quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Operação contra o machismo

5º Seminário Nacional Homens, Gênero e Políticas Públicas discute medidas para promover uma mudança cultural na sociedade brasileira: idéia é derrubar preconceitos e estereótipos do tradicional machão

Hércules Barros
Da equipe do Correio

Apesar dos avanços na legislação para punir a violência praticada por homens contra as mulheres — dos quais a Lei Maria da Penha é o maior exemplo —, comportamentos passionais em nome da honra e do orgulho ferido como o de Lindemberg Alves, 22 anos, que matou com dois tiros a ex-namorada Eloá Pimentel, 15, em Santo André (SP), ainda são comuns. Os padrões machista e preconceituoso estão presentes nas relações pessoais e são alimentados até mesmo por instituições que deveriam priorizar a eqüidade entre homens e mulheres, como a escola e os serviços de saúde. Para diminuir a violência de gênero, especialistas em direitos humanos defendem que, além de garantir direitos à mulher, é necessária uma política de atenção ao homem, com o objetivo de promover uma mudança cultural na sociedade brasileira. Para trocar conhecimento e pôr em prática propostas que minimizem o estilo de vida violento e autodestrutivo dos homens, representantes do poder público, da sociedade civil e pesquisadores estiveram reunidos em Recife no 5º Seminário Nacional Homens, Gênero e Políticas Públicas, que terminou ontem.

A intenção dos organizadores é estruturar cuidados na infância e na formação masculina por meio da área de saúde. “O atendimento básico de saúde pode ser a grande porta de acesso aos homens, mas antes vamos ter de vencer duas barreiras: fazer com que o homem vá ao médico e que os profissionais da área estejam preparados para a abordagem”, observa o psicólogo social Benedito Medrado, um dos organizadores do encontro.

Para o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Estado e a sociedade têm de colocar a educação e os direitos humanos como eixos estratégicos para a construção de uma nova compreensão da vida em sociedade. “Essa atitude começa na primeira briga da criança pelo brinquedo. Ela tem que receber uma intervenção pedagógica dos pais e do professor”, ressalta. O ministro destaca que, antes, é preciso reforçar a cultura de paz entre os profissionais que lidam com a infância. “As mães e os pais devem educar seus filhos desde cedo contra essa visão machista para que, na idade do namoro, a relação seja pautada pelo respeito”, afirma.

Padrão cultural

O comportamento mais agressivo dos homens se reflete diretamente no setor de saúde. A população masculina tem ocupado, ao longo dos anos, o primeiro lugar em várias estatísticas indesejadas. Ela é maioria entre as vítimas de homicídio, mortes por acidentes de trânsito e uso de drogas. Os homens também se envolvem mais em crimes de exploração sexual. “Infelizmente, homens e mulheres são educados desde cedo para responder a modelos predeterminados do que é ser homem e do que é ser mulher”, observa Medrado.

Coordenador de projetos do Instituto Papai, entidade que desenvolve ações educativas sobre masculinidade, Medrado defende a revisão da forma de socialização dos meninos. “Não existe um modelo pedagógico que tenha conseguido transformar a masculinidade. A Lei Maria da Penha mexeu com o simbólico, mas não mudou o padrão cultural”, afirma.

Para a socióloga Lourdes Bandeira, subsecretária de planejamento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, as práticas violentas são estimuladas desde tenra idade porque a sociedade não permite que o homem expresse a sua sensibilidade. “Homem não pode chorar nem levar desaforo para casa”, ressalta. Lourdes não acredita que o seminário apresente soluções, mas considera positivo incluir o homem na pauta da violência de gênero. “Vamos tentar entender essa realidade e propor alternativas para modificá-la. Precisamos estar atentos para não reforçar preconceitos e estereótipos que levam a práticas violentas”, acrescenta.

A socióloga lembra a necessidade de mudar a atitude de pais que reprimem nos meninos brincadeiras relacionadas com o lar e estimulam o uso de armas de brinquedo e jogos de guerra para que os filhos aprendam “a ser homem”. “São valores calcados em uma construção masculina machista que começa na família e continua na escola. É por isso que, quando chega aos 50 anos, o homem resiste ao exame para detectar o câncer de próstata, por exemplo. Não pode ser tocado”, justifica.
_______________________________________
As mães e os pais devem educar seus filhos desde cedo contra essa visão machista para que, na idade do namoro, a relação seja pautada pelo respeito

Paulo Vannuchi, ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos
________________________________________________
Entrevista - Elizeu Chaves

Por uma nova noção da masculinidade

A atenção ao homem está na pauta de desenvolvimento humano do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Representante auxiliar do UNFPA no Brasil, o sociólogo Elizeu Chaves lembra que a agência da Organização das Nações Unidas (ONU), criada na década de 60 com o objetivo de acompanhar o crescimento da população mundial, incluiu desde meado dos anos 1990 o olhar sobre o homem ao tratar de temas como saúde sexual reprodutiva e igualdade de gênero. “A abordagem muda para desenvolvimento de direitos humanos. É construir uma nova noção de masculinidade contrária à cultura da violência”, observa. O que significa a política de atenção ao homem? É construir uma nova noção de masculinidade contrária à cultura da violência. Não trabalhar com os homens contribui para vários problemas que afetam, principalmente, as mulheres. O combate à mortalidade materna, por exemplo, só vai avançar quando os homens assumirem o seu papel, entendendo que gravidez é um assunto deles também. Em várias culturas, é comum o homem impedir a mulher de fazer pré-natal e de se prevenir contra Aids.

Como deve ser a prioridade ao homem?
A abordagem muda para desenvolvimento de direitos humanos. Aqueles que têm menos voz e são mais atingidos pelas desigualdades sociais. Trabalhar com os homens é um estratégia essencial para atingir a equidade de gênero.

Só empoderar as mulheres não resolve. Como o fundo vê essa questão no Brasil?
O caso da Eloá Pimentel, por exemplo, é um reflexo do que as desigualdades entre homens e mulheres podem colocar. Tem componentes psicológicos que eu não teria condições de avaliar, mas é um fenômeno sociocultural que está na sociedade brasileira. O homem achar que pode recorrer à violência para fazer valer a sua vontade em relação à mulher. No Brasil, existem ONGs como a Pró-Mundo, no Rio de Janeiro, e o Instituto Papai, em Recife (PE), que trabalham bem, mas é preciso que políticas públicas também incorporem a atenção ao homem.

Por onde começar a mudança na cultura masculina?
Na educação, em casa. Mas não é consensual. Existe uma discussão de que o mundo masculino tal como está não é o que gera violência e aprofunda desigualdades. Eu não concordo. Até que ponto tudo isso não reforça o homem como dominante, que não pode ser abandonado? Discutir uma nova visão da masculinidade é fundamental para o desenvolvimento dos direitos humanos.(HB)

COMPORTAMENTO / Correio Braziliense 26/01/2008