quinta-feira, 31 de julho de 2008

Identidade e relações de gênero (1)

Quando nasce uma criança, diz-se que ela é homem ou mulher, a partir do que apresenta em termos de genitália externa. Mas o ser mulher, bem como o ser homem, só começa com o reconhecimento de si mesmo ou a formação da identidade pessoal, passo inicial da estruturação da personalidade. A identidade de uma pessoa constrói-se após o nascimento, num processo simbiótico com as figuras parentais, em interação com o meio, até expressar-se como individualidade em atitudes e sentimentos sobre o eu. Um importante componente do processo de construção da identidade é a identidade sexual.

Para Money, Tucker (1981), pioneiros nesta área, identidade sexual é o senso de si mesmo como homem ou como mulher; é a experiência pessoal ou privada do papel sexual. A identidade consiste no quanto a pessoa diz ou faz para indicar aos demais ou a si mesma, o quanto se é homem, mulher ou ambivalente. Assim, o papel sexual é a expressão pública da identidade, ou o conjunto de condutas esperadas associadas à sexualidade e socialmente exigidas do indivíduo, de acordo com o seu gênero. A identidade sexual é, dessa forma, configurada mais adequadamente como identidade de gênero devido à diferença entre os conceitos de sexo e gênero.

Sexo pode ser definido como uma conformação particular que distingue o macho da fêmea nos animais e nos vegetais, como os órgãos sexuais externos e até como sinônimo de relação sexual. Entretanto o gênero implica na construção social e histórica do ser mulher e do ser homem.

Tomando por base Scott (1991), definimos gênero como um elemento constitutivo das relações baseadas nas diferenças que distinguem os sexos, ou nas diferenças percebidas entre os sexos. Dessa forma, o conceito de gênero encontra-se imbricado nos conceitos de identidade sexual, de papel sexual e no de relações entre os sexos.

Dada a natureza social do conceito de gênero, a identidade e o papel sexual estão afinados aos estereótipos culturais dos sexos, fundamentados nas diferenças genitais feminina e masculina que as transcendem. Entretanto, entre estes dois modelos ou pólos, há uma infinidade de conjugações de níveis e intensidade de pessoas, que extrapolam os espaços definidos pela sociedade para serem ocupados pelos homens e pelas mulheres.No que diz respeito à linguagem, o gênero é percebido como efeito da dominação simbólica, não expressa na lógica consciente, mas de modo subjacente, nas práticas e categorias dicotômicas para homens e mulheres: seco-úmido, duro-macio, claro-obscuro, aparente-recôndito, alto-baixo, acima-embaixo. Estas categorias se sustentam mutuamente e, embora concordantes, são suficientemente divergentes para conferir valores a cada uma delas.

Cada vez que um dominado emprega para se julgar uma das categorias constitutivas da taxonomia dominante (por exemplo: brilhante/esforçado, distinto/vulgar, único/comum etc.) ele aplica a si mesmo, sem o saber, o ponto de vista dominante, adotando, de algum modo, para se avaliar, a lógica do preconceito desfavorável. (Bourdieu, 1995, p. 142-143)

Nesta ótica, a mulher introjeta a condição feminina impregnada de sentidos de oposição na inferioridade e que envolvem a negação do masculino como sendo feminino, enquanto que o homem introjeta o masculino como sinônimo de superioridade e poder.

O gênero pode ser definido também como o modo contemporâneo de organizar normas passadas e futuras, um modo dos indivíduos se situarem na sociedade como homens ou como mulheres, e, através dessas normas, um estilo ativo de viver o corpo com uma noção rígida de que o corpo do homem é incisivamente diferente do corpo da mulher. A rígida separação de gêneros representa uma ofuscação ideológica daquilo que partilhamos. Dividir-nos contra é limitar potenciais da expressão humana. (Cornell e Thurschwell, 1990, p. 171)

As organizações binárias, principalmente as baseadas em polaridades de gênero, são efetuadas por uma forma de poder produtiva e estratégica; a subversão desta polaridade não se dá, necessariamente, pela sua superação, mas pelo reconhecimento de múltiplas formas de ser entre os pólos. Assim, construindo a diferença entre homens e mulheres e entre o feminino e o masculino, a história de meninos e meninas seguem caminhos diferentes que se cruzam, determinados pelo meio e pela cultura, que apresenta peculiaridades que variam no tempo e no espaço.

