domingo, 17 de agosto de 2008

Um dia de campanha com a Soninha












“Chove a cântaros”. Toda boa paulista se expressa assim quando chove forte sem parar e essa foi a expressão que me pegou de surpresa na sexta-feira, 8 de agosto, deste ano de 2008, quando cheguei a São Paulo em busca de carona nas “emoções” de um dia de campanha da nossa candidata à prefeita da capital do mais rico estado do Brasil, que está entre os estados com alto Índice de Desenvolvimento Humano, superado apenas por Santa Catarina e pelo Distrito Federal.

Sampa é a cidade mais populosa do Brasil, cuja região metropolitana conta atualmente com 19 milhões de habitantes, segundo o último censo de 2007. É um verdadeiro exagero em todos os sentidos. Não só tem a maior população como também outras maiores “coisas”. É considerado o maior centro gastronômico do país, o maior centro cultural, tem o maior acervo museológico do país, conta com a maior diversidade de povos entre seus habitantes, tem o trânsito mais caótico da América Latina, é a cidade que mais alagamento tem, seu sistema de transporte está saturado, os índices de criminalidade, embora apresentem queda, ainda são destaque nos primeiros lugares de pesquisas etc.

Após esse brevíssimo panorama de São Paulo, apresento, para quem ainda não conhece, nossa militante com cerca de 2 anos de PPS e muitíssimo corajosa para se colocar como candidata a um cargo disputado por caciques do porte de Marta Suplicy e Geraldo Alckmin, ambos ancorados nos dois maiores partidos políticos da atualidade brasileira. PT e PSDB, respectivamente. Trata-se de Soninha Francine, uma mulher de 40 anos e mãe de três filhas. Divorciada e uma comunicadora de primeira linha. Foi produtora e apresentadora de programas de entrevistas e esportivos na TV Cultura, ESPN e MTV. Tem coluna no jornal Folha de S.Paulo e já foi comentarista da Globo/CBN. É formada em Cinema, mas como se vê, tem múltiplas funções.

Voltando ao “chove a cântaros”: com todo o pé-d’água da madrugada, pensei que nosso plano de acompanhar um dia de campanha tivesse ido para o bueiro. Mas que nada, depois de um pequeno susto de que estavam suspensas as atividades do dia, Helena Werneck e eu rumamos para o bairro das Perdizes, onde fica o apê da Soninha.

Às dez em ponto, conforme nova agenda, tocamos a campainha e fomos recebidas por simpáticos e efusivos cumprimentos da Soninha e escandalosos latidos de uma criaturinha indócil que atende por Dubi, um viralata muito lindo cuja identidade passa por um vestígio de Dálmata. Este, em pouco tempo, mostrou-se exibido, dócil, mas de pouco papo, digo, de pouco latido.

Soninha é uma figurinha muito bonita, muito simples, e simpática até não mais poder. Tem um sorriso fácil, expressões muito marcantes daquelas que um olhar diz o que pensa. Seus olhos sorriem ou fulminam com facilidade. Creio ser muito difícil ela ter que dissimular alguma coisa, sua expressão deve traí-la a todo momento. Em compensação, a transparência, que hoje vale moedas de ouro, pode enriquecê-la de glórias.

Seu apê é tão à vontade quanto ela. Está estampado na desarrumação arrumadíssima que encontramos. Ela é daquelas que, até no escuro, encontra o que procura, mas ninguém mais consegue esse feito... Cada cantinho tem uma curtição, uma mexida muito pessoal. Tudo muito colorido, muito alegre. Por ser budista, tem alguns altares(zinhos) espalhados, mas tem um grande e lindíssimo na parte de cima de seu duplex. Aliás, nessa parte de cima tem uma varanda gostosíssima, com muitas plantas e bandeirolas de significado budista também. Falei num duplex, mas entendam que é um pequeno duplex. Nada de ostentação nem luxo, tudo muito prático, bonito e simples.

Sentamo-nos, Helena e eu, num bonito e confortável sofá que tinha à frente uma grande TV ligada no futebol, claro, num jogo das Olimpíadas da China. Soninha pegou uma caneca, colocou alguma coisa que não sabemos o quê e, após nos oferecer café, sentou-se num banquinho alto, parte do balcão de sua cozinha americana.

Bem leve e bem humorado foi o bate-papo que levamos, enquanto aguardávamos a assessoria que nos levaria a uma feira-livre em Itaquera. Para quem tem idéia de Sampa, é na última estação do metrô da zona leste da cidade.

O papo fluiu como se fôssemos velhas conhecidas. A naturalidade de nossa candidata é contagiante. Não demonstrou nenhuma autocensura para se colocar politicamente. Falou com segurança sobre suas virtudes e também sobre suas fraquezas. O início da conversa foi sobre sua opção pela política, já que ficam em segundo plano todos os demais projetos de esporte e TV. Fez comentários sobre a Câmara de Vereadores que, a cada dia mais, a impulsionava para sair fora do jogo da política que chamou de “luta livre”, ou seja, pugilato de cartas marcadas – tudo sempre bem combinado para se tirar vantagens pessoais pouco importando os benefícios à comunidade.

Seu mandato
“Nesses três anos e meio como vereadora vi que não sabia nada sobre política. Só dando expediente na Câmara de Vereadores para saber. Eu pensava que sabia muito pois discutia com amigos, lia jornais e revistas, sempre muito curiosa e interessada nas questões públicas, mas em 8/9h no ‘chão-de-fábrica’, ‘na trincheira’, é que a gente aprende direitinho”. Antes de ser eleita, quando ainda era candidata, Soninha teve contato com um dos vereadores que estava em campanha pela reeleição.

Foi um contato de solidariedade por causa da doença da filha (leucemia) que surgira na última semana de campanha. Aquele contato fez Soninha ficar curiosa em conhecê-lo melhor. Foi dar uma espiada no site dele como vereador. “Embora fosse de um partido de direita gostei muito do que vi e do que li. Achei que ele era bom. Comentando com um amigo, ele disse: Tudo mentira! Não é nada disso! Ele defende publicamente coisas polêmicas porque sabe que nunca vai ser votado! Faz média com a população. Fim do recesso parlamentar em julho, por exemplo. Não passa nunca! Ele fica jogando para a platéia. É o personagem que ele assume para si no jogo que é a política municipal.”

Outro aspecto que Soninha chamou a atenção sobre a realidade com que se deparou no dia-a-dia como vereadora é que a atividade no plenário é a menos produtiva entre as tarefas da Câmara. Disse que tem vereadores gazeteiros e superativos, mas que fora do plenário se produz muito mais. O Colégio de Líderes resolve tudo e o plenário passa a ser apenas um palco. Por não aceitar esse teatro, começou o mandato num partido e terminou em outro.

“Eu não me conformava de meu partido estar completamente dentro do esquema, aceitando o teatro, a luta livre. Vivenciei discussões excelentes sobre alguns projetos com uma assessoria muito competente nas questões de mérito, mas não me habituei com as discussões políticas nas quais se optava por simples obstruções por questões eleitorais, por exemplo. Só pensam em eleições e não se os projetos são ou não bons para a comunidade. Eu me rebelava e a bancada olhava para mim como agente infiltrado da CIA. Criei um clima horroroso porque não seguia as determinações da bancada. Éramos três infelizes ali. Os demais...”.

“Nos quase quatro anos de Câmara, além de tudo o que gostava de estudar, fiz pós-graduação em cidade, em administração e política” ­­– disse nossa candidata, rindo.

A paixão pela política
Após ser indagada se continuava apaixonada pela política, Soninha disse que se divorciou e se apaixonou novamente. Disse que, a partir de 2006, gastou todas as suas energias. Estava disposta a sair do PT e a não se candidatar a mais nada. Ia continuar próxima da política e da administração pública, mas como funcionária. Não queria mais saber de vida partidária já que não conseguiria formar ou entrar num partido só com pessoas de quem gostasse.

“Mas acabei me reanimando, me reencantando, interessando-me pelo PPS. Pelo que ele disse e pelo que demonstrou ser. Na Câmara, tínhamos outros dois vereadores, mas antes mesmo de me formularem o convite para eu me filiar, o PPS já tinha comunicado a ambos que não teriam legenda para as próximas eleições. Que estavam livres para procurar outro partido. A Mirian Athyê foi para o PDT e o Edvaldo Estima disse que não iria mais se candidatar a nada, portanto, não sairia. O PPS correu o risco de não ter vereador nenhum, e preferiu não ter ninguém a manter os dois. Isso para mim foi incrível!”

“Ainda estava infeliz com a política quando fui convidada a participar de um encontro de jovens políticos na Argentina. Cheguei a pensar no quanto eu era idiota por ir para esse encontro em vez de descansar num feriado prolongado. Mas, enfim, lá estava eu e me encontrei entre jovens de vários países discutindo temas importantíssimos, com muita propriedade e seriedade. Voltei de lá oxigenada com a política.”

“Me animei com o PPS para participar da construção do partido e não para sair candidata a vereadora. Deixei isso bem claro aos dirigentes e eles disseram que me queriam assim mesmo. Que era importante minha facilidade de comunicação com os jovens”.

Soninha não só não queria ser candidata a vereadora como também não quer saber de se candidatar a deputada federal em 2010. Não tem planos para isso. Os planos dela passam mais pela candidatura majoritária à prefeitura novamente em 2012. Mas, diz que até lá tem muito chão pela frente e tarefas partidárias também.

Preparo para os debates
Soninha disse que vem se preparando há dez anos para debates políticos. Além de ter tido boa escolaridade, sempre foi beneficiada por sua curiosidade e boa memória. “Durante um tempão, fui mediadora de debates semanais e até mesmo diários. Por isso, precisava estudar muito. A gente passava uma semana estudando temas para chamar um debate. Fui diretora e depois apresentadora do ‘Barraco’, na MTV, com debate semanal. Na TV Cultura, tínhamos um programa com 5 debates semanais. Então, a vida era estudar!"

Mas, ela está ciente de suas limitações e quando precisa de ajuda, encaminha as questões para o núcleo de campanha do partido que repassa aos especialistas. Seu maior problema é resumir, por exemplo a questão do solo de São Paulo, em cinco linhas ou em 1 minuto e meio. Diz com propriedade que, às vezes, as pessoas não entendem o que ela quer propor, mas quando dão tempo para explicações as coisas ficam mais claras.

Sair em campanha
“Nem sempre estou superanimada para sair em campanha, mas geralmente volto melhor do que fui. A atividade em si me anima muito. Gosto de discutir com as pessoas, não me importo em me expor. Mas fico possessa com notícias injustas”. Aliás, diz que a filha Raquel, a mais velha e mais politizada, também fica furiosa e discute até em nome da mãe, se preciso.

“O que me impulsiona a sair em campanha novamente é a certeza do propósito. Uma campanha a vereadora é muito injusta. Temos mil candidatos, quem tem mandato já tem alguma visibilidade e uma série de meios (lícitos ou não) para levar a candidatura adiante”. “As pessoas não sabem o que é vereador e para o que serve, têm expectativa completamente irreal do que os vereadores devem fazer por ela. Fazem pedidos imediatos e a longo prazo que os vereadores não têm condições ou não deveriam atender, mas muitos se dispõem a isso. Prometem de 10 sacos de cimento a viagens à Lua”.

“Então, a campanha para vereador é esse sofrimento: você não sabe se será eleito e ainda não pode prometer o impossível mediante a falta de conhecimento das possibilidades de um vereador”.

“A campanha à Câmara Federal, em 2006, foi pior ainda. Eu não queria sair candidata e muito menos pelo PT com o qual eu já estava em litígio, completamente descrente da política deles. Tomava um “cacete” nas ruas por ser do PT: vagabunda, mensaleira, safada: como posso confiar em você se continua no PT?, e por aí vai... E dentro do partido era chamada de “traíra” e cobrada porque tinha pouca estrela no meu material”.

“São dois momentos diferentes de campanha. Agora, é supercansativo. Às vezes, a gente bate pino, não consegue raciocinar, mas o propósito é que me estimula. Quero ser prefeita!”

O poder
“Não tenho problema algum com o poder. Eu quero ter poder! Se vier concedido, atribuído, conquistado... serei prefeita dos que votaram e dos que não votaram em mim. O problema que vejo é a expectativa que as pessoas colocam em você por coisas que você não pode proporcionar por um milhão de motivos. Ou seja, o problema é a impotência. Me deprime, me enfurece, me tira o sono não conseguir construir, mudar, fazer nada após tentar persuadir, espernear”.

Soninha nos empolgou, a mim e a Helena, quando disse que aprendeu na Câmara Municipal “quantas vezes é melhor abrir mão do poder quando ter o poder significa abrir mão dos princípios, quando para você conseguir interferir em algo precisa fazer tantas concessões, tantos acordos e falcatruas que é melhor você ser fraca, menos potente. Foi o que descobri, o que aprendi: o valor de perder – ter orgulho de minhas derrotas, como alguém me disse uma vez a fala de Darcy Ribeiro: ‘minhas derrotas são minha grande vitória’.

Essa hora merece registro. A Helena pulou de satisfação. Fui eu! Fui eu que lhe falei esta frase. O texto completo é: “Tentei salvar os índios, não consegui. / Tentei levar educação a todos, não consegui. / Mas as minhas derrotas são minha grande vitória. / Detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

E Soninha continuou – “Para mim virou slogan, está na minha camiseta. Na Câmara Municipal pensava assim: posso perder nove vezes, mas a 10ª eu ganho e essa vitória significa mais do que todas as aulas que dei, todos os debates que participei... e depois percebi que às vezes essa 10ª vitória significava perder tanto que resolvi que podia perder TODAS. Vou perder todas, mas não vou fazer palhaçada, não vou fazer rolo, não vou fazer acordos em torno do que não acredito. Cheguei à conclusão que tenho o poder de abrir mão do poder.”

“Penso que, às vezes, o melhor que você faz pela sociedade é registrar no painel um único voto NÃO contra toda a Casa e lhe perguntarem: por que você fez isso, boba? O que você ganha com isso? E eu responder: Nada! Não estou aqui para ganhar.”

Noção da diferença
Helena e eu estávamos curiosas para saber se Soninha tinha noção do quanto, na prática, ela se diferenciava dos demais políticos. Queríamos saber se era uma “falsa modesta”, e ela nos surpreendeu mais uma vez!: “Tenho noção sim! Mas, na verdade, o que acho esquisito é as pessoas acharem que sou diferente só para contrariar, que eu acho que ser diferente é minha máscara, meu personagem no palco da Câmara. Não, não é personagem, afirmo! Adoraria ter mais 15 colegas iguais. Mas, se não os tenho...

Ser mulher na fogueira de vaidades
“Em algumas situações, você tem que provar que é melhor. Se, numa sessão da Câmara, um homem entra mudo e sai calado, ninguém vai dizer que ele não entende nada do assunto, nada significa, passa batido. Mas uma mulher que não se manifesta é porque não “manja” nada. Mas, o fato de você ser ou não mulher, discutir ou não um determinado assunto não terá a menor importância se você jogar o jogo, se você fizer os acordos que querem, as concessões que esperam que você faça. Se fizer a política de reciprocidade: eu lhe ajudo aqui e você me apoia ali; eu lhe dou uma força agora, e mais tarde você me paga, logo logo essa questão de gênero torna-se irrelevante”.

“Agora... se você não joga o jogo, se bate de frente, se é diferente, se questiona muito, aí o fato de ser mulher dá munição extra: está nervosinha?; é mal amada?; está de caso com fulano?; e todo o repertório de baixarias e ataques que bem conhecemos”.

“Normalmente, estou preparada, armada com um escudo protetor, mas às vezes me escapa. Se me pegam desprevenida numa dessas eu saio do sério, fico furiosa, choro de raiva! Há pouco, abriram a porteira para jogar pesado: um colega subiu na tribuna para dizer que como alfafa, sirvo alfafa para minhas filhas, que cheiro alfafa. Que candidata a prefeita tem que ter propostas e não fumar maconha e por aí escancarou as baixarias... Nessa eu já estava preparada e não me abalou.

Também tem mulher que usa o fato de ser mulher como muleta, vi muito disso com coitadinha de mim, vejam bem, sou apenas uma mulher no meio de vocês etc. Isso é péssimo”.

“No corpo-a-corpo da rua, as mulheres levam vantagem, os homens são até injustiçados. É comum dizerem que as mulheres podem fazer uma política menos troglodita. O que é injusto, lógico. Tem muita mulher que faz política pior do que um homem. Eu particularmente sinto a simpatia de ser mulher. Também entre as mulheres, sinto mais simpatia, mas quando surge a repulsa ela também é maior. A cara de nojo da mulher para a mulher é mais feia. A eleitora é mais autêntica, o homem é mais dissimulado.

A ”coisa” da maconha continua a aparecer e é de se esperar. Nada está resolvido em relação à descriminalização da maconha e eu a defendo abertamente, como defendo a descriminalização do aborto. Procuro discutir a descriminalização de ambos, sem escândalo, com seriedade.

Normalmente não trato de temas polêmicos ou que não fazem parte da administração pública, mas se me perguntarem, não fujo de jeito nenhum. Não vou mudar de opinião porque posso perder voto. Se tiver que perder, eu perco, mas o país precisa discutir maconha e aborto, e fim!”

A feira livre
Foi muito interessante. Para mim particularmente porque não passeava por uma delas, há vinte anos. Ufa! Quanto tempo! Em Brasília não temos feiras livre. Tinha uma vontade grande de comer de tudo, de frutas a verduras, incluindo cheiro-verde. Uma festa! E com a presença da militância do partido em São Paulo, mais festiva ainda. O nosso candidato a vereador em Itaquera é quem acompanhou a Soninha e lhe deu sustentação. É um médico muito conhecido e grande liderança no bairro. Ainda não conseguiu um mandato, mas a cada candidatura ganha mais votos. É um nome muito forte apesar de ser um reduto petista. Agora, a experiência para mim foi bárbara. Já sei como fazer panfletagem e campanha no meio do povo.

Determinada hora nos encontramos com a caravana do partido no início da feira da Avenida Nordestina. Os militantes já estavam esperando a Soninha com “armas e bagagens”, ou seja, carro de som com o jingle do candidato a vereador numa altura bem razoável, mas numa repetição infernal; panfletos frente Soninha e verso vereador; fotógrafo; cinegrafista; carregador de cartazes; e vários de nós, militantes comuns, que iam à frente avisando que a Soninha e o “doutor” Waldir, dentro em pouco, estariam ali na barraca. Quando chegavam, em cada barraca era um acontecimento! Abraços daqui, abraços dali; fortes apertos de mão, outros nem tão fortes; palavras de incentivo; gritos de vitória; olhares esquisitos; sorrisos amigos, outros nem tanto; e rejeição também, ora se não! Uma vez ou outra, ouvíamos um desagradável: esses nunca fazem nada, mas na hora de pedir voto... ou então não pegavam o panfleto e faziam cara de quem-comeu-e-não-gostou. Segundo a Soninha, ali o Waldir era “o cara”, ele é quem fez mais sucesso ela foi na onda dele. Acha que não conseguiu muito voto por ali, não.

Do que gostei para valer foram algumas mulheres que fazem parte da equipe do “doutor” Waldir. São lideranças do bairro que trabalham com ele desde a campanha passada. São mulheres entusiamadas com a candidatura dele e, por tabela, com a da Soninha, porque ele costuma dar assistência ao trabalho social que elas desenvolvem. Uma delas, de nome Isa, é um verdadeiro trator. Conhecia todo mundo e fazia às vezes de “dona da casa”, chamando os barraqueiros pelo nome, apresentando os candidatos e fazendo a maior zorra. Ela sozinha era uma banda de música. Temos várias fotos dela. Sua marca é um turbante afro (disse que tem de todas as cores, menos vermelho, que está reservando para a posse do “doutor”) e um casacão dos mais elegantes. Aliás, estava na maior estica. Vejam as fotos.

Bom, acabamos, Helena e eu, essa missão por aqui. As atividades restantes eram um misto de campanha e pessoal que valia a pena dar sossego à nossa candidata. Eu fiquei muito feliz pensando que podemos ter muitas Soninhas se elegendo vereadora pelo país afora. Acho que no nosso PPS temos muitas mulheres que estão se descobrindo como agentes da política do bem e que podemos ajudar a mudar o curso da política partidária e a gestão municipal.

Quero finalizar agradecendo o apoio, a companhia e a decisiva colaboração da Helena Werneck, nossa companheira da Executiva Nacional de Mulheres do PPS, aos assessores da Soninha que nos acompanharam todo o tempo, e ao pessoal de Sampa que nos acolheu com muita fraternidade. Nosso abraço especial vai para Soninha, claro, desejando todo o êxito possível nessa corajosa jornada, e encerro de verdade com alguns versos da poeta Elisa Lucinda:

"Dirão: É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desdeo primeiro homem que veio de Portugal.
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dá para mudar o final!"

Tereza Vitale
Coordenação Nacional de Mulheres do PPS

sábado, 16 de agosto de 2008

A Seguridade Social e as mulheres

A inclusão das mulheres deve ser encarada como uma das questões centrais do debate previdenciário no Brasil. Essa foi uma das principais questões tratadas no “Seminário Nacional sobre seguridade social e as mulheres”, que no primeiro fim de semana de agosto debateu a seguridade social e a desproteção social das mulheres. O seminário foi promovido pelo Fórum Itinerante e Paralelo sobre Previdência Social (FIPPS), em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o apoio do Inesc.

A seguridade social e as mulheres

No Brasil, a Previdência deixa de fora mais da metade da População Economicamente Ativa (PEA). Se incluídos os dependentes dessas pessoas, isso significa que são 100 milhões de brasileiros/as sem o benefício.

