quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Mulheres podem ter papel decisivo nas negociações sobre o clima

Após as negociações frustradas da Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP-15), que aconteceu em Copenhague, na Dinamarca, em dezembro, as mulheres podem assumir um papel decisivo para reverter um visível caos climático. As discussões não avançaram como era esperado devido a divergências entre o índice de redução de gases que causam o efeito estufa por parte de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Teme-se que a diminuição de poluentes afete o desenvolvimento econômico e traga consequências indesejáveis, como recessão e desemprego.

Entretanto, como afirmou recentemente o “Relatório sobre a Situação da População Mundial 2009 – Enfrentando um Mundo em Transição: Mulheres, População e Clima”, elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), “a mudança do clima é mais do que uma questão de eficiência energética ou de emissões industriais de carbono; trata-se, também, de uma questão de dinâmica populacional, pobreza e equidade entre os gêneros. A influência da mudança do clima sobre as pessoas também é complexa, motivando migração, destruindo meios de subsistência, transtornando economias, comprometendo o desenvolvimento e exacerbando desigualdades entre os sexos”.

As mulheres, principalmente aquelas que residem em países pobres, serão afetadas de um modo diferente em comparação aos homens, segundo o relatório. “Elas estão entre os mais vulneráveis à mudança do clima, em parte porque, em muitos países, elas constituem a maioria da força de trabalho agrícola e, em parte, porque tendem a ter acesso a menos oportunidades de geração de renda. As mulheres administram domicílios e cuidam dos membros de suas famílias, o que muitas vezes limita sua mobilidade e aumenta sua vulnerabilidade a desastres naturais relacionados ao clima. A seca e a pluviosidade errática obrigam as mulheres a trabalhar mais arduamente para obter alimentos, água e energia para suas casas. As meninas deixam de frequentar a escola para ajudar suas mães nessas tarefas. Esse ciclo de privação, pobreza e desigualdade compromete o capital social necessário para lidar efetivamente com a mudança do clima”.

O texto conclui que a influência do gênero na resiliência – isto é, na capacidade de recuperação de impactos da mudança do clima – é uma consideração importante para o desenvolvimento de intervenções destinadas à adaptação, bem como que as diferenças de gênero relacionadas à adaptação refletem os padrões mais amplos de desigualdade estrutural entre os gêneros. Apesar de mulheres, jovens, idosos, povos indígenas e outras minorias serem os mais vulneráveis, são os que recebem menos apoio e muitas vezes são excluídos de participação nas respostas coletivas das sociedades à adversidade.

As mulheres rurais são um exemplo citado pela UNFPA. Como estão mais próximas dos recursos naturais em proporção direta a sua pobreza, costumam ter mais consciência de que as ações de sua comunidade ou mesmo as suas próprias podem causar degradação ambiental local. Portanto, experiências de mulheres camponesas e indígenas podem ser usadas como boa prática não apenas em suas comunidades, mas a nível global, estimulando trabalhos sustentáveis em inúmeras outras localidades.

E o mundo já testemunhou o poder feminino em adotar ações que contribuem para a redução dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. Wangari Maathai recebeu o Prêmio Nobel da Paz por toda uma vida de ativismo ambiental que começou mediante a mobilização de mulheres para plantar milhares de árvores em solos desmatados e degradados do Quênia. Na Índia, o movimento Chipko obteve a participação de mulheres já na década de 1970, para proteger as florestas e seus próprios direitos à silvicultura ao se darem as mãos e os braços em torno às árvores, dissuadindo madeireiros incumbidos de derrubá-las. O movimento levou a grandes reformas das leis de silvicultura da Índia, resultando em uma maior cobertura florestal hoje (e, portanto, mais carbono nas árvores e menos na atmosfera).

Estudo sobre desmatamento, atividade desempenhada majoritariamente por homens e responsável por uma proporção substancial de todas as emissões de dióxido de carbono, constatou que uma alta presença de organizações não-governamentais de mulheres em países de baixa renda pode ajudar a proteger as florestas da destruição. ONGs também têm documentado modelos inspiradores de mulheres e homens atuando contra os estereótipos. “Pais que ficam viúvos após desastres às vezes passam a cuidar ativamente de seus filhos e até se mudam de casa para estar próximos da escola deles. Alguns programas de compensação oferecem recompensas financeiras aos homens por se absterem do consumo de bebidas alcoólicas durante a recuperação pós-desastre, atenuando com sucesso a pobreza secundária das mulheres e sua vulnerabilidade a maus tratos conjugais”.

Portanto, uma mudança de política para “uma capacitação mais proativa” faz-se necessária a fim de reduzir a desigualdade entre os sexos. Há uma crescente influência da sociedade civil global, permitindo que as mulheres desempenhem um papel muito mais amplo na tomada de decisões no âmbito das Nações Unidas, mediante a criação de canais alternativos às delegações nacionais dominadas por homens. Dessa forma, por meio desses novos canais, as mulheres ativistas têm aplicado uma lente de gênero a algumas das questões mais urgentes de nossos tempos, trazendo sua perspectiva e agregando suas experiências de vida de modo a influenciar a maneira como essas questões são entendidas e tratadas.

Atualmente, as mulheres raramente constituem mais do que 15% dos autores dos relatórios de avaliação climática e “as vozes das mulheres precisarão ser fortes e ouvidas, vindas de conselhos tribais, passando pelos ministérios de energia dos países até os corredores das Nações Unidas”, afirma o relatório da UNFPA.

“A maior participação das mulheres na questão do clima - seja como cientistas, seja como ativistas comunitárias ou negociadoras em conferências das partes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática - só pode favorecer a resposta da sociedade à mudança do clima ao agregar-se à diversidade de perspectivas sobre como abordar o desafio que ela representa. Essa participação, por sua vez, pode ser fomentada mediante a melhoria da igualdade legal e social das mulheres com relação aos homens e seu igual gozo de direitos humanos, inclusive o direito à saúde sexual e reprodutiva e a determinação de ter filhos e quando os ter”, recomenda a UNFPA. “Dar autonomia às mulheres, garantindo-lhes acesso aos recursos e às informações de que precisam para tomarem decisões apropriadas sobre o manejo de recursos é, portanto, fundamental para o desenvolvimento sustentável”.

O “Relatório sobre a Situação da População Mundial 2009 – Enfrentando um Mundo em Transição: Mulheres, População e Clima” e o “Caderno de População – As Mulheres e o Clima” estão disponíveis na seção de “Estudos e Pesquisas” do site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br

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