Desde os primórdios de nossa cultura, a menina aprende, na família, que ser mulher é saber cuidar de crianças, cozinhar, lavar, passar, cuidar da casa e do marido; ser mulher é adotar a postura do servir, do submeter-se, do obedecer ao pai, irmão, marido, etc.; é ser dependente, passiva, dócil, carinhosa, gentil, paciente, emotiva; é ser aquela que sabe agradar, e mais uma série interminável de 'atributos' tidos como femininos. O menino, por outro lado, aprende que ser homem é ter sob seu comando as experiências dos outros, especialmente das mulheres, é poder tomar decisões por todo um grupamento social como a família, é ser ativo, viril, corajoso, intransigente etc.

Na escola, as primeiras concepções acerca do papel da mulher apreendidas no âmbito familiar, são freqüentemente reforçadas enquanto se processa a aquisição de outros comportamentos e atitudes, resultando na incorporação, pela menina, da concepção do ser mulher, traduzida como ser boa aluna, educada, obediente, sentimental, frágil, aplicada, entretanto, menos pragmática, facilmente conduzida por regras e normas e, por isso, mais afeita às ciências humanas, às letras e às artes. Nos meninos são encorajadas a liderança, a criatividade, a praticidade e a ousadia, qualidades, dentre outras, requeridas para profissões 'ditas' masculinas como dirigente de empresas, construtores, pesquisadores etc.

Também a mídia, agente formador de opinião cada vez mais importante na atualidade, contribui de modo significativo para a criação e/ou manutenção de estereótipos sexuais. Programas e seriados de TV, peças comerciais veiculadas por revistas, jornais, rádio e televisão, além de filmes, reafirmam, intencional e subliminarrmente, a dicotomia dos papéis sexuais, reservando a homens e mulheres imagens tradicionalmente construídas. Soma-se ao papel dos meios de comunicação, a relevância dos relacionamentos sociais para os jovens, que tendem a seguir o modelo vigente no grupo e a opinião de seus amigos, via de regra, diferenciado para meninas e meninos.

Através de generalizações forçadas, em que a verdade vai sendo alterada, diferenças vão sendo estabelecidas entre homens e mulheres, tornando seres humanos essencialmente iguais, em diferentes. (Passos, 1999, p. 94)

Pelos processos de imitação e de identificação, as meninas vão introjetando sentidos e significados e exercitando um fazer estabelecido pela sociedade como eminentemente feminino, que se desenvolve, prevalentemente, na esfera de vida familiar, no âmbito do privado ou pré-político (Arendt, 1995).

Impedidas, historicamente de 'ver o mundo', de exercer o poder no domínio público, as meninas crescem sob diversas inluências que culminam com a atribuição de um alto valor à profissões tidas como mais adequadas à condição feminina, que envolvem o exercício do cuidar, do ensinar e do servir. Dessa forma, na maioria das vezes, o poder que as mães têm com os filhos, enquanto crianças, e com os alunos - para a mulher- mãe e professora - pode se constituir numa forma de exercer o poder que em outras circunstâncias lhes é subraído ou negado. Essa construção se dá, evidentemente, a partir das concepções de gênero internalizadas por homens e por mulheres.

Essas concepções e pontos de vista levantados no âmbito da análise sobre identidade de gênero exigem a consideração de abordagens historicamente consagradas sobre a questão. Dentre elas temos a abordagem culturalista, que acreditamos, fornecer indicadores concretos para a compreensão do processo de construção do ser homem e do ser mulher.

Abordagem culturalista

A abordagem culturalista parte do pressuposto que viver em sociedade é característica da espécie humana. Devido às suas carências e necessidades, os seres humanos foram compelidos a viverem juntos, vez que sua manutenção e sobrevivência dependiam da convivência e das relações sociais.

Registros históricos nos sugerem que houve um tempo em que a ordem social foi fluida e permissiva: as mães e outras mulheres da família cuidavam das crianças e a vida foi nômade e sedentária, a depender da escassez de alimentos e outras condições, o que provocava migração para diferentes regiões. Parece, também, ter havido rodízio de poder entre os indivíduos de um grupo e dos grupos entre si. Nesse contexto, houve uma divisão social de trabalho a princípio arbitrária, mas o fato das mulheres ficarem grávidas, alimentarem e protegerem os filhos, conduziu-lhes a alimentar e cuidar de todo o grupo, enquanto os homens exerciam atividades para a provisão de alimentos, como a caça e a pesca, para todo o grupo e principalmente para si. (Engels, 1982)

Badinter (1986), analisando as relações entre os sexos, retoma algumas lendas que narram sobre a existência de tribos só de homens e só de mulheres, autônomas, cujos membros só se encontravam fortuitamente para se entregarem a folguedos amorosos. As crianças de ambos os sexos, originadas desses encontros, ficavam, no início, só com as mães e, mais tarde, os meninos passavam para a tribo masculina. Para ela, circunstâncias adversas devem ter acontecido nas tribos femininas que as levaram a se unir à dos homens, ficando, em conseqüência, sob sua guarda.