Levando em conta que a seguridade social desempenha um papel crucial para a redução da pobreza extrema no país, estamos diante de um quadro grave. Nesse contexto, a situação das mulheres é especialmente difícil. O sistema de proteção social, particularmente a Previdência Social, deveria atuar na redução das vulnerabilidades de gênero, promovendo incentivo e inclusão de todas as mulheres, e não somente daquelas reconhecidas como “trabalhadoras”, para assegurar autonomia financeira, familiar, profissional.

A perda de capacidade de gerar renda por parte das mulheres é uma restrição que tem origem na divisão sexual do trabalho: não é uma questão provocada apenas pela idade avançada ou, ocasionalmente, por força da maternidade.

O fato de hoje a previdência social no Brasil ter uma das maiores cobertura da América Latina não pode tranqüilizar o futuro. A situação dessa cobertura é fruto da verdadeira reforma social realizada, em 1988, na Constituição. A Carta Magna assegurou um salário mínimo, fez ampla inclusão de trabalhadores (as) rurais. Definiu a assistência social como direito, o que permitiu o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para o extremamente pobre, de um benefício com características parecidas com o previdenciário. Universalizou a saúde.

Duas situações deveriam ser a preocupação central hoje: a questão que a Previdência permanece com seguro, portanto contributiva. E a questão da inclusão das mulheres: segmentos de trabalhadoras hoje excluídas do sistema previdenciário, como donas de casa, catadoras de lixo, marisqueiras, quebradeiras de coco, pescadeiras etc.

Contundo as contra-reformas de 1998 e de 2003 são retrocessos. Ao estabelecer princípios atuariais e financeiros para a previdência, a reforma de 1998 ficou muito mais preocupada em privatizar a previdência, tendo o hoje falido modelo chileno como ideal. Como isso, cortaram os direitos e reduziram benefícios dos trabalhadores do regime geral da previdência e dos regime próprio da previdência.

A EC 20/1998, que modificou o sistema de previdência social, também criou um novo modelo previdenciário para os ingressantes titulares de cargo efetivo no serviço público e estabeleceu regras de transição para os atuais servidores ativos e inativos.

Dando seqüência às modificações na previdência, o Decreto 3.048 (06/05/1999) aprovou o novo regulamento da previdência social, em consonância com a EC 20. Uma alteração muito importante foi a aprovação da Lei 9.876 (26/11/1999), que muda o cálculo do benefício de aposentadoria da Previdência Social, anteriormente calculado pela média dos últimos 36 salários de contribuição do trabalhador, corrigidos monetariamente. A mudança ocorre pela extensão do tempo considerado para definir a média de rendimentos e pela criação do fator previdenciário, que introduz critérios atuariais, até então utilizados apenas pela Previdência Privada.

Observe a situação para quem começa a trabalhar com carteira assinada aos 18 anos. Nesse caso, o homem ao completar o tempo de contribuição mínimo exigido de 35 anos poderá requerer sua aposentadoria aos 53 anos de idade. No entanto, com base na atual tabela de expectativa de vida de 2006, seu benefício terá o valor de 67,9% da sua média salarial. No caso da mulher, ao completar 30 anos de contribuição e resolver se aposentar aos 48 anos de idade, o valor do seu benefício será de apenas 56,9% da sua média salarial. Antes do fator previdenciário, a regra compreendia 100% da média salarial.

Situação atual

Apesar da maior expectativa de vidas, as mulheres estão menos protegidas na velhice pela previdência social que os homens, conforme os dados dos indicadores sociais do IBGE, divulgado em 2007, referente a 2006 e analisados a seguir:

No grupo de pessoas de 60 anos ou mais de idade, enquanto 76% dos homens são aposentados, apenas 43% está na mesma condição. Temos 21% de mulheres pensionistas. O que perfaz o total então de 64% inferior proporcionalmente a montante de homens protegidos pela previdência social. No grupo acima de 65 anos de idade a situação é ainda mais desfavorável as mulheres. Enquanto 85% dos homens estão na condição de aposentados, apenas 44% das mulheres estão nesta situação. 23% são pensionistas, o que vai totalizar 67%.A situação futura também não é promissora. Lembrando que a previdência no Brasil é seguro. Para tanto, é necessário pelas regras atuais 35 anos e 30 anos de contribuição. Ou 15 anos na aposentadoria por idade.

Metade dos homens estão contribuindo, enquanto apenas 32% das mulheres

Toda essa situação reforça as propostas do Fórum do Itinerante da Previdência Social.

Defendemos os direitos das mulheres no mundo do trabalho, por isso queremos que o trabalho com tarefas domésticas e do cuidado com a família seja considerado trabalho e seja contado para fins de aposentadoria e para efeito de acesso a todos os benefícios previdenciários.

Defendemos manter a diferença de 5 anos de idade a menos que os homens para cálculo da aposentadoria para as mulheres. Esta é a única regra existente que considera a dupla jornada de trabalho vivida pelas mulheres.

Queremos o fim do fator previdenciário, que foi implantado na reforma previdenciária de 98. Esta é uma regra matemática que diminui o valor do beneficio quanto mais jovem for a pessoa. Esta regra prejudica as mulheres principalmente, porque se aposentam 5 anos antes do homens, anulando na prática o benefício da diferença de idade; garantir a efetivação do Sistema Especial de Inclusão previdenciária e aperfeiçoá-lo no sentido da ampliação da cobertura do sistema com vistas a beneficiar cidadãs e cidadãos que atualmente encontram-se excluídos da Previdência, como é o caso dos/as trabalhadores/as do setor informal e as mulheres que realizam o trabalho não remunerado na reprodução social.

Evilásio Salvador/Assessor de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Os direitos fundamentais das mulheres e as políticas públicas de promoção da igualdade pelo combate à violência doméstica

Nos últimos vinte anos duas histórias correm paralelas. A primeira é a história da luta das mulheres para sua liberação e pelos seus direitos, ou seja, a história do feminismo. E a segunda é a história do desenvolvimento e da expansão da reivindicação dos direitos humanos na qual as mulheres desempenham um papel-chave. (JELIN, 2006, p. 253).

Por outro lado, também a história do constitucionalismo é a história da progressiva ampliação da esfera pública reivindicadora de direitos fundamentais. História esta que não é teórica, mas política e social, dado que nenhum direito fundamental ‘caiu do céu’.

Mas, pelo contrário, foi conquistado mediante rupturas institucionais que vão desde a revolução americana e francesa, até as lutas operárias, pacifistas, ecologistas e, obviamente, feministas. (FERRAJOLI apud PISARELLO, 2005, p. 39/40)

O artigo a seguir analisa, sob a perspectiva constitucionalista, a vinculação do Judiciário aos direitos fundamentais de proteção e participação das mulheres na aplicação de normas referentes a políticas públicas de promoção da igualdade pelo combate à violência doméstica. Tema que, principalmente a partir da entrada em vigor da Lei Maria da Penha no Brasil, provoca instigante discussão acerca do controle de constitucionalidade das normas penais e para o qual a teoria democrática feminista haverá de contribuir muito.

Com a finalidade de apresentar os primeiros passos da pesquisa em desenvolvimento sobre o tema, este texto reporta-se à definição dos direitos fundamentais de proteção e participação, ao delineamento do princípio da igualdade enquanto igualdade nos direitos fundamentais, e à vinculação do Judiciário aos mesmos nos marcos do Estado Democrático de Direito brasileiro em que autonomia pública e privada são, necessariamente, complementares. Reserva-se para as próximas etapas do estudo em curso o aprofundamento do enfoque sobre o controle de constitucionalidade e a norma penal, ou o melhor seria dizer, os próprios fundamentos do direito penal a partir de uma análise garantista (enquanto teoria geral do direito) e feminista (enquanto teoria democrática).

O trabalho encontra-se referenciado no garantismo de Luigi Ferrajoli, na concepção de esfera pública de Jürgen Habermas, e na teoria democrática feminista de Nancy Fraser. Assim como, no âmbito do constitucionalismo, nas contribuições teoréticas recolhidas em Robert Alexy, Konrad Hesse e Peter Häberle, e em Gilmar Ferreira Mendes e Ingo Sarlet.

Como será demonstrado, decorrente do princípio da igualdade entre homens e mulheres, e nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, que determina competir ao Estado assegurar a assistência à família mediante mecanismos que coíbam a violência no âmbito de suas relações, a Lei 11.340/06 é o resultado de um amplo debate na esfera pública pelo reconhecimento dos direitos fundamentais de proteção e participação das mulheres vítimas de violência no Brasil.

Nos termos da lei, conhecida como Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é reconhecida como um impeditivo ao exercício efetivo, dentre outros, dos direitos à vida, à segurança, ao acesso à justiça, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, prevendo, em conseqüência, políticas públicas de proteção e promoção de direitos fundamentais de mulheres em situação de violência doméstica.

Contudo, decisões judiciais, em sede de controle difuso, têm declarado a inconstitucionalidade de referida norma jurídica com fundamento em uma ‘possível’ violação do princípio da igualdade entre homens e mulheres. Daí porque, tomando alguns destes pronunciamentos judiciais como paradigmas, o trabalho centra-se na idéia de que, nos marcos do Estado Democrático de Direito, a igualdade tem de ser concebida como garantia da autonomia pública e privada da mulher, cujo reflexo no discurso de aplicação de normas é tanto o que o conduz, como um dos critérios de aferição da efetividade dos direitos fundamentais de proteção e participação.

Sustentar-se-á, em síntese, que, sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, a decisão judicial está vinculada aos direitos fundamentais de proteção e participação das mulheres, de modo que a violência doméstica deva ser interpretada como equivalente a texto cujo significante informa um impeditivo da participação da mulher na esfera pública, vez que subjugada na esfera privada.

A LEI MARIA DA PENHA: um brevíssimo resgate

Maria da Penha Maia é uma brasileira vítima da violência de seu ex-marido, um professor universitário que tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirando contra ela, e na segunda tentando eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha ficou paraplégica. Seu agressor, condenado a oito anos de prisão, ficou preso por dois anos. Foi solto em 2002 e hoje está em liberdade.

O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). E, em 2001, o Estado Brasileiro foi responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Além de ter recebido a recomendação de “simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual”.

A partir do caso de Maria o processo de positivação de direitos das mulheres em situação de violência familiar e doméstica ganhou mais fôlego. Razão pela qual, baseado em um anteprojeto elaborado por um grupo de organizações feministas, em 2004, o Executivo enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei que, posteriormente, levaria o nome de ‘Lei Maria da Penha’.

Ao longo da tramitação do projeto, o movimento de mulheres provocou a participação popular em diversas audiências públicas, em vários Estados brasileiros. Assim como mobilizou a sociedade através de correspondências encaminhadas para as duas Casas Legislativas solicitando a aprovação do projeto.

