quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

As mulheres do PCB/PPS – Dina Lida Kinoshita*

Antes de falar a respeito do tema propriamente dito, quero afirmar que as mulheres vêm lutando por paz, liberdade e justiça desde sempre em todo o mundo. Eu, como filha de um bolchevique dos anos vinte, quando ainda se levava a sério a obra de Marx “A religião é o ópio do povo”, não tive educação religiosa de espécie alguma e jamais li as Escrituras Sagradas. Mas nas muitas conversas que tive com o nosso querido Capitão, Salomão Malina, este contava que em uma de suas prisões, só tinha permissão para ler a Bíblia. E segundo ele, já na Antigüidade apareciam figuras de mulheres fortes, defensoras de causas nobres.

As mulheres brasileiras também vêm lutando e se organizando ao longo dos séculos na resistência ao sistema escravagista colonial, contra a Inquisição, na luta pela independência, nos movimentos populares que enfrentam o poder ao longo do II Império, bem como as sufragistas já no século XX.

Para nos atermos a tempos menos remotos, ao ler o Germinal de Zola ou os livros “Nós, o Povo” ou a “História da Riqueza do Homem” de Leo Huberman, ou as obras de Karl Marx, nos damos conta que as mulheres proletárias trabalhavam em condições de alta periculosidade e insalubridade, cumprindo jornadas extenuantes desde os primórdios do capitalismo. Não deixa de ser emblemático que o episódio que deu origem ao 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, é de 1857 enquanto o relativo ao 1º de Maio, envolvendo homens, é de 1886. De toda maneira, o ascenso das lutas sociais dos trabalhadores e trabalhadoras ao longo dos séculos XIX e XX dá ensejo a uma série de conquistas políticas e sociais, muitas delas consolidadas como direitos humano na Carta das Nações Unidas de 1948 e em documentos posteriores.

Os movimentos socialista e comunista internacionais sempre tiveram a luta pelos direitos das mulheres como uma questão central. E já em 1910, durante o II Congresso da Mulher Socialista, por iniciativa da revolucionária alemã, Clara Zetkin, o dia 8 de Março foi consagrado como o Dia Internacional da Mulher. A Revolução Bolchevique de 1917 produziu figuras como Alexandra Kolontai que discutia no começo do século XX teses como “A nova mulher e a moral sexual”. Com o advento do stalinismo esta renovação foi congelada embora muitas conquistas sociais tenham permanecido. Não podemos deixar de mencionar a teórica marxista polonesa e militante da social-democracia alemã, Rosa Luxemburg que polemizava com Lênin, sobretudo sobre a questão da democracia socialista e a grande dirigente comunista espanhola Dolores Ibarruri, uma mulher do povo e figura popular no período da Guerra Civil Espanhola.

Mas como afirma Eric Hobsbawm , “os direitos não são abstratos, universais e imutáveis. Eles existem nas mentes de homens e mulheres como partes de conjuntos especiais de convicções sobre a natureza da sociedade humana e sobre a ordenação das relações entre os seres humanos dentro dela: um modelo de ordem social e política, um modelo de moralidade e justiça.”

Durante o século XX assiste-se a grandes mudanças quanto às mulheres. A mobilização dos homens para as duas grandes guerras mundiais incorpora cada vez mais mulheres ao mundo do trabalho. Mas é a partir dos anos 60, com o advento da pílula anticoncepcional que as famílias passam a ter maiores possibilidades de planejamento familiar, permitindo a incorporação de um maior contingente feminino ao mundo do trabalho e da cultura num momento de crescimento da economia capitalista. As mulheres que já haviam conquistado em quase todo o mundo o direito ao voto, passam a reivindicar direitos de igualdade no seio da família, no plano econômico e político. A década de 70 constitui um marco para o movimento de mulheres. Em 1975 comemora-se em todo o Planeta o Ano Internacional da Mulher e realiza-se a I Conferência Mundial da Mulher, promovida pela Organização das Nações Unidas – ONU, instituindo-se a Década da Mulher. Este movimento vai num crescendo e na década de 90 temos várias Conferências Mundiais da ONU tais como a dos Direitos Humanos (Viena –1993), População e Desenvolvimento (Cairo – 1994), Mulheres, Igualdade, Desenvolvimento e Paz (Beijing – 1995 e a Convenção Pan-americana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Belém do Pará – 1994), da Organização dos Estados Americanos – OEA. O avanço tem sido maior no plano social do que no político. De toda maneira, sem entrar no mérito da posição política, hoje mulheres presidem os Partidos Comunistas da França, do Uruguai e do Chile, o Partido do Socialismo Democrático da Alemanha. As mulheres constituem quase metade dos cargos de direção dos Democratici di Sinistra na Itália. O Partido de la Revolución Democrática do México acaba de ter duas gestões seguidas presididas por mulheres. O caso mexicano é interessante uma vez que a legislação eleitoral do país, onde grande parte dos cargos parlamentares são preenchidos por lista fechada e não há possibilidade de reeleição em mandato consecutivo, permite forjar muitas lideranças e de acordo com o estatuto do PRD as listas são preenchidas numa seqüência de dois homens, uma mulher o que garante cerca de 30% dos mandatos para as mulheres. É uma maneira muito mais efetiva de eleger mulheres que as nossas cotas.

