quinta-feira, 31 de julho de 2008

Formação política e perspectiva de gênero

O Estado brasileiro, desde meados dos anos 1980, elege como uma de suas metas promover a igualdade entre mulheres e homens, requisito essencial para a consolidação da democracia.

No mesmo rumo, cabe aos partidos políticos incorporar não só nos seus estatutos, mas também na sua prática cotidiana, a defesa e a implementação de medidas e ações que viabilizem a igualdade entre mulheres e homens.

É a partir do reconhecimento das desigualdades de gênero, que cresce a importância de debates e ações no âmbito partidário. Nesse sentido, os cursos de formação política se constituem em espaços apropriados e especiais para a reflexão sobre a igualdade de gênero e a cidadania das mulheres.

O conceito de gênero

A idéia de gênero se reporta ao feminino e ao masculino. A partir das diferenças biológicas, meninas e meninos são impelid@s a vivenciar determinadas formas de sentir, de pensar e de agir. São educad@s e moldad@s segundo o que a sociedade considera apropriado a cada um dos sexos. As diferenças acabam sendo transformadas em desigualdades, perpetuando assimetrias entre mulheres e homens e em suas relações.
Uma dessas diferenças é o fato de que as mulheres são socializadas para ocuparem, particularmente, o espaço privado, aquele onde se desenvolvem os cuidados, o doméstico, o subjetivo. A esfera pública como o lugar onde se exerce o direito, a liberdade e se decide sobre o destino de todos é ocupada, especialmente, pelos homens.

O questionamento de toda essa situação gerou o discurso feminista: por igualdade de direitos e de oportunidades, respeito às diferenças, democracia na rua e em casa, cidadania no público e no privado.

Afirma-se, assim, a necessidade de se discutir as relações sociais entre mulheres e homens, entre as mulheres e entre os homens, bem como as representações sociais sobre o feminino e o masculino. Nesse sentido, o conceito de gênero é utilizado como uma categoria de análise, que coloca o "ser mulher" ou "ser homem" como uma construção social, diferenciando-a do sexo biológico. Enquanto as diferenças biológicas entre os sexos são naturais, o gênero é construído e sujeito à mudanças, porque estabelecido por convenções sociais e varia em função da época e dos padrões culturais.
O conceito expresso por Joan Scott sintetiza o termo ao classificar gênero como “... um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos... o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (Gênero: Uma Categoria Útil de Análise Histórica, Educação e Realidade, 1995).

As organizações feministas e os movimentos de mulheres vêm utilizando em suas análises e práticas o conceito de gênero, que permite uma melhor compreensão de como os espaços público e privado e as esferas da produção e da reprodução são marcadas por esta dimensão de gênero.
Compreender como as relações de gênero estruturam o conjunto das relações sociais é fundamental para se pensar as práticas e relações cotidianas de mulheres e homens dentro de um grupo, de um partido, da sociedade, e considerar as suas histórias e singularidades.

Sujeito político – Igualdade de gênero

Quando se fala na igualdade entre mulheres e homens como projeto/utopia de humanidade, já é preciso pensar na linguagem como elemento de inclusão e de paridade. A linguagem é masculina. Ao se utilizar o masculino para designar também o feminino, a subjetividade fica diluída, difusa, e não se contempla a diversidade da condição humana.

O uso do sinal @ na escrita, para abranger o feminino e o masculino, tem sido uma forma de subverter essa escritura única. Esta guerrilha de linguagem foi introduzida por feministas e vem se expandindo para todas as regiões do mundo.

Lutar por uma linguagem inclusiva significa lutar também pela cidadania das mulheres. Neste processo de luta, as mulheres constroem noções para expressar suas dificuldades, opressões e projetos: dupla jornada, função social da maternidade, direito e escolha da maternidade, violência doméstica, assédio sexual, dupla moral sexual, direitos sexuais, direitos reprodutivos, empoderamento.

No Brasil, a força da mobilização e das organizações de mulheres conseguiram importantes avanços na Constituição de 1988. A função social da maternidade foi reconhecida; a licença paternidade foi criada; o planejamento familiar foi reconhecido como direito e livre decisão do casal; o Estado ficou responsável por coibir a violência no âmbito das relações familiares. Estes dispositivos, entre outros, expressam como determinadas questões antes consideradas da ordem do privado, passam a ser tratadas como questões públicas e, portanto, merecedoras de serem consideradas na formulação e implementação das políticas públicas.

Possibilidades e Desafios

O PPS tem marcado presença na discussão e nas propostas sobre a igualdade de gênero e superação das discriminações contra as mulheres na sociedade brasileira. Textos, resoluções, propostas em sintonia com a luta dos movimentos de mulheres foram elaboradas pelo PCB e pelo PPS.
Atualmente, o Partido incorpora as reivindicações das mulheres, especialmente sobre participação política, em seus documentos internos. Mas é preciso ir além, propiciando o compartilhamento dos espaços de poder entre mulheres e homens.

Alguns partidos têm organizado e sustentado espaços que contribuem para a maior participação das mulheres na vida partidária, em decorrência da mobilização de suas militantes. Com isso, as mulheres são estimuladas e apoiadas no exercício da prática política.

No entanto, não é suficiente a criação de estruturas partidárias internas voltadas para as questões de gênero. É fundamental que a partir dessas estruturas, sejam garantidas as condições efetivas de trabalho partidário, tanto para a superação da sub-representação das mulheres na política, como para a incorporação da perspectiva de gênero na agenda política partidária.

Algumas medidas que certamente contribuirão para ampliar a participação das mulheres na política podem ser destacadas: incorporação das mulheres nos órgãos de direção partidária, com preenchimento, no mínimo, da cota de 30%; cumprimento da cota de, no mínimo, 30% para cada um dos sexos nas vagas de candidaturas para as eleições proporcionais; acolhimento das pautas feministas como compromisso do Partido; criação de instrumentos de comunicação para divulgar o trabalho político das mulheres; promoção de debates e cursos entre mulheres e homens do Partido sobre as relações de gênero; garantia de espaços para as militantes nas publicações e nos programas políticos gratuitos do PPS; destinação de recursos financeiros para a realização de planos de trabalho para o enfrentamento da questão colocada.

É urgente que o Partido implemente essas medidas e ações, visando contribuir para a superação dos obstáculos que se impõem à participação política das mulheres, à conquista da igualdade de gênero, e consequentemente, ao respeito aos direitos humanos.

Esperamos que o PPS possa atuar firmemente no sentido de superar a sua reduzida representação feminina nas esferas de poder do Estado. Que possa assumir o compromisso, através de suas lideranças e dirigentes, de ampliar a participação das mulheres no âmbito partidário, na sociedade civil organizada e também no Legislativo e no Executivo. Esta é uma excelente oportunidade para se lutar por uma sociedade democrática, justa e fraterna.
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Texto publicado em Textos Feministas 1989-2004. Grupo de Assessoria Feminista/PPS. Brasília – DF, março/04
Elizabete Barreiros é militante do PPS desde 1986 e integrante do Fórum de Mulheres do Distrito Federal.

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