A lei teve, portanto, como nascedouro um amplo debate na esfera pública e um processo legislativo participativo impulsionado e acompanhado pela sociedade civil em todas as suas etapas. Como lembra Castilho

A idéia que norteou o grupo de mulheres que, individualmente ou representando organizações, numa reunião realizada em agosto de 2002, no Rio de Janeiro, se comprometeu a lutar por uma lei que regulasse o enfrentamento à violência, era a de produzir uma legislação que reconhecesse este tipo de violência como uma violação aos direitos humanos e que instrumentalizasse o Estado brasileiro em prol das vítimas da violência de gênero. (CASTILHO, 2007)

Conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei 11.340/06, entrou em vigor em 22 de setembro de 2006, e prevê a criação de uma rede de assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, como também, medidas protetivas de urgência a serem deferidas pelo Judiciário. Tais medidas incluem o afastamento do lar, a prisão preventiva do agressor e até políticas referentes ao direito ao trabalho das mulheres violadas.
A implementação da lei, entretanto, está muito aquém do que deveria. Exigindo a permanente mobilização da esfera pública no sentido de garantir, no âmbito judiciário, sua correta interpretação.

A ESFERA PÚBLICA: as bases interpretativas da Lei Maria da Penha a partir do movimento de mulheres

Em um Estado Democrático de Direito, injustiça significa primariamente limitação da liberdade e atentado à dignidade humana que se manifesta através de um prejuízo que priva os ‘oprimidos’ e ‘submetidos’ daquilo que os capacita a exercer sua autonomia privada e pública. (HABERMAS, 2002b, p. 160)

Daí porque, para Habermas, os direitos subjetivos, cuja tarefa é garantir às mulheres um delineamento autônomo e privado para suas próprias vidas, não podem ser formulados de modo adequado sem que os próprios envolvidos articulem e fundamentem os aspectos considerados relevantes para o tratamento igual ou desigual em casos típicos. (HABERMAS, 2004, p. 305)

Portanto, sob o paradigma de um estado democrático e de direito, é de se requerer do Judiciário que tome decisões que, ao retrabalharem construtivamente os princípios e regras constitutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica, como certeza do Direito, quanto ao sentimento de justiça realizada, que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto. (CARVALHO NETTO, 2004. p. 38)

É de se observar que as normas válidas são aplicadas somente no âmbito da realidade no qual as circunstâncias contextuais tenham sido circunscritas pela legislação. De modo que a interpretação jurídica no controle de constitucionalidade da Lei Maria da Penha deve operar-se através de um processo argumentativo que pressupõe uma disputa de paradigmas e compreensões do Direito. (CATTONI, 2004 p. 56)
E esta disputa de paradigmas é também o resultado da organização da sociedade civil em espaços públicos.

O processo de construção democrática pressupõe não somente a expansão dos direitos e de suas garantias, mas pelo alargamento do Estado de Direito ao maior número de âmbitos da vida e de esferas de poder, onde sejam tutelados e satisfeitos os direitos fundamentais. Pois, são os poderes desregulados que desenvolvem no seu interior os principais ‘obstáculos de ordem econômica e social’ que limitam de fato a liberdade e a igualdade.

É importante destacar que ao discutir a equidade para a participação e a igualdade social necessárias à esfera pública, Fraser reporta a existência de impedimentos informais que podem persistir mesmo após as pessoas terem recebido formal e legalmente o direito de participação. Segundo ela, a pesquisa feminista tem documentado uma síndrome de que, em espaços de discussão mistos, há uma tendência de que os homens interrompam as mulheres mais do que estas os interrompem; que os homens falem mais, por mais tempo, e com maior freqüência que as mulheres; e que as intervenções das mulheres sejam, com mais freqüência, ignoradas ou não respondidas. Razão pela qual os membros de grupos sociais subordinados, tais como o das mulheres, dos negros e dos homossexuais têm encontrado vantagens em constituir públicos alternativos, que a autora designa como contra-públicos subalternos, contrapostos ao espaço público único. (FRASER, 1992. p. 119)

Para Fraser, os ‘públicos’ seriam cenários paralelos nos quais os membros destes grupos sociais subordinados criam e circulam contra-discursos para formular interpretações condizentes com suas identidades, interesses e necessidades. Nestes espaços próprios, pondera Fraser, seria possível reduzir (embora ela reconheça que não eliminar), as desvantagens enfrentadas em esferas públicas “oficiais”.

Inegavelmente, a participação desigual dos diversos atores na esfera pública mostra que, toda vez que um grupo de desiguais discute alguma questão e algo transparece como de interesse geral, via de regra, este é o dos dominantes ( PINTO, 2004. p. 51). Neste sentido, vão os estudos de Iris Young, Seyla Benhabib e de Nancy Fraser.

De outra via, segundo Habermas, a exclusão de estratos populares, culturalmente e politicamente organizados, provoca outrossim a criação de uma multiplicidade de esferas públicas nos mais diversos processos em que as esferas oficiais emergem. Assim, a formação de esferas públicas populares decorre de sua exclusão da esfera pública hegemônica. E, das diferentes maneiras que a exclusão se opera, surgem, conseqüentemente, as condições de formação dos públicos representativos dos excluídos. (HABERMAS, 1992, p. 426/427)

Portanto, no elenco de características da categoria de espaço público, está a necessidade de percebê-lo marcado pelo signo da pluralidade. Ou seja, não se deve restringir a sua percepção a um domínio único que englobe todas as arenas possíveis de formação discursiva da opinião. Afinal, como aponta a própria Nancy Fraser, “(...) a esfera pública é indispensável para a teoria social crítica e para a prática democrática.”. (FRASER, 1992. p. 110-111).

Enfim, em termos democráticos a esfera pública tem a função de ser um sistema de alarme dotado de sensores não especializados, porém sensíveis no âmbito de toda a sociedade.

(IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: fragmentos de decisões judiciais

A despeito do reconhecimento internacional de que a violência doméstica é um dos fatores que inibem a participação efetiva das mulheres na esfera pública, vez que violadas na esfera privada, e que o princípio constitucional da igualdade não se restringe à formalidade, manifestações públicas de magistrados e decisões judiciais têm combatido a lei sob uma perspectiva pretensamente constitucional.

Neste sentido vão os fragmentos de manifestações judiciais e extrajudiciais recolhidos e a seguir utilizados.

Em decisão da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, em 26 de setembro de 2007, por exemplo, foi confirmada decisão de primeira instância que entendeu pela inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, sob o argumento de que esta normativa desrespeitaria os objetivos da República Federativa do Brasil, violando "o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres".

Em linha similar vai também a(s) sentença(s) do juiz Edilson Rodrigues, da 1ª Vara Criminal e de Menores de Sete Lagoas, Minas Gerais, para quem, vale transcrever:

Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões. E, por fim, ainda, o artigo intitulado “Uma aberração legal” (firmado por uma magistrada trabalhista) no qual lê-se, dentre outras passagens ainda a serem reproduzidas neste artigo, que:
No Brasil, quando o marido bate na mulher, ele não está praticando um ato de ‘violência contra a mulher’. Está praticando um ato de violência contra a mulher dele, o que é completamente diferente. Acórdãos, sentenças e artigos como os transcritos são, no mínimo, impressionantes, considerando-se que a Constituição Federal de 1988 é um marco a partir do qual se pode, melhor seria dizer se deve, exigir do Judiciário, na aplicação do direito, sensibilidade para interpretar o caso concreto e compromisso com uma normatividade justa. Quanto mais no caso da Lei Maria da Penha, fruto legítimo de um amplo processo de discussão pública.

A IGUALDADE NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: considerações sobre os direitos fundamentais de proteção e participação das mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar

Precipuamente os direitos fundamentais pretendem assegurar a liberdade do indivíduo. Tarefa esta que, todavia, somente será exitosa no contexto de uma sociedade livre, entendida como aquela que pressupõe a liberdade dos indivíduos e cidadãos, aptos a decidir sobre as questões de seu interesse e responsáveis pelas questões centrais de interesse da comunidade. Assentado desta forma a estrutura e função dos direitos fundamentais asseguram tanto direitos subjetivos, como também os princípios objetivos da ordem constitucional democrática . (HESSE, apud MENDES, 2007a, p. 3)

Tendo como ponto de partida as funções exercidas pelos direitos fundamentais, na esteira do proposto por Alexy, Sarlet os distingue em ‘direitos fundamentais na condição de defesa’ e ‘direitos fundamentais como direitos a prestações’ (de natureza fática e jurídica).

Como direitos a prestações, os direitos fundamentais comportam uma subdivisão em dois outros grupos, a saber: a) direitos a prestações em sentido amplo, que englobam os direitos de proteção e participação na organização e procedimento; e b) direitos a prestações em sentido estrito, englobando os direitos a prestações materiais sociais. (SARLET, 2001, p. 170)

De acordo com Sarlet (2001), ainda na linha do proposto por Alexy, os direitos de proteção podem ser sumariamente conceituados como posições jurídicas fundamentais que outorgam ao indivíduo o direito de exigir do Estado que este o proteja contra ingerências de terceiros em determinados bens pessoais. Em tal contexto, incumbe ao Estado zelar, inclusive preventivamente, pela proteção dos indivíduos, não somente contra ingerências indevidas de parte dos poderes públicos, mas também contra agressões provenientes de particulares. Sendo variados os modos de realização desta proteção que pode se dar por meio de normas penais, de normas procedimentais, de atos administrativos e até mesmo pro uma atuação concreta dos poderes públicos. (SARLET, 2001, p. 195).

Quanto aos direitos de participação na organização e procedimento Alexy, no que tange seu objeto, lembra que estes tanto podem ser considerados direitos à emissão de normas procedimentais, quanto direitos a determinada interpretação e aplicação das normas sobre procedimento. (apud SARLET, 2001, p. 198). Ressaltando Sarlet que a expressão participação na organização e no procedimento abrange tanto a possibilidade de participação (tomar parte em) na organização e no procedimento quanto os direitos à criação de estruturas organizacionais e emissão de normas procedimentais. (SARLET, 2001, p. 198)

Por outro lado, como ressalta Ferrajoli, a igualdade é uma igualdade nos direitos fundamentais, visto que são tais direitos as técnicas mediante as quais a igualdade é assegurada ou perseguida. As garantias dos direitos de liberdade (‘direitos de’) asseguram a igualdade formal ou política que tutela as diferenças, e as garantias de direitos sociais (‘direitos a’) a igualdade substancial ou social que removem ou compensam as desigualdades intoleráveis. Os direitos do primeiro tipo são os direitos à diferença, ou seja, o direito a identidade e de permanecer como uma pessoa diversa das outras; e os direitos do segundo tipo são os direitos à compensação pelas desigualdades, e por isso, a tornar-se, nas condições mínimas de vida e sobrevivência como pessoa igual às outras.

É sob este prisma, de igualdade nos direitos fundamentais de proteção e participação, que os casos de violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar devem ser analisados, e que deve ser interpretada a lei que pretende coibi-la.

