de prefeito/a do TSE revelam que as
candidaturas são majoritariamente de indivíduos de meia-idade. Da mesma forma que
ocorre em relação às mulheres, há uma sub-representação dos jovens, tanto em candidaturas
quanto em eleições.
A maior parte dos candidatos/as está na faixa dos 45 a 59 anos (7.691 em 15.231) e a faixa
etária onde há menos candidaturas compreende aquela entre os 18 e os 20 anos (nenhuma
candidatura). Apesar de serem quase 19% do eleitorado, os/as jovens (faixa de 18 a 24
anos) são somente 0,43% dos/as aspirantes a prefeito/a2: eles são somente 66 no país todo.
Não bastasse ser pouco, esse número ainda têm decrescido, tanto em número absolutos
quanto em percentual: nas últimas eleições municipais, eles eram 76 no país (0,48%).
2 Para se chegar a esse percentual, é preciso agrupar as candidaturas de duas categorias: candidatos/as com 18
a 20 anos e candidatos/as com 21 a 24 anos.
Dessas 66 candidaturas de jovens, 11 são femininas (16,66%). É na faixa dos 21 aos 24
anos que está a participação relativa mais elevada de mulheres ao cargo de prefeito/a. Ao
exemplo do que ocorre para as Câmaras de Vereadores, isso provavelmente ocorre porque,
nessa idade, as mulheres ainda não foram consumidas pelas atividades e obrigações
relacionadas ao casamento e ao cuidado dos filhos.
Novamente isso se relaciona à divisão sexual do trabalho e à dupla jornada feminina.
Segundo Gustavo Venturi e Marisol Recamán (2005), o intenso movimento em direção ao
mercado de trabalho das mulheres, que se constituíram provedoras das famílias, não
encontrou como contrapartida a equivalência masculina na divisão do trabalho doméstico
nem a mudança de estigmas que reforçam a idéia de inferioridade feminina no espaço
público: entre os casais brasileiros, quase a totalidade dos homens são provedores e
praticamente a totalidade das mulheres executam ou chefiam as tarefas domésticas, ao
mesmo tempo em que quase a metade das mulheres é também provedora e apenas 20% dos
homens participa do trabalho doméstico. Em somente 2% dos domicílios em que há
mulheres, o trabalho doméstico fica a cargo de algum homem e em apenas 19% os homens
auxiliam nessas tarefas.
Grau de instrução
Assim como ocorre em relação às candidaturas às Câmaras de Vereadores, os homens
candidatos à prefeito são maioria em cada faixa na classificação do grau de instrução e
apresentam maiores percentuais de educação formal que as mulheres, em números
absolutos. Contudo, se calcularmos o percentual de candidatos em cada faixa de grau de
instrução sobre o total de candidaturas de cada sexo, perceberemos que, em termos
percentuais, as mulheres candidatas a prefeita possuem grau de escolaridade mais alto que
seus pares masculinos, como podemos ver nas tabelas abaixo:
Prefeito(a)
Instrução/ Cargo Mulheres
Quant. %
Analfabeto 0 0,00
Ensino fundamental completo 55 3,39
Ensino fundamental incompleto 63 3,89
Ensino médio completo 380 23,44
Ensino médio incompleto 28 1,73
Lê e escreve 4 0,25
Superior completo 961 59,28
Superior incompleto 130 8,02
TOTAL 1.621 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Prefeito(a)
Instrução/ Cargo Homens
Quant. %
Analfabeto 1 0,09
Ensino fundamental completo 1.146 8,42
Ensino fundamental incompleto 1.342 9,86
Ensino médio completo 3.476 25,54
Ensino médio incompleto 561 4,12
Lê e escreve 156 1,15
Superior completo 5.860 43,06
Superior incompleto 1.068 7,85
TOTAL 13.610 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Enquanto o grupo mais representativo de mulheres candidatas é o das que terminaram o
ensino superior (59,28%), o grupo mais representativo de homens candidatos também é o
dos que terminaram o ensino superior, mas a proporção é bem menor do que no caso de
candidaturas femininas: só 43,06% do total de homens na disputa pelo cargo de prefeito. É
interessante ressaltar que, no caso das candidatas a prefeita, o percentual das que não
terminaram o ensino fundamental é só de 3,82%, quase três vezes menor que nas
candidaturas masculinas: 9,86%.
Esses dados só enfatizam o argumento que trouxemos na discussão sobre grau de instrução
por sexo em candidaturas às Câmaras de Vereadores. Parece haver mais exigências
educativas e profissionais para as parlamentares do que para seus pares masculinos.
Recorte racial e sócio-econômico
O TSE não realiza nem disponibiliza em seu banco de dados levantamento de candidaturas
com um recorte de raça/etnia nem sócio-econômico. A informação deveria ser colhida nas
fichas das/os candidatas/as, a exemplo do que acontece com a categoria “sexo”. Ainda
assim, a observação do dia-a-dia da política institucional nos permite afirmar que a subrepresentação
política feminina é transpassada por um sistema de exclusão que se expressa
em diversas formas de marginalização, sobretudo econômica e racial. As mulheres não são
excluídas dos espaços de decisão, não só por serem mulheres, mas por ser maioria da
população pobre e por não serem, em grande medida, pertencentes ao grupo étnico
dominante. São marginalizadas por serem negras, por estarem na base da pirâmide social,
por não terem recursos e influência.
Ainda que a desigualdade de gênero, por si só, fosse totalmente suplantada e
conquistássemos paridade de participação entre mulheres e homens nos cargos políticos, a
cara do poder continuaria branca, urbana, proprietária, cristã. Não queremos assembléias
legislativas compostas metade por homens e metade por mulheres, igualmente
proprietárias, igualmente brancas igualmente provenientes das famílias que detém o poder
há séculos, portadoras de valores tradicionais e excludentes, representantes de um sistema
político bem construído e bem armado, articulado para excluir. São 500 anos atuando e
encontrando meios para se manter. O sistema consegue sobreviver, pois é fluido, mutante e
por ter alta capacidade de adaptação.
Política: a linguagem da violência?
Segundo levantamento realizado pelo Ministério Público Eleitoral, um terço dos candidatos
do município do Rio de Janeiro responde a (pelo menos uma) ação por crime de violência
contra a mulher. Considerando que das 1.331 candidaturas na cidade, 1.027 são masculinas,
essa fração equivale a 343 candidatos. É assustador perceber que o número de agressores
que pretendem nos representar nas prefeituras e assembléias municipais seja tão alto. O
levantamento deixa patente a total falta de integridade de tais candidatos para levar a cabo
essa tarefa. Eles, se eleitos, só farão perpetuar a situação de opressão e violência contra as
mulheres.
No Brasil como um todo, o número de atendimentos a mulheres vítimas de agressão
aumentou 107,9% no primeiro semestre do ano em relação ao mesmo período de 2007.
Foram 121.891 atendimentos, contra 58.417 no ano anterior. Segundo a Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres (SPM), o aumento no número de registros se relaciona à
maior divulgação da Lei Maria da Penha (lei nº 11340/06). Dos 27 Estados brasileiros, os
que apresentam maior número de chamados para a Central de Atendimento à Mulher são o
Distrito Federal (132,8 atendimentos para cada 50 mil mulheres), São Paulo (96,4 na
mesma base de comparação) e Pará (79,5 chamados). O Rio está em sétimo lugar (65,4
ligações). Uma pesquisa realizada por Ibope/Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de
Gênero, com apoio da SPM, revela que a maioria da população brasileira conhece a Lei
Maria da Penha (68%) e reconhece sua eficácia.
Daí a relevância dos pleitos municipais para as mulheres, uma vez que a implantação de
uma série de leis e programas voltados para a cidadania feminina, como a lei Maria da
Penha, depende da ação do município. Segundo especialistas, as eleições municipais
facilitam a escolha do candidato porque os eleitores estão próximos dos políticos e podem
acompanhá-los. É preciso aproveitar essa vantagem para distinguir candidatos íntegros de
cúmplices da violência e dos valores excludentes, impedindo a ascensão destes. Somente
elegendo líderes comprometidos com a superação da marginalização feminina e dispostos a
aplicar os mecanismos das leis desenvolvidas em prol da mulher é que poderemos punir os
343 candidatos cariocas e os outros milhares de agressores que estão impunes no Rio de
Janeiro e nas outras cidades brasileiras. As eleições se apresentam como possibilidade de
reverter a desigualdade entre os sexos e a opressão contra as mulheres.
Cargos executivos X cargos legislativos e a eficácia das cotas
Aos vereadores e vereadoras cabem as funções de representar interesses da população em
geral, aprovar leis assegurando o desenvolvimento da coletividade, participar de discussões
sobre orçamento, fiscalizar e controlar gastos públicos, avaliar ações da prefeitura. A
implementação de legislação e programas essenciais para mulheres depende da ação do
município. Daí a importância das eleições municipais e da presença feminina às
assembléias municipais. O/a legislador/a pode, dentro e fora da Câmara, suscitar o debate
sobre gênero e a importância de políticas voltadas para as mulheres, além de ficar atento ao
cumprimento das leis, principalmente com relação à Lei Maria da Penha, e instruir a
população sobre a lei e sua aplicação. Através de um mandato também é possível buscar
recursos para a viabilização de oficinas em escolas que debatam questões de gênero e
educação sexual. Também no Conselho Municipal da Mulher, os legisladores podem
propor projetos. Apesar de ser relativamente mais acessível às mulheres, conquistar um
cargo de vereador é especialmente difícil para mulheres, sobretudo mulheres negras, pobres
ou jovens.
Os/as prefeitos/as possuem a função de apresentar aos vereadores projetos de lei, executar
legislação aprovada pela Câmara, comandar e coordenar contatos externos, administrar a
Prefeitura de forma a prestar com eficiência os serviços básicos às necessidades da
população, elaborar projetos orçamentários do município, zelar pelo patrimônio e recursos
públicos, prestar contas sobre sua administração, entre outras.
A legislação eleitoral brasileira estabelece um mínimo de 30% para mulheres nas vagas de
candidaturas em cada partido político na disputa por cargos de vereador/a (é importante
ressaltar que a cota é aplicada nas candidaturas, não no número de cadeiras em cada
assembléia). Contudo, ao analisarmos os dados oferecidos pelo TSE, verificamos que, em
relação a 2004, houve crescimento bem maior para a candidatura a prefeito/a, eleição
majoritária que não é contemplada pelo sistema de cotas. Como já vimos, para os cargos
legislativos disputados nas eleições municipais de 2008 (vereador/a), as mulheres desceram
de 22,13% para 22,07%, enquanto para cargos executivos (prefeito/a), subiram de 9,53%
para 10,64%. O crescimento de candidaturas femininas de 2000 para 2004 obedeceu a
mesma lógica.
O que podemos concluir dessas constatações é que o sistema de cotas não tem apresentado
efeitos diretos sobre as candidaturas a cargos legislativos, possui um caráter mais simbólico
do que efetivo e influencia indiretamente a disputa pelo cargo de prefeito/a que, com
certeza, beneficia-se de toda a discussão sobre a necessidade de ampliação da participação
política das mulheres para o aprofundamento da democracia.
Como funciona a lei de cotas no caso das assembléias municipais?
No Brasil, a legislação eleitoral prevê cotas para mulheres nas candidaturas a cargos
legislativos: a lei n. 9.504/97 (Art. 10. § 3º) reserva no mínimo 30% e no máximo 70% das
vagas de candidaturas para cada sexo, em eleições proporcionais. A norma já é falha por
natureza, pois designa às mulheres somente 30% das vagas nas listas eleitorais num país em
que mais da metade da população é composta por mulheres. A lei é insuficiente em
transferir para as assembléias legislativas a realidade da sociedade.
Além disso, a legislação não estabelece sanções ou mecanismos que garantam o
cumprimento da lei de cotas. O máximo de punição para os partidos que violam a
legislação é o impedimento de preencher os 30% mínimos destinados às mulheres com
candidaturas masculinas. Para piorar, a lei n. 9.504/97 permite ao partido “registrar
candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e
Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher”.
Exemplo: se há 100 vagas na Câmara dos Vereadores, cada partido poderia, a princípio,
oferecer 100 candidatos, sendo que no mínimo 30 seriam mulheres. Contudo, a brecha
oferecida pela lei 9.504/97 permite que sejam oferecidos 150 candidatos, com 45 mulheres,
no mínimo. Como o partido não é punido em caso de descumprimento e pode deixar em
aberto as 45 vagas femininas, ele pode simplesmente oferecer 105 homens e nenhuma
mulher para disputar as 100 vagas sem violar nenhuma norma. Ou seja, a mesma lei que
reserva cotas para mulheres providencia o mecanismo para neutralizar seus efeitos. Isso
nos ajuda a entender porque somente 12,6% dos vereadores eleitos em 2004 e 11,6% dos
eleitos em 2000 eram mulheres.
Apesar dos problemas encontrados na aplicação da lei de cotas, é importante ressaltar o
valor desse mecanismo de ação afirmativa, seu efeito simbólico, sua influência nas
transformações da cultura política de modo a aceitar cada vez mais a presença feminina e a
