domingo, 21 de fevereiro de 2010

MULHERES COMO MERCADORIA - Entrevista com Priscila Siqueira

Andrea Miramontes - Folha Universal

A jornalista Priscila Siqueira, de 70 anos, coleciona histórias de mulheres que acabaram drogadas, escravizadas e prostituídas quando saíram do País em busca de trabalho.

Ela é uma das articuladoras da organização não-governamental (ONG) Serviço de Enfrentamento ao Tráfico de Mulheres e Meninas. “Na década de 90, quando falávamos disso, as pessoas achavam que eu era louca, que isso não existia”, diz.

Ela cita um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) que aponta: o Brasil é o País que mais exporta pessoas da América e que o tráfico humano para o trabalho escravo é a terceira maior fonte de renda ilegal do mundo, depois da venda de armas e drogas. “Um dono de um bordel no Canadá afirmou que prefere comercializar uma mulher, que pode ser revendida várias vezes até ficar louca, morrer de aids ou se matar”, afirma.

1 – Como ocorrre o aliciamento de mulheres?
Muitas não sabem que vão ser prostituídas, acham que vão cuidar de idosos, de bebês ou mesmo dançar em boates. Outras sabem. Mas a luta é contra a escravidão. Uma coisa é ser prostituta, outra é ser escrava.

2 – Como se tornam escravas?
As mulheres desembarcam no país e não falam a língua. Há alguém esperando no aeroporto que já toma o passaporte. Elas chegam com dívidas, pois os criminosos alegam que devem pagar documentação e passagem aérea. A ONG internacional Unanima, sediada em Nova York, descobriu que a dívida de cada uma delas equivale a 4,5 mil relações sexuais. E o valor só cresce, porque elas pagam para comer, dormir e tudo é cobrado. Muitas vezes eles drogam as meninas e ameaçam a família de morte, caso o débito não seja pago.

3 – Algum caso foi especialmente marcante?
O da Simone Borges Felipe, uma mãe solteira de Goiás. Com o noivo, decidiram ir para o exterior para juntar dinheiro por 1 ano, e então voltar e casar. Ele foi para os Estados Unidos e ela para a Espanha, com a promessa de emprego de babá. Três meses depois voltou o corpo, com um atestado de óbito por tuberculose. Os pais não aceitaram e foram atrás da história. Descobriram um bordel na Espanha, e nove brasileiras que foram libertadas contaram que eram obrigadas a se drogar e prostituir. Simone teria morrido de overdose.

4 – E como é o trabalho que você faz hoje?
Alertamos as meninas sobre esses convites, mas nem sempre conseguimos. Estive em Rondonópolis (MT), onde visitei um bordel, e topei com uma moça de 23 anos, lindíssima, que ia para a Espanha. Avisei: “Filha, você vai se dar mal”, e expliquei. Ela me respondeu: “Tenho um filho de 2 anos, sou pobre, tenho pais doentes, já estou me dando mal. Se a senhora fosse eu faria a mesma coisa.” Não consegui convencê-la. A miséria ajuda o esquema.

5 – De quais regiões do Brasil saem mais mulheres?
As regiões que mais enviam mulheres são o Nordeste, também rota de turismo sexual, e o Centro-Oeste, de onde saem mulheres de biotipo que agrada no exterior. São vistas como mercadorias.

6 – E os países que mais enviam essas mulheres?
Os piores estão na América Latina, Ásia e África. O leste europeu também ficou um horror depois da queda da União Soviética. Os principais consumidores são Europa, Japão e Estados Unidos. É o eterno ciclo do rico e do pobre.

7 – O Brasil só exporta ou recebe pessoas?
Também recebe. Aqui chega mão de obra escrava para a indústria da confecção, que vem principalmente da Bolívia, Coreia, Paraguai, Uruguai e Peru. Há casos em que os patrões também exploram sexualmente as funcionárias, como o de uma moça que conseguiu fugir e relatou que trabalhava numa confecção para um boliviano que tinha relação sexual com todas as mulheres do local.

8 – Qual o perfil da aliciada?
Tem pouca escolaridade, de 15 a 25 anos, mas para o tráfico interno há meninas de até 8 anos. A pedofilia piora tudo. O homem quer retomar o poder sobre o sexo feminino e, como não consegue com a mulher adulta, busca crianças.

9 – Como isso acontece com as crianças?
São pegas na marra, em qualquer lugar. Quando some uma menina, geralmente a família nunca mais vê. A fundadora da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD), perdeu a filha de 13 anos quando a menina foi comprar pão. Nunca mais voltou. Ao prestar queixa do desaparecimento, recebeu ameaças de pessoas que diziam saber que ela tinha outra filha.

10 – Como é a recuperação da mulher que consegue fugir?
Passa por tratamento psicológico, às vezes muda de identidade e endereço. Muitas nunca se recuperam. Teve uma moça da Bahia que se prostituía na Suíça. Certa vez, recusou-se a fazer um programa. O cliente não gostou, chamou a polícia e afirmou ter sido roubado. Ela acabou presa, pois era a palavra de um suíço contra a de uma brasileira negra, que mal falava a língua. Encontraram-na 2 meses depois em um sanatório na Suíça. Conseguiram trazê-la de volta, mas já havia enlouquecido.

Leia mais: http://www.feminismo.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=736:mulheres-como-mercadoria-entravista-com-priscila-siqueira&catid=1:direitos#ixzz0gEtEG5fj Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial

Sáb, 20 de fevereiro de 2010 14:22 Administradora

Nenhum comentário: