sábado, 30 de janeiro de 2010

Mulheres já são 30% na magistratura brasileira

Quatro décadas após a nomeação da primeira juíza federal do Brasil, Maria Rita Soares de Andrade, em 1967, o Poder Judiciário brasileiro tem um perfil cada vez mais feminino. Advogada de vários perseguidos da II Guerra Mundial, Maria Rita esteve na vanguarda forense, sendo a primeira mulher membro do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, integrando, inclusive, o Conselho da Guanabara e, por indicação deste, foi a primeira mulher no Conselho Federal da Ordem dos Advogados.

Mas, dez anos antes, em 1954, outra mulher, Thereza Grisólia Tang, tornava-se a primeira juíza do Brasil, ingressando na magistratura de Santa Catarina e sendo por quase duas décadas a única mulher no Judiciário estadual. Thereza Grisólia também ocupou a presidência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 1989.

Apesar de ainda não alcançarem a paridade na magistratura (30%) e estarem mais longe disso nos Tribunais Superiores (15,56%), a tendência é pela equidade, isso porque é crescente o número e o percentual de mulheres advogadas, que já representam quase 45% da categoria. E a pergunta que podemos fazer nesse momento de mudança é: o Judiciário muda com a maior presença feminina?

Segundo Valéria Pandjiarjian, advogada, membro do CLADEM-Brasil, seção nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e do IPÊ-Instituto para Promoção da Equidade, ainda persistem preconceitos de sexo, classe e raça/etnia que influenciam as decisões do Poder Judiciário, muitas vezes em prejuízo às mulheres. Conceitos morais como "mulher honesta", "inocência da vítima" e "boa mãe" são usados para definir questões como separação e guarda de filhos, violência conjugal e crimes sexuais.

Tais discriminações, preconceitos e reprodução de estereótipos, de acordo com a advogada, devem-se, sobretudo, “aos padrões de cultura presentes na sociedade e refletidos - em maior ou menor grau - nas práticas jurídicas institucionais”. Mesmo a efetivação dos direitos das mulheres brasileiras estando, em grande parte, condicionada à incorporação pelo Poder Judiciário dos valores igualitários e democratizantes da Constituição de 1988, “o conteúdo de decisões judiciais, vale frisar, ora contemplam, ora não contemplam devidamente os princípios de igualdade, não-discriminação e não-violência em relação à mulher.”

Para a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Maria Berenice Dias, não há dúvidas da feminização da Justiça. Mas a recente presença das mulheres no poder ainda faz com que normalmente elas não tenham a mesma credibilidade de seus pares. “São alvo de referências que dizem mais com seus atributos pessoais do que com seu desempenho profissional. Como toda novidade, despertam mais a atenção, correspondendo sua imagem a verdadeiros totens. Por isso, acabam recebendo rótulos: como mais severas ou mais condescendentes que os juízes, ou ainda são apontadas como adequadas ou não para jurisdicionar determinadas varas. Essa estratificação dicotômica decorre de percepções frequentemente inconscientes e que registram um conteúdo discriminatório, pois atitudes por vezes não relevantes ficam mais visíveis e são potencializadas de forma generalizante”.

A desembargadora afirma que apenas uma maior compreensão da feminilidade permitirá identificar grande parte dos conflitos domésticos e atender às reivindicações femininas. “Essa tarefa necessita ser assumida pela ala das mulheres, tanto juristas, como magistradas, promotoras e advogadas”. Ela cita Denise Bruno, ao discorrer sobre Mulheres e Direito. Para esta última, as mulheres juízas, apesar de terem consciência da necessidade de mudanças, não rompem com os códigos e padrões legais vigentes por se sentirem incapazes de confrontar o padrão patriarcal, por não terem consciência do mesmo, ou por não estarem dispostas a arcarem com as consequências de romper com as expectativas patriarcais sobre as mulheres.

Na Argentina, como noticiou a agência de notícias IPS Mídia, a discussão em relação a uma Justiça com perspectiva de gênero está mais na garantia desse enfoque nas sentenças, seja por juízas ou juízes, do que no desequilíbrio de juízas e juízes no Poder Judiciário.

“A quantidade de mulheres existente hoje no Poder Judiciário não nos satisfaz, mas se o que se busca são sentenças com perspectiva de gênero, então, o que importa é a capacitação de juízes e juízas”, disse à IPS Natalia Gherardi, diretora-executiva da Organização Não-Governamental Equipe Latino-Americana de Justiça e Gênero (ELA).

De acordo com o “Informe sobre Gênero e Direitos Humanos 2005-2008” da ELA, lançado recentemente e que reivindica o direito de participação equitativa das mulheres em todos os poderes, “os números nada dizem sobre o verdadeiro grau de inclusão na vida pública nem do nível de influência e impacto que conseguem exercer a partir de seus respectivos postos”. Natalia Gherardi disse ao IPS que se o objetivo é incidir na maneira de administrar justiça, é preciso aportar elementos de juízo com viés de gênero a juízes e juízas, “para promover a defesa dos direitos das mulheres não tenho de buscar mulheres como aliadas, mas juízes e juízas capacitadas”.

Segundo a agência de notícias, a Comissão de Gênero da Defensoria Geral da Nação realiza um trabalho com esse objetivo. Todos os magistrados, defensores públicos, funcionários e empregados dessa instituição encarregada de proteger os interesses das pessoas devem participar de um curso de capacitação na perspectiva de gênero, realizado pela comissão mensalmente.

A esse respeito, o estudo da ELA diz que a questão da representação feminina não deve limitar-se a considerar a maior inclusão das mulheres como uma exigência básica de justiça ou democracia, mas que também devem ser atribuídas certas responsabilidades nos cargos públicos.

Referências:
PANDJIARJIAN, Valéria. Os Estereótipos de Gênero nos Processos Judiciais e a Violência contra a Mulher na Legislação. Disponível em:http://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br/pdf/Judiciario/Os_Estereotipos_deGenero_nos_Processos_Judiciais_e_a_violencia_contra_a_mulher_na_Legislacao.pdf
DIAS, Maria Berenice. A Mulher e o Poder Judiciário. Disponível em: http://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br/pdf/Judiciario/A_mulher_e_o_Poder_Judiciario.pdf
Reprodução de conteúdo autorizada desde que citada a fonte: Site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br

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