conquista que ela representa para o movimento feminista e para a coletividade de mulheres
brasileiras. O fato de haver dificuldades aponta para a necessidade de aprimorar o sistema,
não de descartá-lo.
Porque as mulheres participam pouco da política partidária?
Os fatores que contribuem para a sub-representação feminina são inúmeros e interagem
entre si de forma tão complexa que fica quase impossível distingui-los. Mas, de forma geral
e simplificada, podemos separá-los em quatro categorias:
1. Sistema político.
No Brasil, os deputados e vereadores são eleitos por meio de um sistema de representação
proporcional com listas partidárias abertas. O sistema de Representação Proporcional
teoricamente se fundamenta na noção de “microcosmo” contida na definição de
representação simbólica. Ele busca reproduzir a configuração da sociedade convertendo
votos de cada partido em assentos no parlamento. No Brasil, entretanto, o sistema eleitoral
falha em alcançar esse objetivo. Na maioria das vezes, isso se deve ao nosso tipo de lista
eleitoral, que se refere à possibilidade do eleitor expressar preferência por partidos políticos
ou candidatos.
O Brasil faz parte de uma família do sistema eleitoral favorável, mas seu tipo de lista é
apontado como adverso à eleição de mulheres. A lista aberta permite uma mobilização de
tipo vertical (re-ordenamento intrapartidário) e autoriza ainda uma mobilização de tipo
horizontal (re-agrupamento interpartidário), possibilitando que o eleitor modifique a ordem
dos candidatos na lista e incorpore nomes de outros partidos políticos. A lista fechada
possui a vantagem de impedir que se anule o pré-ordenamento de uma lista confeccionada
com observância de alternância de sexo, uma vez que o eleitor não pode alterar a ordem dos
nomes dos candidatos na folha de votação. Por esse motivo, muitos estudiosos argumentam
que as cotas por sexos apresentam maiores chances de obter sucesso quando são aplicadas
em sistemas de listas fechadas, como na Argentina, do que em listas abertas, como no
Brasil3. As listas abertas rompem os acordos e os equilíbrios que se tentam alcançar ou
3 Para outros autores, entre eles Clara Araújo (2008), a relação direta entre listas abertas e baixa representação
feminina pode ser questionada. Apesar disso, a autora explica que não é incorreto afirmar que, no caso
brasileiro, o sistema de listas abertas e sua interação com outros fatores provavelmente não ajudam muito as
mulheres candidatas. A autora cita três fatores que contribuem para isso: 1) No Brasil, ao contrário de outros
países que permitem o voto preferencial duplo (Peru, por exemplo), o eleitor só pode votar em um candidato;
2) Não há fidelidade partidária, o que debilita as organizações políticas e individualiza a competição eleitoral;
e 3) A ausência de um financiamento público substantivo para as campanhas, combinada com altas dimensões
preservar no âmbito político institucional, além de tornar o processo eleitoral totalmente
personalizado.
Daí a demanda do movimento feminista para que se instaure no Brasil um sistema de
dupla-cotas, semelhante ao que existe na Argentina: que adote listas fechadas com
alternância de sexo e que estabeleça um pré-ordenamento que coloque as mulheres no topo
da lista (com maiores chances de eleição) e que obrigue que, a cada dois candidatos do
mesmo sexo, o terceiro seja do outro sexo, impedindo que os homens fiquem em seqüência
nos melhores lugares e deixem as mulheres no final na lista. Também é necessário
estabelecer outras medidas que favoreçam a efetividade das cotas, como o financiamento
público exclusivo das campanhas, a reserva de tempo de propaganda política para
mulheres, a destinação de um percentual do fundo partidária para as mulheres realizarem
seminários, cursos de formação e outras atividades que fortaleçam as candidaturas
femininas.
No caso do Brasil, para piorar, há uma distorção na distribuição da representação: as UFs
menores são sobre-representadas enquanto os Estados com maior população são subrepresentados,
tornando a disputa eleitoral nestes mais acirrada.
2. Partidos políticos e recrutamento de candidatos
Em relação à inclusão de candidatas, os partidos, de uma forma geral, não estimulam a
participação de mulheres nas eleições e raramente preenchem as cotas por sexo. As poucas
mulheres bem-recebidas como candidatas nos partidos políticos são aquelas que possuem
extraordinária trajetória política e fama. Por outro lado, candidatas comuns são deixadas de
lado em detrimento de candidatos comuns. Assim, de fato, muitas mulheres que pensam em
se candidatar acabam desistindo, pois não possuem nem o apoio do partido nem apoio
financeiro de ninguém.
Em grande medida, o não-sucesso da cota se deve às singularidades tanto da norma quanto
do sistema eleitoral do país. A adoção de listas abertas e a forte individualização das
campanhas políticas contribuem para que as mulheres tenham muitas dificuldades para
entrar no jogo eleitoral com possibilidades reais de eleição. A ausência de penalidades para
o não-cumprimento acaba tornando inúteis as estratégias voltadas para monitorar se as
cotas são corretamente aplicadas, dando um efeito de caráter simbólico, não efetivo, à
legislação. Desde a implementação da lei 9.504/97, em 1998, nenhum partido respeitou o
sistema de cotas nas eleições que se sucederam. Tal fato nos leva a concluir que, além de
não se empenhar em preencher as vagas reservadas por lei às mulheres nas listas, os
partidos não lançam candidatas com chances reais de se eleger.
Em relação ao recrutamento de candidatos, as qualificações formais dos aspirantes a
candidatos, a experiência prévia em cargos políticos, os vínculos políticos, os recursos
financeiros e a fama são fatores relevantes para o recrutamento. No Brasil, a lógica de
competição eleitoral não distinguiria os sexos. Assim, possuindo capital político e
geográfico-populacionais, torna a busca por recursos financeiros e humanos e redes de apoio dramaticamente
decisiva para o resultado da disputa eleitoral.
visibilidade, uma mulher tem grandes chances de ser recrutada. Isso não se relaciona a uma
vontade política de diminuir a disparidade de gênero na participação político-institucional,
e sim a uma competição eleitoral que valoriza os que já possuem trajetória política e
recursos para a campanha. Com a supervalorização de trajetória política prévia e
visibilidade, o que acaba ocorrendo é que os partidos não se preocupam em promover a
liderança feminina: selecionam só as mulheres com capital político alto para competir com
reais chances de ganhar e convocam outras mulheres só para preencher as cotas e
conformar a lista (“candidatos laranja”). Como são poucas as mulheres que conseguem
trilhar esse caminho, a maioria esmagadora das aspirantes a um cargo legislativo sequer são
cogitadas para se tornarem candidatas com chances reais de eleição.
A racionalidade e a transparência do recrutamento de candidatos/as dependem do
estabelecimento de regras claras e da vontade dos partidos cumprirem-nas, o que raramente
ocorre no Brasil. No país, a seleção de candidatos é feita predominantemente no “jardim
secreto” das decisões de elites partidárias. E nesse jardim secreto os que mandam são os
homens. O sistema político e eleitoral brasileiro é elitista, racista, personalista e sexista,
favorece as pessoas que têm recursos financeiros e influências políticas.
3. Fatores sócio-econômicos
Em relação aos recursos dos candidatos, o caráter individualizado da política eleitoral que
provoca o sistema de listas abertas incentiva a competição entre candidatos inclusive de um
mesmo partido ou coalizão e os lança numa busca por recursos próprios, sejam eles
financeiros, de mídia, de pessoal ou de contatos. Além de uma conseqüência inerente do
tipo de lista, a personalização da política eleitoral ocorre porque o fundo partidário, ou os
recursos dos quais os partidos dispõem para as campanhas eleitorais, são insignificantes
perante os custos de uma campanha. Essas características da lógica eleitoral no Brasil
representam uma dificuldade quase que instransponível para candidaturas femininas. A
decisão de construir uma carreira política é extremamente onerosa para as mulheres. Sem
recursos financeiros ou influências, sem tempo para a ação política por conta da dupla
jornada de trabalho e dos perversos efeitos da divisão sexual do trabalho, é muito difícil
para uma mulher conseguir participar da política partidária. Por essas razões, desde a
sanção da legislação de cotas para mulheres, os parlamentares discutem no Congresso
propostas para complementar e adaptar o sistema de cotas às particularidades da
competição brasileira.
4. Fatores culturais
No Brasil, as desigualdades de gênero em todos os âmbitos definitivamente persistem.
Apesar de conquistas importantes para a coletividade feminina, de a mulher ter se tornado
maioria do eleitorado, apesar de o movimento feminista brasileiro ser um dos mais fortes e
bem articulados que conhecemos, não se alterou substancialmente a força dos valores
patriarcais e suas implicações na sociedade e da política eleitoral. A despeito das
transformações das relações de gênero no último século4, certas desigualdades ainda não
4 Inserção da mulher no mercado de trabalho, exercício do voto, aumento da escolaridade etc.
são percebidas como injustas, e grande parcela da população brasileira ainda considera que
existem atividades distintas para homens e mulheres.
A primeira barreira à participação política feminina já aparece em casa. Em uma sociedade
enraizada em valores excludentes, a educação acaba sendo contaminada pelo sexismo ainda
na mais tenra infância. Em geral, as meninas crescem condicionadas a pensar que são
diferentes dos meninos, que não têm as mesmas qualidades, que não podem se envolver em
certos tipos de atividades “masculinas”.
O que fazer?
Sendo aproximadamente metade da população e 52% do eleitorado, não há lógica no fato
de haver somente 22% de candidatas mulheres a vereador e 10,36% a prefeito no país. Se a
lei de cotas é falha, insuficiente ou facilmente neutralizada e existe um grave problema de
representação feminina na região e no país, é preciso modificá-la, substituí-la ou descartála.
Mais que isso, é preciso modificar o sistema eleitoral e o sistema político brasileiro como
um todo. Isso porque a baixa representação feminina não diz respeito somente às mulheres,
diz respeito à democracia. A proporção de mulheres em cargos legislativos tem sido cada
vez mais apontada como indicador da qualidade da representação política e critério para
mensurar a democracia. Podemos falar em déficit democrático no Legislativo, pois uma
assembléia só é considerada representativa se sua composição for uma miniatura da
sociedade. Uma vez que há aproximadamente 50% de cidadãs e quase nada de legisladoras,
é porque não há representação de fato. O mesmo ocorre para outros grupos sociais
historicamente marginalizados, como negros, indígenas, jovens, entre outros.
Daí a necessidade de se alterar, por meio de uma reforma política, as regras não só do jogo
eleitoral e partidário, mas transformar o poder, transformar o sistema político como um
todo para incluir as demandas e necessidades dos setores excluídos. Eis algumas propostas
para a reforma política sob um ponto de vista feminista:
- A adoção de listas de candidatura fechadas com sistema dupla-cotas e
observância de critérios étnico-raciais e geracionais, para garantir a diversidade
étnica e geracional entre homens e mulheres;
- A destinação de 30% do tempo da propaganda eleitoral gratuita na televisão ou
no rádio, entre outras medidas. A importância da participação igualitária e plena das
mulheres na política institucional precisa ser reconhecida e estimulada. Porque sem
igualdade não há democracia;
- O financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais (para combater a
corrupção nos processos eleitorais e a privatização política);
- A reserva de 30% do fundo partidário para promover campanhas, cursos de
formação política e outras atividades.
- A paridade de participação entre mulheres e homens, garantindo 50% das vagas
para mulheres. Sob o ponto de vista feminista, a única ação afirmativa existente (o
sistema de cotas que reserva 30% de vagas de candidaturas para cada sexo em
eleições proporcionais) não é suficiente para promover a igualdade entre os gêneros.
Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade, é preciso lutar para democratizar o
poder, não só lutar por mudanças específicas. É necessário mudar o poder inteiro. A
reforma proposta pelos movimentos sociais tem como intuito modificar esse sistema. Que o
poder de decisão esteja cada vez mais na população. Que o debate sobre a reforma do
sistema político ganhe as ruas e as assembléias legislativas.
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da Política. Disponível em www.cfemea.org.br, Acesso em 12/04/2008.
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VENTURI, G. & RECAMÁN, M (2005). As mulheres brasileiras no início do século 21.
Disponível em www.cfemea.org.br, Acesso em 12/04/2008.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Operação contra o machismo

5º Seminário Nacional Homens, Gênero e Políticas Públicas discute medidas para promover uma mudança cultural na sociedade brasileira: idéia é derrubar preconceitos e estereótipos do tradicional machão

Hércules Barros
Da equipe do Correio

Apesar dos avanços na legislação para punir a violência praticada por homens contra as mulheres — dos quais a Lei Maria da Penha é o maior exemplo —, comportamentos passionais em nome da honra e do orgulho ferido como o de Lindemberg Alves, 22 anos, que matou com dois tiros a ex-namorada Eloá Pimentel, 15, em Santo André (SP), ainda são comuns. Os padrões machista e preconceituoso estão presentes nas relações pessoais e são alimentados até mesmo por instituições que deveriam priorizar a eqüidade entre homens e mulheres, como a escola e os serviços de saúde. Para diminuir a violência de gênero, especialistas em direitos humanos defendem que, além de garantir direitos à mulher, é necessária uma política de atenção ao homem, com o objetivo de promover uma mudança cultural na sociedade brasileira. Para trocar conhecimento e pôr em prática propostas que minimizem o estilo de vida violento e autodestrutivo dos homens, representantes do poder público, da sociedade civil e pesquisadores estiveram reunidos em Recife no 5º Seminário Nacional Homens, Gênero e Políticas Públicas, que terminou ontem.

A intenção dos organizadores é estruturar cuidados na infância e na formação masculina por meio da área de saúde. “O atendimento básico de saúde pode ser a grande porta de acesso aos homens, mas antes vamos ter de vencer duas barreiras: fazer com que o homem vá ao médico e que os profissionais da área estejam preparados para a abordagem”, observa o psicólogo social Benedito Medrado, um dos organizadores do encontro.

Para o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Estado e a sociedade têm de colocar a educação e os direitos humanos como eixos estratégicos para a construção de uma nova compreensão da vida em sociedade. “Essa atitude começa na primeira briga da criança pelo brinquedo. Ela tem que receber uma intervenção pedagógica dos pais e do professor”, ressalta. O ministro destaca que, antes, é preciso reforçar a cultura de paz entre os profissionais que lidam com a infância. “As mães e os pais devem educar seus filhos desde cedo contra essa visão machista para que, na idade do namoro, a relação seja pautada pelo respeito”, afirma.

Padrão cultural

O comportamento mais agressivo dos homens se reflete diretamente no setor de saúde. A população masculina tem ocupado, ao longo dos anos, o primeiro lugar em várias estatísticas indesejadas. Ela é maioria entre as vítimas de homicídio, mortes por acidentes de trânsito e uso de drogas. Os homens também se envolvem mais em crimes de exploração sexual. “Infelizmente, homens e mulheres são educados desde cedo para responder a modelos predeterminados do que é ser homem e do que é ser mulher”, observa Medrado.

Coordenador de projetos do Instituto Papai, entidade que desenvolve ações educativas sobre masculinidade, Medrado defende a revisão da forma de socialização dos meninos. “Não existe um modelo pedagógico que tenha conseguido transformar a masculinidade. A Lei Maria da Penha mexeu com o simbólico, mas não mudou o padrão cultural”, afirma.

Para a socióloga Lourdes Bandeira, subsecretária de planejamento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, as práticas violentas são estimuladas desde tenra idade porque a sociedade não permite que o homem expresse a sua sensibilidade. “Homem não pode chorar nem levar desaforo para casa”, ressalta. Lourdes não acredita que o seminário apresente soluções, mas considera positivo incluir o homem na pauta da violência de gênero. “Vamos tentar entender essa realidade e propor alternativas para modificá-la. Precisamos estar atentos para não reforçar preconceitos e estereótipos que levam a práticas violentas”, acrescenta.

A socióloga lembra a necessidade de mudar a atitude de pais que reprimem nos meninos brincadeiras relacionadas com o lar e estimulam o uso de armas de brinquedo e jogos de guerra para que os filhos aprendam “a ser homem”. “São valores calcados em uma construção masculina machista que começa na família e continua na escola. É por isso que, quando chega aos 50 anos, o homem resiste ao exame para detectar o câncer de próstata, por exemplo. Não pode ser tocado”, justifica.
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As mães e os pais devem educar seus filhos desde cedo contra essa visão machista para que, na idade do namoro, a relação seja pautada pelo respeito

Paulo Vannuchi, ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos
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Entrevista - Elizeu Chaves

Por uma nova noção da masculinidade

A atenção ao homem está na pauta de desenvolvimento humano do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Representante auxiliar do UNFPA no Brasil, o sociólogo Elizeu Chaves lembra que a agência da Organização das Nações Unidas (ONU), criada na década de 60 com o objetivo de acompanhar o crescimento da população mundial, incluiu desde meado dos anos 1990 o olhar sobre o homem ao tratar de temas como saúde sexual reprodutiva e igualdade de gênero. “A abordagem muda para desenvolvimento de direitos humanos. É construir uma nova noção de masculinidade contrária à cultura da violência”, observa. O que significa a política de atenção ao homem? É construir uma nova noção de masculinidade contrária à cultura da violência. Não trabalhar com os homens contribui para vários problemas que afetam, principalmente, as mulheres. O combate à mortalidade materna, por exemplo, só vai avançar quando os homens assumirem o seu papel, entendendo que gravidez é um assunto deles também. Em várias culturas, é comum o homem impedir a mulher de fazer pré-natal e de se prevenir contra Aids.

Como deve ser a prioridade ao homem?
A abordagem muda para desenvolvimento de direitos humanos. Aqueles que têm menos voz e são mais atingidos pelas desigualdades sociais. Trabalhar com os homens é um estratégia essencial para atingir a equidade de gênero.

Só empoderar as mulheres não resolve. Como o fundo vê essa questão no Brasil?
O caso da Eloá Pimentel, por exemplo, é um reflexo do que as desigualdades entre homens e mulheres podem colocar. Tem componentes psicológicos que eu não teria condições de avaliar, mas é um fenômeno sociocultural que está na sociedade brasileira. O homem achar que pode recorrer à violência para fazer valer a sua vontade em relação à mulher. No Brasil, existem ONGs como a Pró-Mundo, no Rio de Janeiro, e o Instituto Papai, em Recife (PE), que trabalham bem, mas é preciso que políticas públicas também incorporem a atenção ao homem.

Por onde começar a mudança na cultura masculina?
Na educação, em casa. Mas não é consensual. Existe uma discussão de que o mundo masculino tal como está não é o que gera violência e aprofunda desigualdades. Eu não concordo. Até que ponto tudo isso não reforça o homem como dominante, que não pode ser abandonado? Discutir uma nova visão da masculinidade é fundamental para o desenvolvimento dos direitos humanos.(HB)

COMPORTAMENTO / Correio Braziliense 26/01/2008

sábado, 27 de setembro de 2008

Mulheres nas Eleições Municipais V – Especial Sul

Por Patrícia Rangel,
Cientista política e consultora do CFEMEA

A sub-representação feminina é um problema amplamente conhecido e divulgado. Muito se falou sobre a baixa presença de mulheres em assembléias legislativas, em grande medida devido ao trabalho da União Inter-parlamentar (IPU), órgão vinculado à ONU que monitora a participação de mulheres nos parlamentos de democracias do mundo todo.

O que dizer sobre a presença de mulheres em cargos legislativos em nosso país? O Brasil é sempre o lanterninha do ranking regional. Em nível federal e estadual, elegemos só 14,8% dos senadoras, 8,7% dos deputadas federais e 11,6% deputadas estaduais, em 2006. Em nível local, somente 12,6% de vereadoras saíram das eleições de 2004.

Neste ano, como nas eleições anteriores, as mulheres são minoria das candidaturas das eleições municipais (21.2%), apesar de serem maioria do eleitorado (51.7%). No Sul do Brasil, não é diferente: a porcentagem de mulheres é 51.4% no eleitorado e 20% nas candidaturas aos cargos de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a (7.76% dos candidatos/as a prefeito/a). Vale lembrar que o sul tem a menor média de candidaturas no geral: de acordo com dados atualizados do TSE, o Norte tem 22%, o Sudeste tem 21.7%, o Centro-Oeste tem 21.4%, o Nordeste tem 21.3% e o Sul, 20%.

Nos estados da região, o padrão se reproduz: no Paraná, as mulheres são 51.3% do eleitorado e 20% das candidaturas (8.5% dos candidatos a prefeito); no Rio de Grande do Sul, 51.8% e 20,3% (7,5% das candidaturas a prefeito) respectivamente; e em Santa Catarina, 50,8% e 18.6% (6.9% dos/as candidatos/as a prefeito).

Foco: mulheres candidatas às Câmaras Municipais

As mulheres vereadoras são mais numerosas e começaram a assumir o cargo bem antes do que deputadas e senadoras. A primeira vereadora na capital gaúcha (Julieta Battistioli), por exemplo, assumiu em 1948. Nas eleições municipais de 2008, o Sul tem uma média de mulheres candidaturas ao cargo de vereador/a de 21%. No Paraná, as mulheres são 21.3% dos/as candidatos/as a vereador/a; no Rio Grande do Sul são 21.5%; e em Santa Catarina, 19.7%.

Aos vereadores e vereadoras cabem as funções de representar interesses da população em geral, aprovar leis assegurando o desenvolvimento da coletividade, participar de discussões sobre orçamento, fiscalizar e controlar gastos públicos, avaliar ações da prefeitura. A implementação de legislação e programas essenciais para mulheres depende da ação do município. Daí a importância das eleições municipais e da presença feminina as assembléias municipais.

Apesar de ser relativamente mais acessível às mulheres, conquistar um cargo de vereador é especialmente difícil para mulheres, sobretudo mulheres negras, pobres ou jovens. Mariana Carlos, 22 anos, é candidata a vereadora em Cachoeira do Sul (RS) pelo PT, e contou-nos um pouco sobre as funções dos/as vereadores/as e as dificuldades de ser uma jovem candidata. Mariana argumenta que embora não seja da alçada de um/a vereador/a executar as políticas públicas, é sua obrigação cobrar que a prefeitura faça. Além disso, o/a legislador/a pode, dentro e fora da Câmara, suscitar o debate sobre gênero e a importância de políticas voltadas para as mulheres, além de ficar atento ao cumprimento das leis, principalmente com relação à Lei Maria da Penha, e instruir a população sobre a lei e sua aplicação. Através de um mandato também é possível buscar recursos para a viabilização de oficinas em escolas que debatam questões de gênero e educação sexual. Também no Conselho Municipal da Mulher, os legisladores podem propor projetos.

Porque as mulheres participam pouco da política partidária?

A primeira barreira à participação política feminina já aparece em casa. Em uma sociedade enraizada em valores excludentes, a educação acaba sendo contaminada pelo sexismo ainda na mais tenra infância. Em geral, as meninas crescem condicionadas a pensar que são diferentes dos meninos, que não têm as mesmas qualidades, que não podem se envolver em certos tipos de atividades “masculinas”.

Em relação à divisão sexual do trabalho, as mulheres têm dificuldades para se envolver em atividades políticas por conta da dupla jornada de trabalho (trabalho remunerado e cuidados com a casa), que absorve das mulheres tempo e energia. A militância político-partidária implicaria numa tripla jornada de trabalho.

Mariana destaca que sua educação foi fora do padrão, o que a permitiu ter contato com a política desde pequena e ser incentivada a participar do movimento estudantil. Ela consegue driblar os problemas gerados pela tripla jornada de trabalho por ser solteira, morar com os pais e ainda não ter começado a trabalhar fora.

Um fator bastante apontado por estudiosos para explicar a baixa representação feminina é a resistência e falta de apoio dos partidos políticos, que dão preferência para candidatos com uma trajetória já consagrada (e esses geralmente são homens, brancos, de meia idade, urbanos, heterossexuais, etc). Por conta disso, as mulheres acabam tendo menos espaço, menos recursos para financiamento de campanha e menos apoio moral.

Mariana relata ter encontrado dificuldades em legitimar atuação por ser mulher e jovem, tendo que falar alto para ser escutada em determinadas ocasiões. A candidata chama atenção para o fato de que, na política partidária, as mulheres participam mais nos bastidores, enquanto que os homens assumem cargos de direção e aparecem mais facilmente como candidatos a cargos eletivos. Em relação aos eleitores a dificuldade também aparece, sendo necessário reafirmar constantemente sua trajetória como militante e sua formação acadêmica para ser aceita como uma figura política. Ela diz ter ouvidos coisas do gênero: “nunca votei em mulher, você será a primeira”, “você é muito nova, não tem experiência”, “político tudo é tudo ladrão, mas mulher rouba menos”.

Resta ressaltar que a sub-representação política feminina é transpassada por um sistema de exclusão que se expressa em diversas formas de marginalização, sobretudo econômica e racial. As mulheres não são excluídas dos espaços de decisão não só por serem mulheres, mas por serem maioria da população pobre e por não serem, em grande medida, pertencentes ao grupo étnico dominante. São marginalizadas por serem negras, por estarem na base da pirâmide social, por não terem recursos e influência.

Para Mariana, seria ótimo se existissem mais mulheres, mais negros e cidadãos de grupos populares na política por uma questão de representação. Mas não basta a presença, afirma ela, é necessário comprometimento por parte desses políticos com a promoção de políticas anti-discriminatórias. Senão, eles reproduzem os padrões sexistas de se fazer política.

Ainda que a desigualdade de gênero, por si só, fosse totalmente suplantada e conquistássemos paridade de participação entre mulheres e homens nos cargos políticos, a cara do poder continuaria branca, urbana, proprietária, cristã. Não queremos assembléias legislativas compostas metade por homens e metade por mulheres igualmente proprietários, igualmente brancos, igualmente provenientes das mesmas famílias que detém o poder há séculos, portadores de valores tradicionais e excludentes, representantes de um sistema político bem construído e bem armado, articulado para excluir. São 500 anos atuando e encontrando meios para se manter. O sistema consegue sobreviver pois é fluido, mutante, por ter alta capacidade de adaptação.

É preciso transformar o poder, transformar o sistema político para incluir as demandas e necessidades dos setores excluídos. Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade, é preciso luta para democratizar o poder, não só por mudanças específicas. É necessário mudar o poder inteiro. A reforma proposta pelos movimentos sociais tem como intuito modificar esse sistema. Que o poder de decisão esteja cada vez mais na base. Que o debate sobre a reforma política ganhe as ruas.

Mulheres nas Eleições Municipais IV - Especial Norte

Por Patrícia Rangel,
Cientista política e consultora do CFEMEA

Em 1988, Marina Silva foi a vereadora mais votada do município de Rio Branco, capital do Acre. Em 1990, elegeu-se deputada federal e, em 1994, senadora da república, recebendo o maior número de votos no estado e derrubando a tradição de vitória de grandes empresários e ex-governadores. Teria sido sua trajetória um caso isolado ou estariam o Acre e o Norte do Brasil caminhando para uma maior abertura para mulheres na política institucional?

Vejamos. Em nível nacional, o eleitorado feminino é atualmente 51.7% do número de votantes e as candidaturas de mulheres, 21.2% do total. A região Norte é a única na qual as mulheres ainda são minoria do eleitorado (49.9%) mas, ainda assim, as candidatas da região conseguem superar a média nacional: elas são 22% do total de candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a.

Para a disputa do cargo de vereadores, as mulheres são 22.6% dos candidatos no Norte, melhor do que a média nacional (21.9%). Alguns estados superam essa média, como Amapá (24.1%), Pará (23.5%), Rondônia (22.1%), Roraima (22.7%) e Tocantins (22.8%). Outros ficam para trás, como Acre (19.2%) e Amazonas (21.1%). Apesar de haver legislação de cotas que reserva no mínimo 30% das candidaturas a cargos legislativos para mulheres, os partidos não têm cumprido a lei e investido em políticas de incentivo à participação feminina nessas eleições.

Portanto, os números de mulheres candidatas no Norte são insatisfatórios se levarmos em consideração o percentual de mulheres na sociedade. Mesmo sabendo que somente Acre, Amazonas e Amapá possuem maioria do eleitorado feminino, os percentuais de mulheres votantes estão na casa do 40%, quase 50%, não na dos 10% ou 20%, como é o caso das candidatas. No Acre, elas são 50% dos votantes, no Amazonas, 50.4%; no Amapá, 50.4%; no Pará, 49.8%, em Rondônia, 49.5%; em Roraima, 49.8% e no Tocantins, 49%. Somando candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, as mulheres são somente 18.6% no Acre, 20.5% no Amazonas; 22.8% no Pará; 22.1% em Rondônia; 22.4% em Roraima e 22.1% no Tocantins. O Acre apresenta o menor índice de candidatas no Brasil.

Foco: mulheres em prefeituras

Os/as prefeitos/as possuem a função de apresentar aos vereadores projetos de lei, executar legislação aprovada pela Câmara dos Vereadores, comandar e coordenar contatos externos, administrar a Prefeitura de forma a prestar com eficiência os serviços básicos às necessidades da população, elaborar projetos orçamentários do município, zelar pelo patrimônio e público e recursos públicos, e prestar contas sobre sua administração, entre outras.

Nas eleições de 2008, o Norte apresenta um dos melhores índices de mulheres candidatas a prefeitura, perdendo para o Nordeste (13,3%) e deixando para trás as regiões Sul (7,6%), Sudeste (8,5%) e Centro-Oeste (10,3%). Ainda tendo índices superiores à média nacional e da maioria das regiões do Brasil, o Norte ainda não pode comemorar. De seus 7 estados (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), somente 3 têm mulheres disputando a prefeitura nas capitais: Amapá, com 2 mulheres disputando a prefeitura de Macapá; Pará, com 2 candidatas a prefeita de Belém; e Tocantins, que tem uma mulher concorrendo a prefeitura de Palmas. Vale lembrar que somente 9 capitais brasileiras não têm mulheres na disputa pela prefeitura (ou seja, 44% dessas capitais estão no Norte).

Coincidência ou não, os dois municípios da região Norte que possuem candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura estão nesses estados: Primavera (PA), de 10 mil habitantes, que só têm mulheres concorrendo ao cargo de prefeito/a (são 3 candidatas) e Porto Alegre do Tocantins (TO), município de 2 mil habitantes no qual 100% dos candidatos a prefeito/a são 2 mulheres.

No Norte, a média de candidaturas femininas à prefeitura é levemente mais satisfatória que a média nacional (10.3%): as mulheres são 11.6% dos candidatos a prefeito na região como um todo. No Amapá, elas são 17.1%; no Pará, 10.5%; em Rondônia são 13.2%; em Roraima, 11.6% e no Tocantins, 13.7%. Em alguns estados do Norte, entretanto, os percentuais de candidatas a prefeita são extremamente piores. É o caso do Acre, com somente 5.9% da candidatas, e do Amazonas, com 9.5%. É importante ressaltar que o Amapá é o campeão brasileiro de candidaturas femininas à prefeitura. Com compensação, o Acre é o último colocado.

Em alguns casos, as candidatas à prefeitura têm sido apontadas como mulheres extremamente poderosas. É o caso de Valéria Vinagre Pires Franco (DEM), candidata à prefeitura de Belém (PA). Apesar de muito jovem, já começou sua carreira política como vice-governadora do Pará estado e vem sendo apontada nas pesquisas de opinião realizadas como a segunda preferida pelos eleitores entrevistados para a prefeitura da capital. Com 21% das intenções de voto, ela está tecnicamente empatada com o atual prefeito, Duciomar Costa (PTB, 24% das intenções de votos), e possui grandes possibilidades de ir para o 2º turno. Marinor Brito (PSOL) também se candidata à prefeitura em Belém, mas fica bem atrás, com 1% dos votos.