Notemos que, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, compete ao Estado assegurar a assistência à família mediante mecanismos que coíbam a violência no âmbito de suas relações. E que a Lei 11.340/06 é o tipo normativo que reconhece a violência doméstica e familiar contra a mulher como impeditivo ao exercício efetivo, dentre outros, dos direitos à vida, à segurança, ao acesso à justiça, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Prevendo, a partir deste reconhecimento, a criação de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, assim como a instalação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
LEVANDO OS DIREITOS A SÉRIO: a vinculação do Judiciário aos direitos fundamentais de proteção e participação das mulheres na aplicação de normas referentes a políticas públicas de promoção da igualdade pelo combate à violência doméstica

Na esteira do exposto até este momento, é de ver-se que a Lei Maria da Penha, não gratuitamente, avança ao dispor que, em sua interpretação, “serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. E, como ensina Carvalho Netto,
(...) em qualquer tema que formos abordar no Direito, a questão da interpretação, sobretudo a da interpretação constitucional, é sempre uma questão central. Isso porque estaremos sempre falando da reconstituição do sentido de textos e, desse modo, uma noção básica é hoje requerida: a noção de paradigma (...) (CARVALHO NETTO, 2001, p. 220).

Ao aplicador do Direito cabe reconhecer a complexidade de sua tarefa de intérprete de textos e equivalentes de textos. Ou seja, os parâmetros decisórios de casos de violência doméstica e familiar com base na Lei Maria da Penha exigem a reconstituição do sentido do princípio da igualdade entre homens e mulheres nos termos dos direitos fundamentais de proteção e participação.

Como lembra Ferrajoli, existem poderes e sujeições extrajurídicos que, ou se desenvolvem entre funções e instituições jurídicas abandonadas à dinâmica substancialmente livre e descontrolada, ou se desenvolvem alheios a qualquer função ou instituição jurídica, e de forma puramente extralegal ou ilegal. No dizer de Ferrajoli, mesmo que não seja possível estabelecer um limite claro entre os dois gêneros, pode-se dizer que o primeiro favorece as formas de poder disciplinadas, e o segundo, as formas de poder selvagem. (FERRAJOLI, 2006, p. 858/859)

E, neste sentido, impressiona, o fato de que, ao invés de compreender a lei como uma possibilidade de diminuição da violência, muitos magistrados/as entenderem ser a mesma uma espécie de ‘revanchismo feminista’, segundo o qual a lei colocaria as mulheres em um patamar superior ao dos homens, tal como se lê no artigo Uma Aberração Legal, já referido

(..) em termos de proteção por parte do Estado (a despeito de não termos qualquer tipo de discriminação baseada no gênero), ao mesmo tempo em que as coloca em um patamar inferior, na medida em que se parte do princípio de que elas jamais serão capazes de encontrar, pelos meios privados, uma solução para o seu problema (igualmente privado), coisa que não ocorre quando a violência se dá pela mulher contra o marido. Falar em violência contra a mulher é falar em formas de poder selvagem, visto ser característica desta forma de poder extralegal/ilegal a utilização de ‘prerrogativas’ que se desenvolvem de fato e informalmente desde diversas espécies de sujeição e opressão econômica, psicológica, moral, até as formas de poder e de relações criminais contra a integridade física das mulheres.

De modo diverso a outras estruturas de dominação política e de desigualdade entre os ‘cidadãos’, a dominação dos homens sobre as mulheres é estabelecida social e economicamente na esfera da vida privada sem base em uma legislação ou em ações explícitas do Estado, e freqüentemente em contextos íntimos definidos como vida cotidiana. A dicotomização da vida nas esferas pública e privada leva a uma mutilação da cidadania das mulheres. Na medida em que reduz sua liberdade e cria um clima de terror e de submissão que acentua a desigualdade de gênero e a dependência econômica das mulheres. A violência doméstica, enfim, reforça as limitações estruturais das opções das mulheres. (JELIN, 2006, p. 256/257)

Ora, tanto os poderes jurídicos quanto os poderes extrajurídicos representam a base das desigualdades entre as pessoas. Os primeiros sustentam as desigualdades jurídicas ou formais, e os segundos produzem o que Ferrajoli chama de desigualdades sociais ou substanciais que, como ele afirma veementemente, são ‘bem mais profundas que as primeiras, sendo incontroladas e tendentemente ilimitadas’ (FERRAJOLI, 2006, p. 859).

O poder tem o específico efeito de produzir desigualdade e esta consiste em relações de assimetria de poder/dever e no sentimento de desigualdade das identidades. Daí porque poderes e direitos fundamentais estão na base das duas formas diversas e opostas de subjetividade.

Enquanto a igualdade produzida pelos direitos fundamentais é pressuposto da identidade dos sujeitos como pessoas e de sua livre comunicação baseada no respeito recíproco e reconhecimento como iguais, a desigualdade produzida pelos poderes jurídicos, e não jurídicos, forma o pressuposto da identidade dos sujeitos por meio das funções e das hierarquias por eles personificadas, como também das relações despersonalizadas e de recíproca alienação que mediante tais funções entre eles se estabelecem. (FERRAJOLI, 2006, p. 859)

Por tudo isso, para o jurista italiano, é válido afirmar, quanto aos poderes privados, a mesma máxima cunhada por Montesquieu para os poderes públicos, segundo a qual na falta de limites legais, os poderes tendem a se acumular em formas absolutas. E este é o caso da violência cometida na privacidade da vida familiar caso não haja a intervenção do Estado nesta esfera tanto no âmbito legislativo, quanto no âmbito jurisdicional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de exemplificação, em pesquisa de opinião realizada pelo Senado Federal com mais de 800 mulheres, acima de 16 anos, em todas as capitais brasileiras, 15% das entrevistadas assumiram espontaneamente já terem sido vítimas de alguma forma de violência doméstica. Estima-se, entretanto, que esse número seja muito superior, tendo em vista as dificuldades de ordem psicológica, social e cultural de assumir a condição de vítima deste tipo de violência.

Em qualquer caso, dentre aquelas que assumem terem sofrido algum tipo de agressão, 87% relatam que as violações foram cometidas por maridos e companheiros. Sendo que 59% apontaram já terem sofrido violência física, 11% violência psicológica e 17% todos os tipos de violência.

Os índices, contudo, não mostram a gravidade do que ocorre no interior dos lares brasileiros. E daí a necessidade de uma legislação específica para os casos de violência doméstica: a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha.

Em verdade, como afirma Ferrajoli, o Estado, por ele denominado de ‘paleoliberal’, nascido da confusão entre liberdade e propriedade e entre direitos e poderes, sob a justificativa de preservação da liberdade, preservou muitos espaços do âmbito de intervenção do direito. Para ele, tais espaços são, por excelência, a fábrica, onde o direito não entrava; em segundo lugar, a família, sujeita ao absoluto poderio do pai e, de qualquer modo, às dinâmicas das relações de força interna; os quartéis e casernas, os hospitais, os conventos, e toda a variedade conjunta de instituições totais que formavam, e em parte ainda formam, ordenamentos particulares dentro do ordenamento geral. (FERRAJOLI, 2006, p. 860)

Eis, aí, o terreno fértil da desigualdade entre homens e mulheres e que impõe ao Estado medidas de intervenção com o recorte de gênero, como o é a Lei Maria da Penha, pois a igualdade tem de ser concebida como um procedimento de inclusão formal e material nos discursos de justificação (legislativo) e aplicação (jurisdicional) das normas e o direito só pode ser tido como legítimo se garantir essa igualdade nos discursos que realiza. (GALUPPO, 2002. p. 208)

O discurso de aplicação deve examinar a identidade, ou não, do significante contido nas expressões incluídas na norma diante dos elementos concretos. E isso implica reconhecer que o princípio da igualdade entre homens e mulheres não pode ser encarado somente em sua perspectiva formal, mas em uma igualdade nos direitos fundamentais, como afirma Ferrajoli.

Convém alertar, todavia, que a desconsideração dos direitos fundamentais a proteção e de participação das mulheres na esfera judicial não é ingênua. Pelo contrário, como nos diz Habermas, a legislação e jurisdição não chegam a classificações ‘falsas’ apenas por serem cegas em relação aos contextos, mas porque a percepção que tem dos contextos é guiada por uma compreensão paradigmática do direito ultrapassada.

Para o filósofo alemão, qualquer regulamentação especial, destinada a, por exemplo, compensar as desvantagens da mulher no local de trabalho ou no mercado de trabalho, no casamento ou após a separação, em termos de segurança social, prevenção da saúde, assédio sexual, pornografia, etc., depende do modo como se interpretam as experiências e situações existenciais típicas dos sexos. Na medida em que a legislação e a justiça se orientam por padrões tradicionais de interpretação, o direito regulativo consolida os estereótipos existentes acerca da identidade dos sexos. E, através dos ‘efeitos de normalização’, produzidos pela legislação e pela justiça, eles se tornam parte do problema que em princípio eles deveriam resolver. (HABERMAS, 2002b, p. 164)

Em síntese, nos marcos de um Estado Democrático de Direito, autonomia pública e privada se complementam. Não é possível pensar em uma mulher cidadã, consciente de seus direitos, se no interior de seu lar ela é subjugada. Portanto, a permanecer a cultura jurídica que as opiniões e decisões citadas demonstram à mulher violada física, psicológica, moral, sexual e patrimonialmente, não restará autonomia alguma. Elas sempre serão a mulher de alguém na esfera privada cujos gritos não deverão ser ouvidos na esfera pública. (MENDES, 2007b)

É preciso que o Judiciário, parafraseando a bela fórmula de Ronald Dworkin, leve os direitos fundamentais das mulheres a sério, já que estes não são somente expressões de normatividade, mas como vinculantes de uma atuação comprometida com a base de uma democracia justa e igualitária.

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Soraia da Rosa Mendes
Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Pós-Graduada em Direitos Humanos pelo CESUSC – Santa CatarinaProfessora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília –UnB
Coordenadora-adjunta e professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal – UniDF
Fonte: www.cfemea.org.br

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Como organizar as Coordenações pelo país afora

Para criar a Coordenação Estadual e/ou Municipal, você deve se basear nas normas da Coordenação Nacional e fazer as adaptações que julgar convenientes considerando as regionalidades e as especificidades de organização de seu Diretório Estadual ou Municipal.

Deve considerar, sempre, que a lei maior de um partido político é seu Estatuto e é ele que nos regulamenta também – o Estatuto do Partido Popular Socialista.

O PPS é um partido plural, aberto a discussões de toda ordem, mas temos princípios e normas, algumas bem rígidas, como, por exemplo, a democracia nas relações internas.

Aqui você vai encontrar "Normas de Funcionamento da Coordenação Nacional de Mulheres do PPS"; "Sobre os Grupos e a Coordenação"; e sugestões de ações no Plano de Gestão.

Para resolver suas dúvidas, procure-nos.

Tereza Vitale
Coordenadora-Geral
da Executiva de Mulheres do PPS
mulherespps@grupos.com.br

NORMAS DE FUNCIONAMENTO DA
COORDENAÇÃO NACIONAL DE MULHERES DO PPS
I
Sobre A Organização

Art. 1º A Coordenação Nacional de Mulheres do PPS decide sobre sua estrutura e funcionamento, observando-se o disposto no Regimento Interno, no Estatuto e nas resoluções partidárias, e se ocupa do empoderamento e da organização das mulheres, e da elaboração de políticas de gênero, em todas as instâncias partidárias – nacional, estadual, distrital e municipal.

Art. 2º A organização das mulheres, em cada uma das instâncias referidas (Coordenação, núcleo, comitê etc.) deve definir sua estrutura, organização e funcionamento, observados seus objetivos.

II
Sobre os Objetivos

Art. 3º A Coordenação Nacional de Mulheres tem como objetivos:
I – promover o diálogo e a parceria com os demais órgãos do Partido, em especial os Diretórios e Executivas;
II – apoiar a implantação das organizações de mulheres nas instâncias partidárias – estadual, distrital e municipal;
III – estimular, promover, acompanhar e divulgar a participação das mulheres filiadas nos órgãos dirigentes do PPS, nas organizações da sociedade civil, e nos poderes do Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário);
IV – produzir subsídios, em particular com a leitura de gênero, para discussões políticas em âmbitos partidário e extrapartidário;
V – promover a articulação entre filiadas, dirigentes e representantes do partido, bem como entre filiadas e organizações de mulheres na sociedade;
VI – fortalecer e incentivar as filiadas para a participação em pleitos eleitorais em âmbitos do Legislativo, do Executivo, da sociedade organizada e partidária.

III
Sobre a Estrutura


Art.4º A Coordenação Nacional de Mulheres compõe-se de três organismos:
I – Coordenação Executiva – composta por cinco integrantes eleitas por delegadas em Congresso Nacional de Mulheres do PPS.
II – Coordenação Estadual – composta por duas mulheres de cada Unidade da Federação, eleitas em seus estados, em reunião específica para tal.
III – Conselho Consultivo – composto de 23 mulheres com representação nacional, de diversas áreas temáticas, eleitas em congresso nacional de mulheres do PPS.

IV
Sobre o Funcionamento


Art. 5º A política da Coordenação Nacional de Mulheres é definida, conjuntamente, pela Coordenação Executiva, Coordenação Estadual e pelo Conselho Consultivo.
Parágrafo 1º Cabe a todos os organismos implementar a política definida pela Coordenação Nacional;
Parágrafo 2º A Coordenação Nacional de Mulheres reúne-se, ordinariamente, uma vez por ano.

Art. 6º A Coordenação Executiva reúne-se regularmente.
Parágrafo único. Cabe à Coordenação Executiva:
a) apresentar o Plano de Ação e o Relatório de Atividades anualmente;
b) encaminhar as decisões da Coordenação Nacional;
c) realizar o trabalho necessário para o funcionamento da Coordenação Nacional.

Art. 7º A Coordenação Estadual reúne-se regularmente com suas integrantes
Parágrafo único. Cabe à Coordenação Estadual:
a) promover, articular e divulgar ações desenvolvidas nos Estados/Distrito Federal;
b) encaminhar à Coordenação Nacional as avaliações e propostas definidas nos respectivos Estados da Federação.

Art. 8º O Conselho Consultivo reúne-se pelo menos uma vez por ano.
Parágrafo único. Cabe ao Conselho Consultivo assessorar a Coordenação Nacional em suas diferentes temáticas.

Art. 9º As integrantes da Coordenação Nacional de Mulheres do PPS não podem compor mais de um de seus organismos.

II Congresso Nacional de Mulheres do PPS
Brasília-DF, 2 de dezembro de 2007

SOBRE OS NÚCLEOS E A COORDENAÇÃO

1 – O XIV Congresso criou uma Coordenação de Mulheres, já definida em nosso estatuto, para se ocupar da organização e da elaboração de políticas específicas das militantes, em todas as instâncias partidárias. Veja abaixo os arts. 17 e 24, eles lhe darão respaldo. Resta agora que você e outras companheiras arregacem as mangas e se lancem nessa empreitada de construir uma comissão inicial para implementar a Coordenação e estimular a criação das Coordenações Municipais.

Art. 17 As instâncias nacional, estadual, do Distrito Federal e municipal do PPS se estruturam por meio dos seguintes órgãos:
a) Congresso;
b) Convenção Eleitoral;
c) Diretório;
d) Comissão Executiva;
e) Comissão de Ética e Conselho Fiscal;
f) Bancada Parlamentar;
g) Coordenação de Mulheres;
h) Órgãos de Cooperação;
i) Núcleos Temáticos ou Setoriais;
j) Núcleos de Base Municipal ou Seção Territorial;
l) Comissão Organizadora;

Art. 24 A Coordenação de Mulheres é órgão de ação específica, que decidirá sobre sua estrutura e funcionamento, observando-se o disposto no Regimento Interno, no Estatuto e nas resoluções partidárias, e se ocupará da organização e da elaboração de políticas específicas das militantes, em todas as instâncias partidárias.

2 – Além da Coordenação, é possível também formar Núcleos Temáticos ou Setoriais, ou ainda os Núcleos de Base, organismos de importância para a transformação da condição da mulher, os arts. 26 e 27 (abaixo) é que lhe darão o suporte necessário.

Art. 26 Os Núcleos Temáticos ou Setoriais (NTS) são organizações autônomas, constituídas por no mínimo 3 (três) filiados, que se congregam voluntariamente, inclusive com a participação de não-filiados, para coordenar suas atividades em função de afinidades e interesses comuns em torno de temas, questões ou áreas específicas que sejam de interesse do Partido.

§ 1º Para que possam ser reconhecidos oficialmente e participem plenamente das deliberações partidárias, os NTS deverão, sem prejuízo de sua autonomia, informar sobre sua constituição e funcionamento à direção local ou, na inexistência desta, à instância mais abrangente.
§ 2º Os NTS oficialmente reconhecidos elegerão delegados aos Congressos e Convenções Eleitorais, para a instância à qual estiverem vinculados, sempre que realizarem encontros de acordo com as normas partidárias e fizerem prova de funcionamento regular ao menos 6 (seis) meses antes do Congresso ou Convenção para o qual estejam elegendo delegados.
§ 3º Os delegados eleitos por NTS que não sejam filiados votarão nas questões políticas, mas não nas questões orgânicas, aí incluídas as eleições de Diretórios.

Art. 27 Os Núcleos de Base, constituídos de no mínimo 3 (três) filiados, são órgãos de ação partidária específicos das instâncias locais, cuja função é organizar a ação política e eleitoral própria, a partir do cotidiano popular e do programa político geral do Partido, em relação ou em parceria com as organizações de massa locais.

Percebe-se claramente na leitura do Estatuto, que o fundamental hoje é organizar as Coordenações, como instrumentos essenciais, e os Núcleos, como suportes à estrutura orgânica estadual e municipal.

Seguem algumas sugestões:

1 – Os núcleos de mulheres do PPS têm surgido a partir de agrupamentos de campanheiras sensibilizadas e motivadas por lutar em duas frentes: a) pela ampliação de espaços e poder para as mulheres no PPS; b) pela transformação da condição das mulheres e de suas relações. Para tanto, legislação e políticas públicas são vias especiais, bem como a realização de um trabalho junto à mídia para se enfrentar a questão cultural.

2 – A partir de reuniões regulares (conforme a disponibilidade e o interesse das integrantes do grupo) um plano de trabalho pode ser traçado, observando-se: a necessidade de aprofundar conhecimentos, mediante leitura e debates; o estabelecimento de metas em âmbito partidário; e o envolvimento com outros grupos de mulheres para a vinculação com campanhas e lutas, tanto em nível local, quanto nacional.

3 – Com relação a um trabalho interno é importante acompanhar o cumprimento das cotas por sexo na constituição dos diretórios e nas próximas eleições municipais. Cursos de formação, seminários e debates para as companheiras e companheiros visando a discussão das relações de gênero e cidadania das mulheres são sempre bem vindos.

4 – Com relação ao trabalho na comunidade/estado é importante contactar outros grupos de mulheres. Na cidade deve ter o Fórum de Mulheres que geralmente congrega as iniciativas existentes. Um evento que está na ordem do dia são as conferências municipais (abril), estaduais (até fins de maio) e nacional (julho) sobre políticas públicas para as mulheres. É muito importante a participação nesse evento. Desta mobilização sairão diretrizes para a construção de um Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

5 – Quanto a material de leitura você pode consultar documentos e artigos no próprio site do PPS – mulheres – em três entradas: Coordenação de Mulheres, Grupo de Assessoria Feminista – GAF e Palavra de Mulher. Também tem muitos sites interessantes com textos para consulta. Começar a montar uma pequena biblioteca é da maior relevância.

6 – Por fim, é fundamental que seja construído um movimento gostoso e um espaço enriquecedor, onde as companheiras se sintam bem e estimuladas a participar.

O trabalho de grupo é realmente necessário, devendo-se evitar estrelismos, hierarquias, disputas pessoais. Também fundamental é a distribuição da palavra, a circulação de idéias e o convívio respeitoso com as diferenças.


PLANO DE AÇÃO
GESTÃO 2007-2009

Trata-se de um leque de sugestões de ações para serem desenvolvidas pelas integrantes da Coordenação.

A Coordenação Executiva é órgão da Coordenação Nacional de Mulheres, coordenador das atividades específicas desenvolvidas para o fortalecimento das mulheres do PPS, no que se refere ao seu empoderamento, e ao cumprimento das normas estatutárias que garantam suas conquistas partidárias:

Ações de articulação e mobilização:
– acompanhar e assessorar a implantação de núcleos e/ou coordenações estaduais/regionais;
– organizar, juntamente com as coordenações estaduais e regionais, uma agenda de visitas para estimular e acompanhar as ações dos núcleos e/ou coordenações estaduais/regionais;
– organizar os eventos da Coordenação em nível nacional (encontros, congressos etc.)

Ações de comunicação:
– organizar a comunicação nacional intrapartidária, com informações gerais e específicas;
– receber, elaborar, divulgar e distribuir as correspondências, documentos, resoluções etc.;
– realizar troca de informações e experiências com organizações de mulheres (de partidos políticos, movimentos sociais, ONGs etc.);
– desenvolver intercâmbio com organizações internacionais;
– alimentar, dinamizar e manter o site da Coordenação Nacional;
– dinamizar e manter a rede virtual de mulheres do PPS cujo endereço eletrônico é mulherespps@grupos.com.br;
– criar e manter arquivo documental da Coordenação Nacional;
– prestar contas das atividades desenvolvidas pela Coordenação Nacional de Mulheres à Direção Nacional do PPS.

Ações de capacitação:
– editar material para promover capacitação em gênero e formação política;
– estabelecer parcerias com outros órgãos e instâncias partidárias para a realização de cursos, seminários, mesas-redonda etc.