É claro que o Brasil participa de alguma maneira de toda esta trajetória internacional. Gostaria, porém, de fazer uma outra reflexão. Por mais avançado que um partido possa ser, ele sempre será um reflexo da sociedade que busca representar. Ora, no caso brasileiro, com uma tradição patriarcal, autoritária e machista muito arraigada, o PCB avança com dificuldade desde os seus primórdios. Se a clandestinidade, as prisões e a tortura ainda deixam muitas lacunas na história do nosso Partido, a das mulheres comunistas é mais desconhecida de todos. Esta história ainda terá que ser retirada das catacumbas. Creio que as mulheres de cada estado brasileiro deveriam assumir como tarefa a busca de raízes e tentar descobrir como e onde atuaram as mulheres do Partido. Provavelmente cometerei injustiças por omitir nomes. Mas mencionarei o que considero como o "estado da arte” da pesquisa neste momento. Para tanto contei com a contribuição de Francisco Inácio Almeida, João Aveline, José Cláudio Barriguelli, Marcos Del Roio e Paulo R. Cunha, entre outros.

São poucas as mulheres que militaram no Partido na primeira década de sua existência. Isto pode ser atestado por uma carta enviada pela IC, reclamando da pequena participação feminina. Apesar de tudo, para surpresa de todas nós, tendo acesso recente a um arquivo referente a brasileiros e brasileiras que tiveram atuação junto à Internacional Comunista, lá consta o ingresso da paraense Erecinha Borges de Souza no PCB em 1927; foi membro do CC e do seu Bureau Político entre janeiro de 1931 e agosto de 1932. Acabou indo a Moscou, onde assumiu tarefas no Secretariado da América do Sul e Central. Casou-se com um companheiro do PC dos EUA e fixou residência em Nova York onde trabalhou nas organizações da “American League for Peace and Democracy, Special Committe for Friends of Brazil”. A poetisa Laura Brandão, também teve uma atuação destacada, sobretudo em prol dos direitos das mulheres.

A partir dos anos trinta, com a ascensão do fascismo no mundo, as mulheres se mobilizam para trabalhar no Socorro Vermelho Internacional, contra a ditadura Vargas e pela paz mundial. Sara (Becker) de Mello, as irmãs Inês (Itkis) Besouchet e Felícia (Itkis) Schechter e Raquel Gertel já vem atuando desde 1930. Esta última é personagem dos Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado. Ao longo da década, ingressaram no PCB figuras como Eugênia Moreira, primeira repórter mulher do país e fundadora da União Feminina do Brasil; Patrícia Galvão, jornalista, poetisa e ativista política; a conceituada psiquiatra alagoana Nise da Silveira; a escritora paraense Eneida de Morais; a escritora cearense Raquel de Queiroz e a advogada carioca Maria Werneck. A juventude e o mundo da cultura estão presentes no Partido desde o início.

No final de 1934 o PCB tomou a iniciativa de desenvolver negociações para a criação da Aliança Nacional Libertadora, Frente Popular contra o integralismo e a legislação discricionária. Esta é fundada em março de 1935. No bojo da ANL organizou-se a União Feminina Brasileira que lutava pela igualdade social e de direitos entre os sexos. As principais dirigentes desta entidade foram as já mencionadas Maria Werneck e Nise da Silveira, bem como Catharina Landeberg, Priscila Motta Lima e Amanda Alberto Abreu.

Cabe uma menção às mulheres imigrantes, que já vinham militando em partidos europeus e aqui deram continuidade a suas atividades num novo ambiente como Liuba Goifman, Rifka Gutnik e Tuba Schor. Liuba e seu esposo foram presos em 1936 e só não foram deportados porque tinham um filho nascido no Brasil. O esposo de Rifka, Waldemar Gutnik foi deportado, mas este fato não foi motivo para esmorecer; a luta continua. A jovem Geny Gleiser também foi deportada devido às atividades políticas que exercia no PCB.

Olga Benário, companheira de Prestes, e Lisa Berger não vieram como imigrantes mas a serviço da III IC – Internacional Comunista. Ambas foram entregues às garras nazistas; Olga foi executada numa câmara de gás e Lisa morreu tuberculosa devido aos maus tratos, no Campo de Concentração de Ravensbruck.

Algumas companheiras como a professora goiana Glória Pilomia participam da reorganização partidária pós liquidação do PCB no início dos anos 40. Mas é no pós II Guerra Mundial que as mulheres mostram a cara. É um momento de grande efervescência partidária e nos movimentos populares. Inicialmente na luta pela Anistia Política no Brasil, e posteriormente, no Movimento pela Paz contra a Guerra na Coréia e contra as bombas nucleares. Destacam-se nestas tarefas Jovina Pessoa, Antonieta Campos da Paz, Elisa Branco e Branca Fialho. Escreve Aveline: “A coragem da mulher brasileira se fez presente na manhã do dia 7 de setembro de 1951, quando Elisa Branco na frente das tropas que desfilavam em comemoração à data da Independência, desfraldou uma faixa onde se lia: “Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coréia”. Era o sinal de que estava sendo desencadeada naquele momento a campanha nacional comandada pelo PCB, que visava impedir o envio de tropas para a Coréia, uma exigência dos Estados Unidos, para dividir com o Brasil e outras nações do Continente, a responsabilidade pela agressão ao povo coreano.” A campanha foi vitoriosa embora Elisa enfrentasse dois longos anos de prisão e Zélia Magalhães, no vigor dos seus vinte e poucos anos, tenha tombado no Rio de Janeiro, durante jornada do Movimento dos Partidários da Paz, pela ação criminosa dos policiais de Felinto Müller.

Com a democratização do país e a legalidade do PCB, várias mulheres foram eleitas deputadas e vereadoras. Zuleika Alambert, eleita deputada estadual por São Paulo com pouco mais de vinte anos, representou na Assembléia Legislativa os interesses da juventude. Anos depois, foi durante alguns anos dirigente destacada do Comitê Central do PCB. Adalgisa Cavalcanti foi eleita Deputada Estadual em Pernambuco. Julieta Batistioli, uma simples operária da indústria têxtil, foi a primeira vereadora da capital gaúcha, em 1946; deixou perplexos os demais representantes daquela legislatura pela clareza com que abordava os problemas, muitas vezes desconhecidos pelos demais. Elisa Kaufman Abramovich, pedagoga, foi a vereadora mais votada para a Câmara Municipal de São Paulo e líder da bancada. Com o advento da Guerra Fria e a cassação do registro do PCB e dos mandatos dos parlamentares, Elisa colaborou com o aparato clandestino na medida em que matriculava na escola que dirigia, os filhos de membros do CC na mais estrita clandestinidade tais como Salomão Malina, Jacob Gorender, Moisés Vinhas e Marco Antonio Tavares Coelho.

As mulheres também dirigem revistas e escrevem para os jornais partidários; entre elas, a poetisa Ana Montenegro, Arcelina Mochel, redatora do jornal Momento Feminino e Eunídia Mathias da Tribuna Gaúcha. Antonieta Campos da Paz edita a página feminina do jornal Imprensa Popular, no Rio de Janeiro.

Data desta época a fundação da Federação das Mulheres do Brasil. Destacam-se nesta frente Ana Montenegro, uma das responsáveis pela criação da Federação em 1949 e Alice Tibiriçá, primeira presidente da mesma. No exílio, pós 64, Ana Montenegro representará o Brasil na Federação Democrática Internacional de Mulheres – FEDIM. Destacam-se ainda nos movimentos populares contra a carestia, pela paz, pela escola pública e pela reforma agrária e nas lutas operárias que culminam nas grandes greves dos anos 50, na indústria têxtil e da alimentação, Maria Salas, Adoración Vilar, Eunice Longo, Beatriz Nieto, Olinda Jardim, Lucrécia Correa, Angelina Jeronimo, Maria Bevilácqua e Erundina Arruda em São Paulo; a dirigente municipal de Uberlândia e mais tarde presidente da organização de mulheres Olívia Calábria, que dá continuidade a projetos da Paz e na defesa dos minérios nacionais, também participa dos movimentos sociais no Triângulo Mineiro; as irmãs Irma e Noêmia Gouveia; Julia Santiago, líder sindical têxtil de Pernambuco.

Mas a mulher também luta nas difíceis condições do campo. São exemplos desta luta Aparecida Azedo, sobrevivente da chacina de Tupã; Dirce Machado, grande líder dos posseiros no conflito de Trombas e Formoso; Margarida Maria Alves, Presidente do Sindicato Rural de Alagoa Grande e Josefa Paulina da Silva, líder camponesa e comunitária no Estado do Rio de Janeiro e ex candidata a deputada federal pelo PCB. Outra luta difícil se dá contra o racismo: Maria Brandão dos Reis, negra mineira, é ativista social e política nesta área.

Além das mulheres do mundo da cultura que se agregam ao Partido nos anos trinta, no período posterior a 45, surgem personalidades como a médica maranhense Maria Aragão, figura popular, agitadora política e figura marcante dos comunistas na cidade de São Luís; a cientista e intelectual pernambucana, Naíde Teodósio; a escritora Edith Hervê e a musicista Esther Scliar, gaúchas; a cantora popular Nora Ney.

Apesar das dificuldades de grande monta surgidas com o golpe de 64, o PCB acompanha a verdadeira revolução empreendida pelas mulheres em nível mundial. Há um novo entendimento da questão feminina – não basta inserir-se nas lutas gerais do povo, ao contrário, as feministas apontam as especificidades neste campo. Ainda antes da Anistia, a Dra. Albertina Duarte cria o Centro da Mulher Brasileira com o apoio de Maria do Carmo Alves de Lima no Ano Internacional da Mulher. Mas é em 1979 que surge um dos mais importantes documentos do PCB sobre a condição feminina com a contribuição decisiva de Zuleika Alambert.

São muitas as mulheres com grande atividade no PCB e posteriormente no PPS a partir dos anos 80. Artistas como Lícia Caniné, a Ruça, (ex-vereadora no Rio de Janeiro), Beth Mendes (ex-deputada federal constituinte); a pintora e escritora Sara Goldman Belz; a cantora Ana de Holanda; a escritora Dulce Pandolfi; médicas como Lúcia Souto (ex-deputada estadual do Rio de Janeiro), professoras, sociólogas como Almira Rodrigues, dirigente da ONG feminista CFêmea em Brasília; a jornalista Cíntya Peter, transmitiu diretamente de Moscou os momentos dramáticos da Perestroika; Abigail Pascoa, feminista e ativista da comunidade negra; vereadoras, deputadas, a senadora Patrícia Sabóia Gomes, prefeitas e vices como Linda Monteiro, em Goiânia, as mulheres estão em toda parte. Seu número aumentou de maneira expressiva e seria temeroso enumerá-las todas.

Mas todo este movimento não se constitui apenas de heroísmo e abnegação. Há conflitos e equívocos ao longo do tempo. Em cada cisão, perdia-se quadros: Elza Monerat e Lila Ripol para o PCdoB; Clara Charf, companheira de Marighella para a ALN (hoje no PT); Isis de Oliveira e Maria Aurora Furtado, a Lola, jovens barbaramente torturadas e assassinadas, optaram pela luta armada; Elisa Branco e Jovina Pessoa na cisão de Prestes; Zuleika Alambert faz parte do grupo derrotado no VII Congresso junto com Armênio Guedes e Davi Capistrano Filho, entre outros; Ana Montenegro na grande mudança empreendida no IX e X Congressos.

Contudo não existe vácuo na política. Surgem novas lideranças, com capacidade melhor de analisar o passado e o presente, dispostas a lutar por um mundo melhor nas novas condições vigentes. Prestemos nossa homenagem às mulheres do passado e às novas militantes dispostas a lutar no presente. Ainda somos poucas, mas vamos à luta porque os desafios são enormes dentro do PPS e na sociedade mais geral. Com o apoio dos companheiros, esperamos crescer e nos fortalecer, aumentando nossa representação dentro do Partido e junto à sociedade.

Palestra proferida na abertura do I Encontro Nacional de Mulheres, realizado em Brasília, nos dias 13 e 14 de setembro de 2003.

*Dina Lida Kinoshita - Física, ambientalista, membro da Cátedra Unesco para a Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, do Instituto de Estudos Avançados da USP, é membro da Executiva Nacional e da Comissão de Relações Internacionais do PPS.

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