Também bem colocada, a atual prefeita de Palmas (TO), Nilmar Ruiz (PL), é candidata à reeleição e está em segundo lugar na disputa, com 31% das intenções de votos. Já em Macapá (AP) as duas candidatas, Fátima Pelaes (PMDB) e Dalva Figueiredo (PT), aparecem em terceiro lugar com 8% cada.

Nas últimas eleições, em 2004, foram eleitas somente 7.5% mulheres para dirigir municípios brasileiros. Este quadro é especialmente negativo para negras e indígenas eleitas. Como a implantação de uma série de leis e programas voltados para as mulheres, como a lei Maria da Penha, depende da ação do município, a relevância dos pleitos municipais para a cidadania feminina é enorme. Resta torcer e contribuir para que, em 2008, esse quadro de sub-representação feminina se altere substancialmente.

Mulheres nas Eleições Municipais III – Especial Centro-Oeste

Por Patrícia Rangel,
Cientista política e consultora do CFEMEA.

Há somente 17,2% de mulheres legisladoras no mundo e 19,5% nas Américas. Segundo a ONU, no atual ritmo, a igualdade de participação entre os gêneros em casas legislativas só será concretizada em cem anos. O Brasil, com 8,7% de deputadas, está em 146ª num ranking de 192 países analisados pela União Inter-Parlamentar (órgão vinculado à ONU) e em penúltimo na América do Sul.

O período eleitoral oferece-nos a cada instante provas de que, na democracia representativa brasileira, o poder político institucional ainda é masculino, branco, heterossexual, cristão, urbano. Nestas eleições, apesar de serem maioria do eleitorado (51,7%), as mulheres são minoria das candidaturas (21,2%). Nas últimas eleições municipais, o quadro não foi mais animador: elas eram 21,3% dos candidatos. Somente 7,5% dos prefeitos e 12,6% dos vereadores/as eleitos eram mulheres.

Dos 130.603.787 de eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 9.148.124 (7%) estão no Centro-Oeste. Apesar de ser a região com menor quantidade de votantes no país (Sudeste tem 43,5%, Nordeste tem 27%, Sul tem 14,9% e Norte, 7,2%), é uma das tem que mais mulheres votantes: elas são 18.424.915 ou 51,1% dos eleitores. O Centro-Oeste perde, em termos de eleitorado feminino, para o Sudeste (51,9% do eleitorado), o Nordeste (52%) e o Sul (51,4%), mas ganha do Norte (49.9%).

Apesar de maioria do eleitorado, as mulheres são minoria das candidaturas. Na média nacional, elas são 21,2% do total de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador (10,3% das candidaturas a prefeito e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador). O Centro-Oeste tem 21,3% de candidaturas femininas a todos os cargos, enquanto Norte Sudeste, Nordeste e Sul têm 21,8%, 21,1% 21,6% e 19,9%, respectivamente. No Centro-Oeste, as mulheres são 10,2% dos candidatos a prefeito e 22,1% dos candidatos a vereador.

Em Goiás, o 12º estado brasileiro em quantidade de eleitores, há 1.984.609 eleitoras (51.2% dos 3.873.536) contra 1.888.293 votantes homens. Somando candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador, as mulheres são 20,6% do total (3.232 em 15.672). Elas são 68 dos 658 candidatos a prefeito (10,3%) e 3.071 das 14.356 candidaturas a vereador (21,3%).

Em Mato Grosso, os homens ainda são maioria do eleitorado, contrariando a tendência nacional: 1.016.612 dos 1.993.130 eleitores, ou 51,1%, são homens. Ainda assim, o percentual de candidatas não está muito abaixo da média nacional: as mulheres são 20,8% das candidaturas a prefeito, vice-prefeito e vereador. Elas somam 35 dos 342 candidatos a prefeito (10,2%) e 1.714 dos 7.983 a vereador (21,4%).

Em Mato Grosso do Sul, há 1.617.740 votantes, dos quais 48,8% são homens e 51,1% são mulheres. Em relação às candidaturas femininas, elas são 24,5% do total: 21 dos 183 candidatos a prefeito (8,7%) e 1.233 dos 4.884 candidatos a vereador (25,2%).

A região não aderiu substancialmente à tendência nacional de candidaturas unicamente femininas à prefeitura: dos 16 estados que possuem municípios só com candidatas mulheres, 1 é do centro-oeste (Goiás, com uma cidade nessa situação). Além disso, 2 dos estados que não possuem candidatura feminina na disputa pela prefeitura da capital estão na região: Goiás e Mato Grosso.

Da efetividade e correta aplicação da lei de cotas no caso das assembléias municipais.

Como já vimos, para os cargos legislativos disputados nas eleições municipais de 2008 (vereador/a), as mulheres são somente 21,9% dos candidatos no Brasil e 22,1%, no Centro-Oeste. O que esses dados mostram é que as mulheres são sub-representadas, não só em cargos do Legislativo e do Executivo em todos os níveis, mas ainda no jogo eleitoral, na convocação e seleção de candidaturas.

No Brasil, a legislação eleitoral prevê cotas para mulheres nas candidaturas a cargos legislativos: a lei n. 9.504/97 reserva no mínimo 30% e no máximo 70% das vagas de candidaturas para cada sexo, em eleições proporcionais. A norma já é falha por natureza, pois designa às mulheres somente 30% das vagas nas listas eleitorais num país em que mais da metade da população é composta por mulheres (a lei fracasse em transferir para as assembléias legislativas a realidade da sociedade). Além disso, a legislação não estabelece sanções ou mecanismos que garantam o cumprimento da lei de cotas. Para piorar, a lei n. 9.504/97 permite ao partido “registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher”. Ou seja, a mesma lei que reserva cotas para mulheres providencia o mecanismo para neutralizar seus efeitos. Isso nos ajuda a entender porque somente 12,6% dos vereadores eleitos em 2004 e 11,6% dos eleitos em 2000 eram mulheres.

Sendo aproximadamente metade da população e 52% do eleitorado, não há lógica no fato de haver somente 21,9% de candidatas mulheres a vereador no país e 22,1% no Centro-Oeste. Se a lei de cotas é falha, insuficiente ou facilmente neutralizada e existe um grave problema de representação feminina na região e no país, é preciso modificá-la, substituí-la ou descartá-la. Mais que isso, é preciso modificar o sistema eleitoral e o sistema político brasileiro como um todo. Isso porque a baixa representação feminina não diz respeito somente às mulheres, diz respeito à democracia. A proporção de mulheres em cargos legislativos tem sido cada vez mais apontada como indicador da qualidade da representação política e critério para mensurar a democracia. Podemos falar em déficit democrático no Legislativo pois uma assembléia só é considerada representativa se sua composição for uma miniatura da sociedade. Uma vez que há aproximadamente 50% de cidadãs e quase nada de legisladoras, é porque não há representação de fato.

Daí a necessidade de se alterar, por meio de uma reforma política, as regras do jogo eleitoral, reservando 50% das vagas das candidaturas para mulheres, como meio de buscar a paridade, e estabelecendo a formação de listas fechadas apresentadas por partido ou coligação, a garantia da alternância por sexo, a destinação de 30% do tempo da propaganda eleitoral gratuita na televisão ou no rádio, entre outras medidas. A importância da participação igualitária e plena da mulher na política institucional precisa ser reconhecida e estimulada. Porque sem igualdade não há democracia.

Mulheres nas Eleições Municipais II – Especial Sudeste

Por Patrícia Rangel,
Cientista Política e consultora do CFEMEA

Falta pouco mais de um mês para os 130.603.787 eleitores brasileiros irem às urnas para escolher novos/as prefeitos/as e vereadores/as. O Sudeste é a região com maior percentual de votantes em geral, de votantes mulheres e candidatas no país. Dos eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 56.915.973 (43,5%) estão no Sudeste. Destes, 51.9% são mulheres. A região, em percentual de eleitoras, só perde para o Nordeste (52%).

O Sudeste também é a região com segundo maior percentual de candidatas no geral, só perde para o Norte (21,8%): Das 145.307 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, 31.488 são femininas (21,6%). Na média nacional, as mulheres são 21,2% do total de candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a (10,3% das candidaturas a prefeito e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador). Dos 4 estados da região sudeste, o campeão de candidaturas femininas é o Rio de Janeiro e o lanterninha é Minas Gerais.

No Rio de Janeiro, onde 53.19% do eleitorado é formado por mulheres, 23,71% das 15.295 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, são femininas. São 9,88% de candidatas à prefeita e 24,23% à vereadora.

Em São Paulo, as mulheres são 51.95% dos/as eleitores/as e 23,44% do total de 63.463 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a. Elas são 9,64% das candidaturas ao cargo de prefeito/a e 24,12% das candidaturas ao cargo vereador/a.
No Espírito Santo, 51.21% do eleitorado é feminino, assim como 19,94% das 6.923 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a. Somente 9,77% dos/as candidatos/as a prefeito/a são mulheres, assim como 20,65% dos que disputam uma vaga de vereador/a.

Em Minas Gerais, somente 19,45% das 59.626 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, são femininas, apesar de as mulheres comporem 51.22% do eleitorado. No estado, temos um percentual de 7,29% de candidatas às prefeituras e 20,24% às assembléias municipais.

Política: a linguagem da violência?

Segundo levantamento realizado pelo Ministério Público Eleitoral, um terço dos candidatos do município do Rio de Janeiro responde a (pelo menos uma) ação por crime de violência contra a mulher. Considerando que das 1.331 candidaturas na cidade, 1.027 são masculinas, essa fração equivale a 343 candidatos. É assustador perceber que o número de agressores que pretendem nos representar nas prefeituras e assembléias municipais seja tão alto. O levantamento deixa patente a total falta de integridade de tais candidatos para levar a cabo tal tarefa. Esses, se eleitos, só farão perpetuar a situação de opressão e violência contra a mulher.

No Brasil como um todo, o número de atendimentos a mulheres vítimas de agressão aumentou 107,9% no primeiro semestre do ano em relação ao mesmo período de 2007. Foram 121.891 atendimentos, contra 58.417 no ano anterior. Segundo a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), o aumento no número de registros se relaciona à maior divulgação da Lei Maria da Penha. Dos 27 estados brasileiros, os que apresentam maior número de chamados para a Central de Atendimento à Mulher são o Distrito Federal (132,8 atendimentos para cada 50 mil mulheres), São Paulo (96,4 na mesma base de comparação) e Pará (79,5 chamados). O Rio está em sétimo lugar (65,4 ligações). Uma pesquisa realizada por Ibope/Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, com apoio da SPM, revela que a maioria da população brasileira conhece a Lei Maria da Penha (68%) e reconhece sua eficácia (83%).

Daí a relevância dos pleitos municipais para as mulheres, uma vez que a implantação de uma série de leis e programas voltados para a cidadania feminina, como a lei Maria da Penha, depende da ação do município. Segundo especialistas, as eleições municipais facilitam a escolha do candidato porque os eleitores estão próximos dos políticos e podem acompanhá-los. Temos que aproveitar essa vantagem para distinguir candidatos íntegros de cúmplices da violência e dos valores excludentes, impedindo a ascensão destes. Somente elegendo líderes comprometidos com a superação da marginalização feminina e dispostos a aplicar os mecanismos das leis desenvolvidas em prol da mulher é que poderemos punir os 343 candidatos cariocas e os outros milhares de agressores que estão impunes no Rio de Janeiro e nas outras cidades brasileiras. As eleições se apresentam como possibilidade de reverter a desigualdade entre os sexos e a opressão contra a mulher.

Mulheres nas Eleições Municipais I – Especial Nordeste

Por Patrícia Rangel,
Cientista Política, consultora do CFEMEA

Desde os primórdios da história, as mulheres nordestinas são conhecidas por sua fibra e coragem. Alagoas é terra de Almerinda Farias Gama (primeira mulher negra a ganhar espaço na política do país como delegada na eleição dos representantes classistas para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933), a Bahia abrigou Maria José de Castro Rebelo Mendes (a primeira mulher a ingressar no Itamarati, em 1918). No Ceará, tivemos Rachel de Queiroz (escritora de destaque na ficção social nordestina e primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras), no Maranhão, Maria Firmina dos Reis (considerada a primeira romancista brasileira) e na Paraíba, Margarida Alves (líder da luta pelo direito de cultivar a terra).

Pernambuco foi o berço das primeiras advogadas do Brasil (Maria Fragoso e Maria Coelho e Belmira Secundina da Costa) e o Sergipe, da primeira mulher a integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Maria Rita Soares de Andrade). O Rio Grande do Norte, terra Nísia Floresta (poetisa e pioneira do feminismo) e de Alzira Soriano (primeira prefeita da América Latina, eleita em 1927), foi o primeiro estado a legalizar o voto feminino no país, em 1927 (em âmbito nacional, o sufrágio de mulheres só foi estabelecido pelo Código Eleitoral de 1932 e incorporado à Constituição Federal em 1934. Contudo, a obrigatoriedade plena do voto para todas as mulheres nos mesmos termos que para os homens só foi instituída pela constituição de 1946.)

Nas próximas eleições municipais, a serem realizadas em outubro, as mulheres nordestinas mais uma vez se destacam, tanto como eleitoras quanto como candidatas. Dos 130.603.787 de eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 35.373.148 (27%) estão no nordeste. Esta é a segunda região com maior quantidade de votantes, só perdendo para o Sudeste, que tem 56.915.973 de eleitores (43,5%). Dos 35.373.148 votantes da região, 18.424.915 ou 52% são mulheres. Entre os 4 estados com eleitorado feminino mais expressivo (mais de 52% de mulheres), dois estão no Nordeste: Ceará e Pernambuco (os outro são Rio de Janeiro e São Paulo). Infelizmente, apesar de maioria do eleitorado, as mulheres são minoria do/as candidato/as. Na média nacional, as mulheres são 21,2% do total de candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as (10,3% das candidaturas a prefeito e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador). No nordeste, a média é de 21,1%: do/as 106.601 candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as na região, 22.580 são mulheres (dados preliminares do TSE de julho de 2008). Lá, entre o/as 5.018 candidato/as a prefeito/a, 669 são mulheres (13,3%) e 21.016 do/as 96.492 canditato/as a vereador/a (21,7%).

Apesar de não possuir o maior percentual de candidatas no geral (Norte tem 21,8%, Sudeste tem 21,6%, o Centro-Oeste tem 21,3 %, o Nordeste tem 21,1% e o Sul, 19,9%), o Nordeste vivencia um fenômeno, no mínimo curioso: a região concentra 28 dos 41 (68,2%) municípios brasileiros onde só mulheres disputam prefeitura (o número ainda pode ser alterado, pois esses são dados preliminares dos pedidos de registro de candidaturas na Justiça Eleitoral). O líder nacional é a Paraíba, com 7 cidades. Depois, vêm São Paulo, com 5; seguem Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte, com 4 cada um; Alagoas e Minas Gerais, com 3 cidades cada; Ceará e Maranhão, com 2 cada; Espírito Santo, Goiás, Paraná, Pará, Pernambuco, Sergipe e Tocantins, com 1 cidade cada um. Ou seja, dos 16 estados que possuem municípios com candidaturas à prefeitura unicamente femininas, 9 são nordestinos. Considerando que a região Nordeste é formada por 9 estados, ela é a única região na divisão política do Brasil na qual 100% dos estados possuem municípios nos quais só mulheres disputam prefeitura. Contudo, nove dos 26 estados não terão uma candidatura feminina na disputa da prefeitura na capital, e Bahia e Maranhão estão nesse grupo (os outros são Acre, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Roraima).

Bahia: só mulheres disputam a prefeitura em quatro municípios.

Neste artigo daremos destaque à Bahia, que tem 5.640 mulheres candidatas a vereadora (21% do total de 26.844 candidato/as) e 141 a prefeita (10,9% dos 1.282). Do total de candidatos a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, elas são 20,3%. No estado, o PT é o partido que tem mais candidatas a vereadora (610 candidatas), seguido do PMDB (547) e do DEM (425) (Em âmbito nacional é o PMDB que tem o maior número de candidatas - 8.464 -, seguido do PT - 7.287 - e do PSDB - 6.848). Em algumas cidades da Bahia, há maioria de mulheres candidatas, o que inverte a lógica das eleições em âmbito nacional. Em Novo Triunfo, cidade de 14 mil habitantes localizada a 334 km de Salvador, 18 das 33 candidaturas registradas para vereador/a (54%) são mulheres.

Em Caraíbas, na região Sudoeste, que tem 10.541 mil habitantes, só há mulheres concorrendo à vaga de prefeito. O fenômeno das candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura se repete em Baianópolis, Dias D'Ávila e Madre de Deus (neste, a prefeitura é ocupada por mulheres há quase 10 anos). A Região Metropolitana de Salvador, que é responsável por 48% do PIB da Bahia e onde residem quase 4 milhões pessoas, possui uma presença feminina relativamente forte nas prefeituras: dos 12 municípios da região, 5 são administrados por mulheres (Candeias, Madre de Deus, Dias D‘Ávila, Lauro de Freitas e São Sebastião do Passé). Na região metropolitana, as candidatas a prefeita são 37,5% do total, bem superior à media nacional (10%). Lá, somente Salvador e Vera Cruz não possuem têm candidatas a prefeita este ano.

Ainda assim, estamos longe de presenciar um triunfo feminino na política baiana: são apenas 141 candidatas contra 1.137 candidatos a prefeito/a. Em outras palavras, as mulheres são 10,9% do/as candidato/as, apesar de serem 51,8% do eleitorado. E na capital, todos os candidatos a prefeito são homens. Quando falamos do total de candidato/as (prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador-a), elas são 20,3%, o que ainda é pouco para o grupo que representa a maioria dos eleitores.

Além das desigualdades entre os sexos, outro fator que tem papel central na exclusão dee certo/as indivíduo/as do jogo político é a raça. As mulheres negras, com menor escolaridade, menor renda, piores condições de moradia e trabalho, claramente enfrentam barreiras maiores para concorrer a um cargo político do que as mulheres brancas. Elas sofrem uma discriminação potencializada na empreitada eleitoral: sofrem por ser mulher, sofrem por ser negra. Na Bahia, estado com uma das maiores populações negras do país, chama a atenção que a maioria esmagadora do/as eleito/as sejam branco/as.

Panorama das candidaturas femininas na região Nordeste

Em Alagoas, onde 52,4% do eleitorado é feminino, 1.474 d@s 6.570 candidato/a (22,4%) que concorrem a cargos nas eleições são mulheres: 52 disputam o cargo de prefeito/a (16,7%), 58 o de vice-prefeito/a (18,2%) e 1.364 concorrem à Câmara de Vereadores (29,8%). Ainda muito inferior ao número de homens, a quantidade de mulheres que participam da disputa eleitoral nos 102 municípios do estado cresceu. No Ceará, estado onde 52.3% do eleitorado é composto por mulheres, as candidatas são 21,17% do total (elas são 11.244 num universo de 2.381 candidato/as). Deste total, 516 se candidatam à prefeitura (66 ou 12,7% são mulheres) e 10.203 concorrem a um cargo de vereador/a (2.219 mulheres, ou 21,7%). Apesar do número de candidatas estar bem próximo à media nacional, o Ceará possui uma particularidade: das capitais brasileiras, somente Fortaleza possui uma mulher à frente da prefeita (Luizianne Lins). Nestas eleições, o/as principais candidato/as à prefeitura da capital são mulheres: a própria Luizianne Lins (PT) e Patrícia Saboya (PDT).

No Maranhão, como na maior parte dos estados brasileiros, as mulheres representam maioria do/as eleitores/as e minoria das candidaturas: são 50.9% do eleitorado e 23,6% do total de candidaturas (prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a). Ou seja, o índice de candidaturas femininas supera a média nacional (21,2%). No Estado, as mulheres são 19,4% do/as candidato/as a prefeito/a e 24,2% do/as candidato/as a vereador/a, enquanto no Brasil como um todo, elas são 10,3% das candidaturas a prefeito/a e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador/a. Na Paraíba, as mulheres são 52.6% do eleitorado e 21,15% do total de candidaturas. São 566 candidato/as a prefeito/a, dos quais 88 (15,5%) são mulheres, e 8.653 candidato/as a vereador/a, dos quais 1.882 (21,7%) são mulheres. O Estado é o campeão nacional de cidades com candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura. As mulheres dominaram as eleições nas cidades Barra de São Miguel, Caturité, Guarabira, Mato Grosso, Nova Olinda, Pilar e Pombal. A Paraíba tem ainda 70 outras cidades nas quais há pelo menos uma mulher concorrendo à prefeitura. Apesar de interessante, o fenômeno está longe de ser um recorde. São sete cidades num universo de 223 municípios paraibanos. Além disso, não há sequer uma mulher na disputa pela prefeitura em outras 146 cidades do estado. E na Câmara de João Pessoa, a bancada feminina é atualmente composta por somente um vereadora (Paula Fraissinete, do PSB).

Já em Pernambuco, as mulheres são 52.8% do/as eleitores/as e 20% das candidaturas. Na disputa das prefeituras, elas são 10,8% (55 do/as 507candidato/as) e, na Câmara de Vereadores, 20,5% (2.613 em 12.695). No Piauí, por sua vez, a situação é um pouco mais desanimadora que na Paraíba e em Pernambuco. São 1.614 mulheres num total de 8.513 candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, Ou seja, 18,9% de candidatas num Estado em que 51.2% do eleitorado é feminino. Em relação às candidaturas para a prefeitura, as mulheres são 13,1% (72 num universo de 548) e, em relação aos que concorrem ao cargo de vereador/a, elas são 19,4% (1.444 em 7.417). No Rio Grande do Norte, temos 52% de eleitorado feminino e 21,9% de candidaturas femininas. São 52 (em 406) candidatas a prefeita (12,8%) e 1.438 (em 6.323) a vereadora (22,74%). Na disputa pela prefeitura da capital do Rio Grande do Norte, há uma mulher na liderança da corrida eleitoral (Micarla de Souza, do PV, com 54% das intenções de voto, de acordo com última pesquisa Ibope) e no segundo lugar (Fátima Bezerra, no PT). No Sergipe as mulheres são 52.1% do/as eleitores-as e 22,6% do/as candidato/as. Elas são 33 do/as 207 (15,94%) candidato/as a prefeito/a e 979 do/as 4.259 (22,98%) candidato/as a vereador/a.


Ranking dos estados nordestinos – candidaturas femininas
Estado
% de candidaturas femininas (prefeito/a, vice e vereador/a)
% de mulheres no eleitorado
Maranhão
23,6%
50.9%
Sergipe
22,6%
52.1%
Alagoas
22,4%
52,4%
Rio Grande do Norte
21,9%
52%
Bahia
20,3%
51,8%
Ceará
21,17%
52.3%
Paraíba
21,15%
52.6%
Pernambuco
20%
52.8%
Piauí
18,9%
51.2%
Fonte: produção própria, com base em dados do TSE (julho de 2008).

O que os dados nos dizem?

O que todos esses números absolutos e porcentagens nos mostram é que, mais uma vez, as mulheres são sub-representadas nas candidaturas e nos cargos do Legislativo e no Executivo (em todos os níveis) do país. No nordeste não é diferente. Mesmo concentrando a maior parte dos municípios com candidaturas à prefeitura exclusivamente feminina (e tendo, em 100% dos estados, algum município nessa condição), a região possui 52% de mulheres no eleitorado e somente 21,1% nas candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as. Ou seja, há um grave problema de representação dessas mulheres no país e na região. E a baixa representação feminina não diz respeito às mulheres somente, diz respeito a homens e mulheres. As eleições de outubro, então, se apresentam como possibilidade de transformação desse quadro desigual. A relevância dos pleitos municipais para as mulheres é enorme, uma vez que a implantação de uma série de leis e programas voltados para elas depende da ação do município. É o caso da lei Maria da Penha.

As mulheres nordestinas, portanto, devem lançar mão de toda a sua fibra e coragem nessas eleições para eleger não só mais mulheres, e sim mais mulheres com consciência de sua situação de marginalização e dispostas e fortalecer a solidariedade com base na idéia que a desigualdade é estrutural e que todas as soluções para esse problema devem ser coletivas, e não individuais. É preciso haver a combinação de uma política de presença (mais mulheres) com uma política de idéias (consciência de gênero, fim da desigualdade, aprofundamento da democracia). Os homens também precisam se envolver ativamente nessa empreitada, uma vez que a desigualdade entre os sexos é uma questão que também tem a ver com eles e que atingem a sociedade e a democracia como um todo. A democracia não é só uma declaração de direitos, é um modo de viver da sociedade, de se organizar, é um valor universal e permanente. É um compromisso cotidiano, que interessa à maioria e precisa ser monitorada. A ação dos governos precisa ser mais democrática, as mulheres precisam ser mais representadas, e para isso é necessário haver participação popular. Portanto, em se falando de democracia representativa, é preciso que as nordestinas se unam em uma mobilização em prol das candidaturas femininas.

Não adianta, entretanto, votar em uma candidata que, depois de “chegar ao poder”, reproduza as lógicas masculinas e os valores conservadores na democracia representativa, danço longevidade à dominação dos homens. As mulheres que se tornam representantes de outras mulheres têm de estar comprometidas com a mudança da cultura política, não podem reproduzir os modelos androcêntricos de fazer política, sem levar em conta a necessidade de mudanças estruturais. Os representantes homens, por sua vez, possuem a obrigação de trabalhar em prol da extinção de um sistema que os beneficia utilizando a discriminação e a marginalização da mulher. É necessário pensar então uma nova forma de poder, porque ele é hoje masculino, branco, proprietário, heterossexual, cristão, urbano. Daí a necessidade de reformar o sistema política brasileiro, de modo a torná-lo mais inclusivo e democrático. As mulheres e os homens do Nordeste, portanto, devem estar atent@s nessas eleições, além da inclusão de mais mulheres em cargos políticas, para as candidaturas que têm mostrado disposição e interesse por essa transformação. Os partidos políticos, por sua vez, devem abandonar o discurso da apatia feminina e começar a fornecer os estímulos materiais e morais para que as mulheres sintam-se seguras e respaldadas para se lançar numa aventura eleitoral. Isso porque, apesar de os partidos afirmarem que faltam candidatas para preencher as cotas, é sabido que, entre as principais causas para a sub-representação feminina na democracia representativa, está a resistência dos partidos e a falta de incentivo por parte deles. Todo/as precisam abraçar a causa da reforma e participar ativamente desse processo, organizado/as e politizado/as. Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade entre os sexos, é preciso mudar o poder inteiro.