Outras lendas apontam para o mito da separação inicial - a mulher num espaço circunscrito, dedicando-se à colheita e ao cuidado dos filhos e os homens, num espaço mais vasto, dedicando-se à caça, assegurando o provimento de todos.

O fato de que a manutenção individual fosse a tarefa do homem e a sobrevivência da espécie fosse a tarefa da mulher era tido como óbvio; e ambas estas funções naturais, o labor do homem no suprimento de alimentos e o labor da mulher no parto, eram sujeitas à mesma premência de vida. (Arendt, 1995, p. 40)

Essas reflexões conduzem à suposição de haver existido, em todas as sociedades e em todas as épocas, uma divisão sexual de trabalho com distinção valorativa das funções desempenhadas por homens e mulheres, fruto das relações entre eles, das relações sociais entre os gêneros. No âmago dessas relações, o masculino aparece como superior, independente, de grande significado e o feminino como inferior, dependente, de pouco significado; à mulher cabendo o lugar de subalterna, de quem historicamente não se construiu como sujeito, de quem pouco exerceu o poder, podendo apenas acumulá-lo e reproduzi-lo.

Tais colocações remetem-nos ao Patriarcado, que se refere ao estado social no qual o pai, chefe da família, exerce sobre esta os direitos mais absolutos. Patriarcado diz respeito ao poder universal do homem sobre a mulher e sobre seus filhos. Universal no que tange à dominação do homem sobre o núcleo familiar e porque aparece em diversas culturas e épocas. O termo Patriarcado abrange, também, toda estrutura social que nasce de um poder do pai, o poder tradicional, o poder procriador, o poder absoluto. (Badinter, 1986)

O Patriarcado Clássico ou Tradicional, incorpora ao domínio paterno todas as relações de poder. A argumentação patriarcal é construída a partir de uma teoria do direito e de obediência política; consiste em associar o poder político ao paternal, originado na submissão dos filhos ao pai, que sucedeu o domínio do homem sobre a mulher. Ou seja, assim como a mulher estava sob o domínio do homem, os filhos dele nascidos, a ele estavam também submetidos. A abordagem do Patriarcado inscreve-se fortemente no mundo social, especialmente nas relações de dominação e exploração das mulheres pelos homens.

Buscando explicar esse estado de submissão das mulheres, nada natural, Pateman (1983) analisa a diferença entre liberdade e sujeição como uma diferença política, que tem raízes no 'contrato social' ou pacto original. Para ela, esse contrato:...é sexual no sentido patriarcal - isto é, o contrato cria o direito político dos homens sobre as mulheres - e também sexual, no sentido do estabelecimento de um acesso sistemático dos homens aos corpos das mulheres (...) ele é o meio pelo qual se constitui o patriarcado moderno. (ibid, p. 17)

Segundo esta autora, o Patriarcado Moderno se dá em termos de fraternidade, de contrato e estrutura a sociedade civil capitalista. Neste sentido, fraternidade e política relacionam-se intimamente, vez que fraternidade abrange os homens como pessoas, não só como habitantes de determinadas cidades ou polis.

Enquanto o patriarcado tradicional utiliza a família como metáfora da ordem política, entendendo todas as relações de superioridade e subordinação como semelhantes à relação pai-filho (ibid, p. 127), o patriarcado fraternal moderno baseia-se na teoria do contrato social. O Patriarcado Moderno crê na abrangência maior do poder político instituído sobre bases diferentes e atribuído a fins diferentes do poder paterno; incorpora a noção de exploração por parte de quem exerce o poder, ou seja, o domínio do outro se dá através da sua exploração.

Também no final do século passado, os escritos de Marx e Engels (1970) vieram a se constituir em subsídios para se admitir que a identidade feminina e os papéis desempenhados pelas mulheres tem suas raízes na relação entre estrutura econômica e sociedade. Ao tratarem da história humana, Marx e Engels consideraram que o desenvolvimento da humanidade teve sua origem no trabalho, compreendido como processo de transformação da realidade objetiva pelo homem e de transformação de si próprio ou autocriação. Para eles, em razão do incremento da produtividade, do aumento das necessidades e do crescimento populacional, ocorreu, então, a formação da consciência gregária ou tribal e em decorrência, a divisão do trabalho, divisão essa estabelecida em função das diferenças de gênero e idades no interior dos grupos sociais. A primeira divisão do trabalho se fez entre o homem e a mulher na criação dos filhos. Posteriormente, com o aperfeiçoamento das forças produtivas e o surgimento de excedentes de produção, a divisão do trabalho tornou-se mais complexa: uma parte da população passou a administrar o processo produtivo, do qual progressivamente se apoderou do produto (e deteve o poder), e a outra parte ficou com o papel de reproduzir (e em conseqüência, ser submissa, uma vez que reproduzir, socialmente, vinha em segundo plano em relação ao produzir, prover). Diante disso, depreende-se que a propriedade privada foi decorrente da divisão e da alienação do trabalho. Uma releitura das posições de Marx e Engels permite concluir que os homens passaram à situação de donos do poder e as mulheres, de excluídas e submissas, embora se considere que a relação entre dominantes e dominados não é simétrica.

Como a divisão do trabalho aparece sob variadas formas na sociedade, o modo de produção do homem e da mulher numa mesma classe social e qualquer que seja a classe, nem sempre é o mesmo. Sob esse prisma, Saffioti (1976, p.301) coloca-nos dois pontos básicos para reflexão: primeiro que, passada a fase de acumulação originária do capital, as oportunidades de trabalho para as mulheres passaram a ser reguladas de modo diverso, deixando de refletir a dinâmica própria de cada fase de desenvolvimento da formação social-capitalista. O segundo ponto (...) é que, com o desenvolvimento gigantesco da tecnologia, e, conseqüentemente, com a crescente elevação da produtividade do trabalho humano, a sociedade de classes dispensa, para a criação de sua riqueza, o concurso de todos os seus membros adultos normais.

Obviamente, neste contexto, a história tem revelado que quando o mundo do trabalho precisa reduzir seu quadro de trabalhadores, a dispensa do trabalho feminino é consideravelmente maior e mais freqüente que o masculino. Este dado reforça o direcionamento da personalidade feminina para valores mais ligados à vida familiar, e o da personalidade masculina para a competição pelo mercado de trabalho e ajustes necessários aos diversos papéis que se espera, o homem deva desempenhar. Mas a mulher insistindo em penetrar e permanecer no mundo do trabalho, na vida pública, rompe barreiras: fá-lo, entretanto, sob o signo da inferioridade que o sexo feminino representa em relação ao masculino. É ocupando as posições inferiores, recebendo salários menos compensadores, não aspirando aos postos de mando que a mulher ´resolve´ ou alivia as tensões que a inconsistência de seus papéis origina. (Saffioti,1976, p.307/308)

Dentre os postos ocupados nessas circunstâncias está o de educadora, de professora ou outros, vinculados, primordialmente, a instituições de ensino, e todos das áreas do cuidar e do servir. As tarefas dos serviços sociais constituem-se também prolongamentos dos trabalhos domésticos.

Souza-Lobo (1991) constatou que grande parte das ocupações femininas nas indústrias parecem requerer tarefas repetitivas que exigem atenção e paciência, destreza e minúcia, resistência à monotonia, qualidades socialmente definidas como próprias da força de trabalho feminino. Sua análise depreende, também, que a feminização de setores e tarefas são parte de uma estratégia de barateamento dos custos da força de trabalho.

Para ela, as mulheres menos conscientes de seus direitos como trabalhadoras, menos participantes e politizadas, aceitariam trabalhos mais baixos... (ibid. p. 147)

À essa postura, bem responde o materialismo histórico dialético ao postular que, além das condições materiais de vida interferirem no pensamento das pessoas, também o pensamento e as idéias interferem no fazer feminino e no seu estar no mundo.

Do ponto de vista filosófico, outra dualidade se manifesta intervindo na construção das identidades: o predomínio da razão ou da emoção na compreensão e interpretação do mundo bem como da inserção de homens e mulheres neste mundo. A construção dessas idéias remonta à época medieval que tinha na dúvida o eixo fundamental de compreensão das coisas, em oposição à razão. A Modernidade inverte esta relação quando passa a ter a razão como eixo a determinar o que é aceitável ou não, o que é certo e o que é errado, o que é mais e o que é menos importante. Neste contexto, a emoção passa a se situar em um plano de menor importância. Desse modo, o critério da razão definirá a quem cabe o domínio da sociedade, quem é capaz de pensar o mundo e dirigir o destino das pessoas. Assim, a sociedade estimula os homens a serem racionais, a se controlarem, a sufocarem e matarem o seu lado emocional, tido como seu lado frágil. O que se espera dos homens é que eles falem do que produzem, uma vez que a masculinidade assenta-se na virilidade e na profissão. Ele tem que ser o provedor, aquele que assegura a vida e o destino da família. As mulheres, contrariamente, são colocadas como emotivas e por isso frágeis e dependentes, primeiro do pai, depois do marido e também dos filhos. Ter nascido do sexo feminino é ter incorporado a pureza, o ser mãe e o maternar, o ser companheira, o não exercício do poder, o ser dependente. Num processo entre as relações sociais e o que foi internalizado durante o seu desenvolvimento como pessoa, a mulher constrói uma identidade até o ponto em que acredita ser todos esses valores pertinentes à sua condição feminina. Essas construções não podem ser vistas como iguais, lineares, absolutas, porque não há uma única e absoluta categoria de mulher, o que seria por demais excludente. Em cada época e em cada sociedade os gêneros se modificam, são mutáveis.

Para as teóricas feministas que partem da existência de um domínio patriarcal, a raiz da condição feminina mostra-se na relação social de desigualdade entre os gêneros, historicamente construída e em vigência até os dias de hoje, onde o homem detém o poder sobre a mulher, sobre o filho, sobre a propriedade e no Estado - domínio público - enquanto a mulher restringe-se à condição de submissão, de dominação, do mundo privado, entendendo-se aqui o ensinar como pertinente à esfera privada, como 'extensão do lar'. Na perspectiva culturalista é possível vislumbrar que os constructos relacionados ao ser mulher surgem em oposição ao significado do ser homem, numa sociedade com esquemas de relacionamentos sociais bem definidos. Assim, a menina se percebe mulher enquanto semelhante à mãe, reproduzindo o modo como ela se coloca diante do pai, no seio da família; em instâncias mais abrangentes como a escola e outros grupos sociais, apreende que ao ser feminino 'destinam-se' certas funções como cuidar, servir e educar, em campos restritos pouco (ou não) reivindicados pelos homens.

Neste contexto, são introjetadas nas meninas e nos meninos, desde muito cedo, em diversos âmbitos de suas personalidades e do seu ser social, as dicotomias associadas à divisão homem-mulher, tais como: caça-coleta, dominação-submissão, luz-sombra, ciência-magia, razão-intuição, cultura-natureza, força-fragilidade, para fora - para dentro, superioridade-inferioridade, produção-reprodução, mundo público-mundo privado, de forma a tornar aparentemente natural, a identidade que, às mulheres e aos homens foi socialmente imposta.

Referências Bibliográficas
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1995.

BADINTER, E. Um é o outro. Relações entre homens e mulheres. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

BOURDIEU, P. A dominação masculina. Educação e Realidade, Porto Alegre, 20 (2), p. 133-184, jul./dez. 1995.

CORNELL, Drucilla, THURSCHWELL, Adam. Feminismo, negatividade, intersubjetividade. In : BENHABIB, Sheyla. CORNELL, Drucilla (Orgs.). Feminismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro : Rosa dos Tempos, 1990. p.155-174.

ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1982. 215 p.

MARX, K., ENGELS, F. Manuscritos econômicos e filosóficos. In : FROMM E. Conceito marxista do homem. Rio de Janeiro : Zahar, 1970.PASSOS, E.S. Palcos e Platéias - A s representações de gênero a Faculdade de Filosofia. Salvador : EDUFBa., 1999. Coleção Bahianas 4.

PATEMAN, C. O contrato sexual. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1993.

SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis : Vozes, 1976.

SCOTT, J.W. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Recife : SOS Corpo, 1991.

SOUZA-LOBO, E. A classe operária tem dois sexos. Trabalho

_________________________________________
IDENTIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

Cristina Pereira Carvalho Fagundes - fonte: Cadernos de Pesquisa do NUFIHE. Salvador: Programa de Pós-Graduação em Educação/UFBA. V.3, n. 1, p. 169-186, jan./dez,1991.

Nenhum comentário: