quarta-feira, 17 de março de 2010

Risco e oportunidade para as mulheres diante dos desafios do século 21

08/03/2010
Katrin Bennhold
Paris (França)

Daniel Louvard não acredita na ação afirmativa. Vez ou outra, os cientistas em seu laboratório de estudo do câncer em Paris pedem que ele considere a diversidade de gênero ao contratar profissionais. Mas Louvard, diretor de pesquisa no Instituto Curie e um dos principais bioquímicos da França, continua contratando mais mulheres.

“Eu escolho os melhores candidatos, ponto final”, diz Louvard. Há 21 mulheres e 4 homens em sua equipe.

A revolução silenciosa que fez muitas mulheres do mundo em desenvolvimento alcançarem os homens no mercado de trabalho e na educação também chegou à ciência, o reduto masculino mais teimoso.

No ano passado, três mulheres receberam prêmios Nobel de ciências, um recorde. As mulheres agora representam 42% dos graduados em ciências nos 30 países da Organização pela Cooperação Econômica e Desenvolvimento; nas ciências da vida, como biologia e medicina, mais de seis entre dez graduados são mulheres.

As mulheres mais jovens também estão embarcando na ciência depois da graduação: na União Europeia, o número de mulheres na pesquisa está crescendo numa proporção quase duas vezes maior do que o de homens, dando origem ao que alguns apelidaram de “old girls network” [um sistema informal de assistência mútua entre mulheres de um determinado grupo].

Até a Barbie, a boneca icônica cuja edição de 1992 dizia a frase infame de que “matemática é difícil”, transformou-se em engenheira de computadores em sua edição de 2010, completa, com óculos e laptop cor-de-rosa.

Mas embora o progresso tenha sido imenso desde a época em que Marie Curie, vencedora do prêmio Nobel por duas vezes, foi barrada na academia de ciências da França há um século, ele tem sido mais lento em outras partes da sociedade – e bem menos uniforme.

Na ciência da computação, por exemplo, a porcentagem de graduadas mulheres nas universidades americanas chegou a um pico nos meados dos anos 80, em mais de 40%, e desde então caiu para a metade disso, diz Sue Rosser, acadêmica que escreve extensivamente sobre as mulheres na ciência. Na engenharia elétrica e mecânica, as porcentagens de matrícula continuam baixas. O número de mulheres que são professoras de ciências em tempo integral nas universidades de elite dos Estados Unidos ficou estacionado em 10% nos últimos 50 anos. Em todo o mundo, apenas um punhado de mulheres presidem uma academia de ciência nacional. As mulheres receberam apenas 16 dos 540 prêmios Nobel de ciência.

O cabo de guerra entre os números encorajadores e os detalhes lamentáveis demonstra, sob vários aspectos, a história do avanço das mulheres como um todo. As mulheres conseguem mais títulos e tiram notas melhores do que os homens nos países industrializados. Mas elas ainda ganham menos e com frequência não trabalham tempo integral. Apenas 18% dos professores catedráticos nos 27 países da União Europeia são mulheres.

E o dinheiro pesado da ciência hoje em dia está na computação e engenharia – os dois campos com menos mulheres.

No século 21, talvez mais do que nunca, o conhecimento científico e tecnológico será especialmente valorizado. Com a humanidade pronta para enfrentar desafios prementes – desde a mudança climática até doenças complexas e as consequências da revolução digital –, a falta de pessoas com a capacitação adequada deixa muitos países numa situação complicada.

Aí está tanto uma oportunidade quanto um risco para as mulheres: nos próximos anos, as pessoas que dominam as ciências mudarão o mundo – e muito provavelmente receberão os maiores salários.
“As mulheres precisam da ciência e a ciência precisa de mulheres”, diz Beatrice Dautresme, diretora executiva da Fundação L'Oreal e idealizadora do prêmio L'Oreal-Unesco para as Mulheres na Ciência, que homenageia cinco cientistas do mundo inteiro todos os anos. “Se as mulheres conseguem se dar bem na ciência, elas conseguem se dar bem em qualquer lugar.”

Muitos obstáculos que as mulheres enfrentam no cotidiano estão severamente cristalizados nas profissões tecnológicas e científicas. Equilibrar uma carreira com a família é particularmente complicado quando o tempo para conseguir uma cátedra compete com o relógio biológico, ou quando um cargo de engenharia requer longas permanências numa plataforma de petróleo no meio do oceano.

Para casais, coordenar duas carreiras é especialmente difícil quando ambos estão na ciência. E 83% das mulheres cientistas nos Estados Unidos têm parceiros cientistas, comparado a 54% dos cientistas homens.

Lutar contra preconceitos sutis e não tão sutis é muito mais difícil quando eles são transmitidos pelos educadores, desde os professores na pré-escola até Lawrence H. Summers, o ex-presidente da Universidade de Harvard. Rosser foi uma das palestrantes numa conferência em janeiro de 2005, na qual Summers disse que as diferenças “intrínsecas de aptidão” entre homens e mulheres são mais importantes do que os fatores culturais e a discriminação ao explicar porque menos mulheres têm sucesso nas ciências.

Pelo menos uma mulher na plateia saiu em protesto, lembra-se Rosser. Outras, como ela, desafiaram Summers depois de seus comentários.

A noção de que a habilidade intelectual nos homens tem uma variabilidade maior – ou seja, que os cérebros mais brilhantes e mais deficientes são encontrados nos homens – surgiu pela primeira vez em 1894 para explicar porque havia mais homens nos hospícios e menos mulheres geniais. A tese foi desacreditada por estudos empíricos, os mais recentes feitos em junho por Janet Hyde e Janet Mertz da Universidade de Wisconsin, que mostraram que em alguns países não há diferença entre homens e mulheres no mais alto nível. Nos lugares em que a diferença continua, é relacionada à desigualdade de gênero e está diminuindo, sugerindo que fatores culturais, e não intrínsecos, estão em jogo.

Mas os estereótipos correm soltos. Numa apresentação para garotas de colegial há alguns anos, Gigliola Staffilani, professora de matemática no Massachusetts Institute of Technology, foi questionada se, para uma mulher, o fato de ser inteligente “torna difícil namorar”. Os departamentos de matemática de várias universidades lamentam uma queda no número de mulheres matriculadas.
No MIT, por exemplo, a quantidade de inscrições de mulheres no programa de graduação em matemática caiu de cerca de 17% nos anos anteriores para 13% este ano, diz Staffilani. (Mas a qualidade de suas inscrições foi tão alta, diz ela, que elas serão 22% dos alunos escolhidos.)

A falta de modelos femininos a preocupa. Isso reforça uma visão de que, para as meninas, a aula de matemática é difícil.

Com frequência, o condicionamento começa cedo. Blanca Treviso, cientista da computação e diretora executiva do Softtek, o maior provedor de serviços de informação e tecnologia na América Latina, diz que a professora do jardim da infância a chamou para reclamar de sua filha, que estava brincando com uma calculadora e não com bonecas.

“A mulher disse que minha filha estava inventando histórias, dizendo que sua mãe tinha um escritório e uma assistente”, disse Treviso. “A ideia de que isso pudesse ser verdade não ocorreu a ela.”

Na Índia, as cientistas reclamam que até nos livros de ciência as mulheres são mostradas nos papeis tradicionais. E nos Estados Unidos, alguns psicólogos dizem que o aumento dos jogos de computador voltados para os meninos é uma explicação para o hiato cada vez maior nas ciências da computação desde os anos 80.

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