Ações de levantamento e sistematização de dados e informações:
– formação de um banco de dados de filiadas e militantes;
– formação de um banco de dados de experiências desenvolvidas pelos núcleos temáticos e setoriais e/ou coordenações estaduais;
– formação de um banco de assessoria temática para a elaboração de subsídios voltados aos temas básicos da Plataforma das Mulheres do PPS;
– elaborar e manter atualizado o cadastro de candidatas e detentoras de mandato eletivo, de cargos públicos de destaque, de dirigentes e filiadas.

domingo, 3 de agosto de 2008

Aborto: novos tempos, velhas práticas. É uma nova Inquisição?

NOTA PÚBLICA DO PPS SOBRE O CASO CAMPO GRANDE

Manifestamo-nos porque somos cidadãs responsáveis e comprometidas com a defesa dos direitos humanos, porque uma lei penal, datada de 1940, completamente defasada, leva mulheres às barras de um tribunal e devassa sua intimidade em plena praça pública, abrindo um precedente perigosíssimo que é a possibilidade de invasão de hospitais e maternidades para, sob alegação de cumprimento da lei, violar fichas de mulheres que supostamente seriam potenciais candidatas ao crime e também, porque temos uma estatística de morte e de graves seqüelas que atinge milhares de mulheres no país.

Condenar mulheres, que merecem respeito no seu direito de escolher se devem ou não levar à frente uma gravidez indesejada é, no mínimo, fechar os olhos para todo um histórico de opressão, violência, repressão sexual, discriminação, machismo, entre outras atitudes nocivas, que sofremos ao longo de nossas vidas. A decisão de condená-las, ainda que encontre respaldo na carcomida legislação brasileira, viola intimidades e promove constrangimentos ilegais.

O enfrentamento do problema deve ser fixado no âmbito das políticas públicas de saúde reprodutiva, com fomento à educação sexual, acesso pleno aos meios anticonceptivos e aos diversos métodos de planejamento familiar.

Dentro desse contexto, cabe efetuar uma reflexão muito séria: em que medida o aparente descaso por parte das autoridades médicas e governamentais em relação à questão da prática do aborto não está contribuindo para o agravamento do problema?

Inquestionavelmente é responsabilidade do Estado, por meio de políticas públicas adequadas, criar condições para que as mulheres possam evitar a gravidez não desejada. Nessa linha de raciocínio estaríamos abrindo espaço para discussões em torno das políticas de planejamento familiar, saúde reprodutiva, controle da natalidade, qualidade de assistência à mulher, qualidade de vida da população e – porque não dizer – da polêmica questão da liberdade da mulher em relação ao próprio corpo.

O crescente número de abortos, vitimando milhares de mulheres, é um tapa na cara do Estado brasileiro, pela sua ineficiência no trato da saúde pública, principalmente, no que diz respeito à saúde sexual reprodutiva, e no rosto de todos nós cidadãos e cidadãs que ficamos alheios às tragédias que ocorrem à nossa volta.

Nós, mulheres do Partido Popular Socialista, que sempre nos manifestamos sobre a descriminalização/legalização do aborto, considerando-o como uma questão de saúde pública e de direito, e de autonomia das mulheres, nos solidarizamos com as mulheres de Campo Grande acusadas da prática de interrupção voluntária de gravidez, vítimas da intolerância e do preconceito por parte do Ministério Público e de autoridades policiais e judiciais do Estado.

Em recente artigo de autoria do ministro da Saúde José Gomes Temporão, publicado no jornal Correio Braziliense, edição do dia 6 de maio de 2008, a maior autoridade institucional em saúde afirma: “o país não deve fechar os olhos para a ferida aberta que o aborto causa na saúde pública porque o tema suscita debates entusiasmados”.

Nesse mesmo artigo, o ministro cita dados levantados em recente pesquisa científica que resultou na publicação de documento com o título: “Aborto e saúde pública: 20 anos de pesquisas no Brasil”. Esse trabalho sério e profissionalmente irrepreensível foi realizado pela Universidade de Brasília em colaboração com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro e teve como fonte de financiamento recursos do próprio Ministério da Saúde. Os dados dessa pesquisa foram tornados públicos no dia 4 de maio último e, em vista deles, não podemos mais nos calar:

· 3,7 milhões de brasileiras já recorreram ao aborto, nos últimos 20 anos.
· 1,44 milhão de abortos provocados ou espontâneos no Brasil/ano, equivalente a uma média de 3,7 para cada 100 mulheres.
· 750 mil a um milhão de abortos clandestinos/ano no Brasil.
· 220 mil mulheres/ano chegam ao Sistema Único de Saúde em razão de complicações da interrupção da gravidez resultantes de abortos espontâneos ou intencionais.
· 2 mil mulheres/ano morrem de óbito materno no Brasil e dessas 1.200 na faixa etária entre 10 e 29 anos.


Estes números são ou não um tapa na cara do Estado brasileiro? Até quando esta ferida sangrará aos nossos olhos? O PPS continuará ao lado das entidades e movimentos de mulheres e direitos humanos até que as autoridades entendam que a resolução deste problema passa por eles e não desgrudaremos os olhos de nossos parlamentares.

Dirija ao excelentíssimo Sr. juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri da capital de Mato Grosso do Sul, Aluisio Pereira dos Santos, e à senhora delegada responsável pelo inquérito, Regina Márcia Motta, titular da Delegacia de Campo Grande. Eles, como servidores públicos, a pretexto de fiéis cumpridores da lei, exageraram em tal escala sua ação que a travestiram num ato que em tudo lembra os da chamada Santa Inquisição, nos tempos sombrios da Idade Média, e as de caráter nazista, na hedionda ditadura de Hitler, na Alemanha. Demonstraram com seu gesto mais que o cumprimento da sua missão legal de pedagogicamente educar a sociedade para o enfrentamento de questão tão delicada quanto complexa como é a do aborto provocado, pois indesejado, uma fúria incontestável contra cidadãs simples, vítimas de alguma violência. Esta atitude, motivada, ao que nos parece, sobretudo por concepção de fundo ultra-religioso, conduziu os seus autores ao mais alto grau de ato reacionário, conservador e machista.

Desejamos usar a flor como símbolo deste episódio para que cada pétala seja instrumento de sensibilização da causa das mulheres brasileiras e, em especial, das 9.896 mulheres de Campo Grande.

Mulheres do Brasil, vamos LUTA! Sem temor!

MULHERES DO PPS

Reforma Política e Participação

De início, é importante pensar sobre os antecedentes e significados da Reforma Política em pauta no contexto político brasileiro. Neste sentido, esta merece ser compreendida como um processo que remonta ao conjunto das Reformas de Base colocadas pelo Governo João Goulart, interrompidas pelo Golpe Militar de 1964.

No período ditatorial, as alterações no sistema político eleitoral e partidário foram plenamente casuísticas, com o objetivo de impedir o avanço e as conquistas das forças de oposição, destacando-se: a implantação do bipartidarismo, que prevaleceu de 1965 a 79; a instituição da fidelidade partidária por lei; e a criação dos mecanismos do domicílio eleitoral e do prazo de filiação partidária, os quais se encontram em vigor até hoje.

A redemocratização no país começou a reverter a situação emergindo como grande marco o processo Constituinte com a promulgação da nova Constituição Federal, em 1988. Nomeada de Constituição Cidadã, promoveu uma ruptura radical com o Estado de exceção e incorporou avanços legais substantivos, apontando para o aperfeiçoamento da democracia em suas diversas feições.

Entre as conquistas asseguradas especificamente no âmbito da participação política, destacam-se: o voto para as pessoas analfabetas; o voto opcional para jovens na faixa de 16 a 18 anos incompletos; a autonomia dos partidos políticos para definirem sua estrutura, organização e funcionamento, inclusive sobre normas de fidelidade e disciplina partidárias; e a criação de instrumentos de democracia direta – plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei.

Segundo Benevides (2003), estes instrumentos de democracia direta não devem ser compreendidos como oposição à democracia representativa e sim como manifestações que podem corrigir seus vícios e desvios. Aliás, as relações entre formas de democracia direta e democracia representativa constituem um espaço de reflexão da maior relevância e atualidade, observando-se que ambas são expressões de cidadania.

No rumo da ampliação da democracia, a legislação eleitoral brasileira incorporou importante dispositivo visando promover a participação política das mulheres e a redistribuição das oportunidades de acesso aos espaços de representação política. A legislação de cotas para mulheres foi adotada em 1995, sendo aperfeiçoada em 1997, ao adquirir um texto universal, qual seja: reserva de no mínimo 30 e no máximo 70% das vagas de candidaturas para cada sexo, nas eleições proporcionais.

O sistema de cotas, embora insuficiente para mudar a feição masculina do cenário político brasileiro, trouxe uma excelente contribuição, ao promover o amplo debate sobre a sub-representação política das mulheres e abrir espaços, efetivamente, para a participação feminina. Com a nova Legislatura, iniciada em 2003, e o novo Governo Federal, sob a Presidência de Luís Inácio Lula da Silva, a discussão sobre a Reforma Política foi resgatada, embora esteja longe de ser deliberada ainda neste ano.

Foi criada uma Comissão Especial da Reforma Política na Câmara dos Deputados, que aprovou um relatório, dando origem ao Projeto de Lei n. 2.679/03. A tramitação do projeto enfrenta dificuldades para avançar, em parte pelos dissensos partidários na base de sustentação do Governo, e em parte pela conjuntura das eleições municipais que acaba afetando os trabalhos parlamentares.

Em todo este processo, constata-se que a Reforma Política tem sido tratada por políticos, no âmbito do Congresso Nacional, e por cientistas, no âmbito da Academia. Até o momento, a discussão não se expandiu de forma significativa para cidadãos e cidadãs e para as organizações da sociedade civil, sendo urgente a realização de debates sobre o tema. Embora prevaleça a perspectiva de se pensar a Reforma Política como processo, espaço e oportunidade de ampliação e aprofundamento da democracia, persistem concepções formalistas, que buscam limitar e controlar as expressões de cidadania e de participação política.

Questões em pauta e algumas problematizações

Dentre as questões comumente elencadas na discussão da Reforma Política, duas têm sido objeto de maior atenção e constam do Projeto de Lei mencionado acima. A primeira diz respeito à regulamentação do financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, considerado como uma forma de ampliar e eqüalizar as condições de participação política e, paralelamente, de coibir a corrupção e o tráfico de influências. A segunda aponta para a adoção da lista fechada de candidaturas, como uma forma de fortalecer os partidos políticos, e, paralelamente, de esvaziar práticas personalistas generalizadas e a competição eleitoral interna nas próprias agremiações.

Se a primeira tem se mostrado mais consensual sob múltiplas perspectivas, a segunda, é polêmica no contexto brasileiro, ainda que predominante nos sistemas políticos em todo o mundo. Em algumas visões, a lista fechada e ordenada, apresentada pelos partidos e demandando de eleitores/as o voto partidário e não em candidatos/as, poderia acabar promovendo o fortalecimento de burocracias partidárias. Um dispositivo que caminha na contramão do aprofundamento da democracia é o mecanismo da cláusula de barreira, dispondo que, nas próximas eleições federais, os partidos políticos precisam ter 5% dos votos de eleitores do país para terem representação política. O projeto de Reforma Política na Câmara propõe a redução da cláusula de barreira de 5 para 3%.

Duas outras questões têm sido objeto de debates, mas não foram contempladas na atual discussão no Congresso: a adoção do sistema distrital e a correção na representação proporcional no país. No debate do sistema proporcional versus distrital, é reconhecido que: por um lado, o sistema proporcional garante um leque de representatividade e uma diversidade político-ideológica que não são viabilizados pelo sistema majoritário e, por outro, o voto majoritário proporciona uma maior interação e proximidade entre eleitores/as e suas respectivas unidades territoriais e os/as representantes eleitos/as.

Quanto à atual representação proporcional, destaca-se a existência de grandes distorções, uma vez que é garantida a representação mínima de oito deputados federais e limitada a representação máxima em 70 deputados por Unidade da Federação, gerando Estados super e sub-representados. A par dessas questões, gostaria de problematizar outras que possibilitam refletir sobre a democracia que se quer construir no Brasil. Uma primeira diz respeito à relação dos indivíduos com a prática política e que se traduz, no campo da discussão da Reforma, no tema do voto obrigatório.

Janeine Ribeiro (2003) observa que este talvez seja o único tema de interesse da população, que apresentaria uma simpatia pelo voto facultativo e o questionamento do voto obrigatório. Em sua reflexão, o autor analisa o voto como um direito público, como responsabilidade e vinculação com a coisa pública, observando que a cidadania não pode ser terceirizada. Chama a atenção para a necessidade de se transpor a ameaça da indiferença interna; do desinteresse/descaso pela coisa pública; e do investimento exclusivo no mundo privado ou na esfera íntima.

Assim, a discussão sobre voto obrigatório versus voto facultativo precisa considerar os afetos - rejeição, estranhamento, indiferença e indignação - que circulam nos processos de eleição de representantes para os Poderes Legislativo e Executivo, em todas as esferas. Estes afetos são passíveis de serem transformados em expressões de cidadania, de autodeterminação, de pertencimento, compartilhamento e engajamento em projetos públicos. Para tanto, coloca-se o desafio maior de construir a política como função nobre, ética, generosa, de investimento nos outros e em novas gerações, de construção de futuros (NOGUEIRA, 2001).

Este desafio é de todos e todas, de sujeitos individuais e coletivos e, particularmente das instituições públicas. Coloca-se, também, o desafio de se promover a ação política em todos os âmbitos: nos poderes do Estado; nos poderes da sociedade civil organizada; e nas formações partidárias, especialmente para que tenham vida para além dos processos eleitorais.Uma segunda problemática diz respeito exatamente ao questionamento do monopólio da representação política pelos partidos.

Existem algumas raras experiências, em alguns países, de abertura de espaços para o lançamento de candidaturas avulsas e de agrupamentos não partidários. Com este questionamento, não se trata aqui de promover o esvaziamento de partidos políticos, que têm uma função pública a desempenhar, contribuindo cada um, a partir de seus referenciais político-ideológicos, para a construção de projetos de sociedade.

Trata-se, outrossim, de abrir espaços para a criação de outras possibilidades; de invenções de organização, de expressão e representação política; de experiências que possam animar a vida política brasileira. Por fim, uma terceira problematização diz respeito ao monopólio da representação política pelos homens. É cada vez mais generalizado o reconhecimento de que a reduzida presença das mulheres na esfera da representação política é uma forte expressão da fragilidade e do comprometimento da democracia (BARREIRA et al, 2004).

O quadro de exclusão das mulheres desse espaço público é grave. Apenas 15 países apresentam uma participação de mulheres na Câmara Baixa, ou Câmara dos Deputados, superior a 30%. O Brasil encontra-se no grupo de 70 países com pior desempenho, inferior a 10%. Em âmbito legislativo estadual e municipal, o percentual de mulheres gira em torno de 12% e em âmbito executivo é bem abaixo. Este cenário foi amplamente destacado na IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, realizada em Beijing, em 1995, que recomendou o seu firme enfrentamento, mediante legislação e políticas públicas, com ações afirmativas.

A partir de então, dezenas de países passaram a adotar o sistema de cotas por sexo/cotas para mulheres em suas legislações, e já somam 75 os países que adotaram algum tipo de legislação sobre a questão, representando 45% dos países que têm instituições legislativas. No âmbito da discussão da Reforma Partidária, o projeto em tramitação na Câmara incorporou ações afirmativas visando ampliar a presença das mulheres na política, ao propor duas medidas importantes: a destinação de pelo menos 20% do tempo de propaganda partidária gratuita na mídia para promover a participação das mulheres; e a destinação de percentual equivalente a 6% do fundo partidário para promover a formação e a participação política das mulheres. Estes dispositivos significam a regulamentação da utilização de recursos públicos e não devem ser compreendidos como interferência na autonomia partidária (RODRIGUES, 2004).

O projeto manteve o dispositivo de constituição da lista fechada com o mínimo de 30 e o máximo de 70% das vagas para ambos os sexos, a exemplo do que já ocorre para a constituição da lista aberta. Neste ponto, no entanto, é mister observar que na lista fechada, o sistema de cotas por sexo só é eficaz caso seja garantido o lugar de mulheres e de homens na ordenação da lista, impedindo que as mulheres sejam colocadas ao final da lista e não logrem eleger-se.

Dois exemplos que garantem iguais oportunidades são marcantes pela sua eficácia. A Argentina, primeiro país a adotar as cotas em lei eleitoral, em 1991, dispõe sobre a formação das listas fechadas de forma que não se tenha mais do que dois nomes consecutivos do mesmo sexo, e já apresenta 30% de mulheres no Parlamento. A França, primeiro país a se autonomear como uma democracia paritária, adotou o sistema da paridade, com alternância eqüitativa entre homens e mulheres na formação da lista, nas eleições municipais de 2001, chegando praticamente a meio a meio na representação política nesta esfera.

Considerações finais

Na participação política, é importante pensar a tríade: organizações da sociedade civil; representação política no âmbito do Estado; e partidos políticos. Quanto mais estas esferas dialogarem, mais se estará aprofundando a democracia. A fala de cada esfera consigo mesma é necessária, mas insuficiente para se avançar na construção da cidadania, que é fruto da gestão pública, e não da gestão partidária ou corporativa.

Nessa medida, o debate sobre a Reforma Política precisa transpor a esfera da representação política, e adentrar os campos da sociedade civil organizada e dos partidos. Cada uma dessas esferas de ação política apresenta lógica e forma de funcionamento próprias, merecendo investigações aprofundadas, principalmente na perspectiva de suas relações e mediações.

Na sociedade brasileira, o espaço político da representação no Legislativo e principalmente no Executivo tem sido privilegiado, em detrimento do espaço político da participação na sociedade civil organizada. Em geral, os partidos políticos são meros instrumentos de acesso à representação política.

Além disso, sua função de promover a iniciação e a formação política, bem como de expressar interesses e propostas para o desenvolvimento do país está profundamente comprometida. E as organizações da sociedade civil, embora tenham conquistado espaços de gestão pública, a exemplo de representações em conselhos setoriais, têm um longo percurso a desenvolver em termos de interlocução com partidos e com representantes eleitos/as e indicados/as. No âmbito da sociedade civil organizada, os movimentos de mulheres e feministas vêm dando uma grande contribuição, revertendo lógicas seculares.

Primeiro, pontuando a importância da democracia na rua e em casa, construindo o âmbito privado, também e sobretudo, como espaço de relação de poder e de construção da cidadania. Segundo, publicizando e politizando as opressões e discriminações que circulam em âmbitos privado e público, e transformando-as em objeto de legislação e de políticas públicas, visando a sua superação.

Terceiro, construindo a perspectiva de gênero, visão a ser incorporada em todos os espaços, temáticas, relações, processos, que alude à necessidade de se considerar sempre: a história de mulheres e de homens; as repercussões sobre o cotidiano de mulheres e de homens; as representações do feminino e do masculino; as relações entre mulheres e homens, entre mulheres, e entre homens.

Nessa medida, os movimentos feministas reivindicam que a Reforma possa contribuir para mudar a política enquanto território masculino, machista, racista e homofóbico. Que possa contribuir para impedir a reprodução das práticas patrimonialistas, autoritárias, paternalistas, personalistas e oligárquicas da cultura política brasileira.

Paradoxalmente e de forma bastante tensionada, são estas mesmas características que se colocam como fortes obstáculos para a efetivação de mudanças e para a realização de uma Reforma Política que amplie a democracia, engajando novos segmentos; além das mulheres, os/as jovens, afro-descendentes, trabalhadores/as, lideranças populares, comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.

A prática política não garante nada, mas é a única possibilidade real de promover mudanças: de enfrentar as exclusões, desigualdades e discriminações sociais; e de construir uma sociedade em bases democráticas, justas e solidárias. E a Reforma Política brasileira constitui uma oportunidade de consensuar mecanismos e instrumentos que promovam a participação política cidadã, as expressões coletivas e a representação política. Assim, o desafio é contribuir para a realização de uma Reforma Política que afirme valores e práticas no rumo do aprofundamento da democracia, da liberdade, da acessibilidade, do fortalecimento de organizações políticas partidárias e não partidárias, da redistribuição de oportunidades de acesso à representação política e da construção de relações de poder mais simétricas e igualitárias.

Bibliografia

BARREIRO, Line, et al. Sistemas electorales y representación femenina en América Latina. Naciones Unidas/Cepal - Unidad Mujer y Desarrollo. Santiago de Chile, 2004. (Serie mujer y desarrollo, 54)

BENEVIDES, Maria V. Nós, o Povo - reformas políticas para radicalizar a Democracia. Instituto Cidadania (org.). Reforma Política – Estudos e Propostas. São Paulo, 2003. NOGUEIRA, Marco A . Em Defesa da Política. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. (Série Livre Pensar; 6)

RIBEIRO, Renato J. Sobre o Voto Obrigatório. Instituto Cidadania (org.). Reforma Política – Estudos e Propostas. São Paulo, 2003.

RODRIGUES, Almira. Reforma Política e ações afirmativas. Política Democrática – Revista de Política e Cultura – Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, n. 7, 2004.

– Este texto foi elaborado com base nos debates e na palestra da autora “A História da Reforma Política: impasses e desafios”, ocorridos no Seminário Reforma Política e Participação Social, realizado no dia 23 de junho de 2004 em Brasília, promovido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Instituto de Política da UnB (IPOL) e Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA).

– Artigo publicado na Edição Especial "Quando a participação faz a diferença" do periódico Democracia Viva 23 (Agosto/Setembro 2004) do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (iBase), p. 3 a 7.

Artigo de Almira Rodrigues – socióloga, doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília e diretora colegiada do Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA.