sábado, 27 de setembro de 2008

Mulheres nas Eleições Municipais V – Especial Sul

Por Patrícia Rangel,
Cientista política e consultora do CFEMEA

A sub-representação feminina é um problema amplamente conhecido e divulgado. Muito se falou sobre a baixa presença de mulheres em assembléias legislativas, em grande medida devido ao trabalho da União Inter-parlamentar (IPU), órgão vinculado à ONU que monitora a participação de mulheres nos parlamentos de democracias do mundo todo.

O que dizer sobre a presença de mulheres em cargos legislativos em nosso país? O Brasil é sempre o lanterninha do ranking regional. Em nível federal e estadual, elegemos só 14,8% dos senadoras, 8,7% dos deputadas federais e 11,6% deputadas estaduais, em 2006. Em nível local, somente 12,6% de vereadoras saíram das eleições de 2004.

Neste ano, como nas eleições anteriores, as mulheres são minoria das candidaturas das eleições municipais (21.2%), apesar de serem maioria do eleitorado (51.7%). No Sul do Brasil, não é diferente: a porcentagem de mulheres é 51.4% no eleitorado e 20% nas candidaturas aos cargos de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a (7.76% dos candidatos/as a prefeito/a). Vale lembrar que o sul tem a menor média de candidaturas no geral: de acordo com dados atualizados do TSE, o Norte tem 22%, o Sudeste tem 21.7%, o Centro-Oeste tem 21.4%, o Nordeste tem 21.3% e o Sul, 20%.

Nos estados da região, o padrão se reproduz: no Paraná, as mulheres são 51.3% do eleitorado e 20% das candidaturas (8.5% dos candidatos a prefeito); no Rio de Grande do Sul, 51.8% e 20,3% (7,5% das candidaturas a prefeito) respectivamente; e em Santa Catarina, 50,8% e 18.6% (6.9% dos/as candidatos/as a prefeito).

Foco: mulheres candidatas às Câmaras Municipais

As mulheres vereadoras são mais numerosas e começaram a assumir o cargo bem antes do que deputadas e senadoras. A primeira vereadora na capital gaúcha (Julieta Battistioli), por exemplo, assumiu em 1948. Nas eleições municipais de 2008, o Sul tem uma média de mulheres candidaturas ao cargo de vereador/a de 21%. No Paraná, as mulheres são 21.3% dos/as candidatos/as a vereador/a; no Rio Grande do Sul são 21.5%; e em Santa Catarina, 19.7%.

Aos vereadores e vereadoras cabem as funções de representar interesses da população em geral, aprovar leis assegurando o desenvolvimento da coletividade, participar de discussões sobre orçamento, fiscalizar e controlar gastos públicos, avaliar ações da prefeitura. A implementação de legislação e programas essenciais para mulheres depende da ação do município. Daí a importância das eleições municipais e da presença feminina as assembléias municipais.

Apesar de ser relativamente mais acessível às mulheres, conquistar um cargo de vereador é especialmente difícil para mulheres, sobretudo mulheres negras, pobres ou jovens. Mariana Carlos, 22 anos, é candidata a vereadora em Cachoeira do Sul (RS) pelo PT, e contou-nos um pouco sobre as funções dos/as vereadores/as e as dificuldades de ser uma jovem candidata. Mariana argumenta que embora não seja da alçada de um/a vereador/a executar as políticas públicas, é sua obrigação cobrar que a prefeitura faça. Além disso, o/a legislador/a pode, dentro e fora da Câmara, suscitar o debate sobre gênero e a importância de políticas voltadas para as mulheres, além de ficar atento ao cumprimento das leis, principalmente com relação à Lei Maria da Penha, e instruir a população sobre a lei e sua aplicação. Através de um mandato também é possível buscar recursos para a viabilização de oficinas em escolas que debatam questões de gênero e educação sexual. Também no Conselho Municipal da Mulher, os legisladores podem propor projetos.

Porque as mulheres participam pouco da política partidária?

A primeira barreira à participação política feminina já aparece em casa. Em uma sociedade enraizada em valores excludentes, a educação acaba sendo contaminada pelo sexismo ainda na mais tenra infância. Em geral, as meninas crescem condicionadas a pensar que são diferentes dos meninos, que não têm as mesmas qualidades, que não podem se envolver em certos tipos de atividades “masculinas”.

Em relação à divisão sexual do trabalho, as mulheres têm dificuldades para se envolver em atividades políticas por conta da dupla jornada de trabalho (trabalho remunerado e cuidados com a casa), que absorve das mulheres tempo e energia. A militância político-partidária implicaria numa tripla jornada de trabalho.

Mariana destaca que sua educação foi fora do padrão, o que a permitiu ter contato com a política desde pequena e ser incentivada a participar do movimento estudantil. Ela consegue driblar os problemas gerados pela tripla jornada de trabalho por ser solteira, morar com os pais e ainda não ter começado a trabalhar fora.

Um fator bastante apontado por estudiosos para explicar a baixa representação feminina é a resistência e falta de apoio dos partidos políticos, que dão preferência para candidatos com uma trajetória já consagrada (e esses geralmente são homens, brancos, de meia idade, urbanos, heterossexuais, etc). Por conta disso, as mulheres acabam tendo menos espaço, menos recursos para financiamento de campanha e menos apoio moral.

Mariana relata ter encontrado dificuldades em legitimar atuação por ser mulher e jovem, tendo que falar alto para ser escutada em determinadas ocasiões. A candidata chama atenção para o fato de que, na política partidária, as mulheres participam mais nos bastidores, enquanto que os homens assumem cargos de direção e aparecem mais facilmente como candidatos a cargos eletivos. Em relação aos eleitores a dificuldade também aparece, sendo necessário reafirmar constantemente sua trajetória como militante e sua formação acadêmica para ser aceita como uma figura política. Ela diz ter ouvidos coisas do gênero: “nunca votei em mulher, você será a primeira”, “você é muito nova, não tem experiência”, “político tudo é tudo ladrão, mas mulher rouba menos”.

Resta ressaltar que a sub-representação política feminina é transpassada por um sistema de exclusão que se expressa em diversas formas de marginalização, sobretudo econômica e racial. As mulheres não são excluídas dos espaços de decisão não só por serem mulheres, mas por serem maioria da população pobre e por não serem, em grande medida, pertencentes ao grupo étnico dominante. São marginalizadas por serem negras, por estarem na base da pirâmide social, por não terem recursos e influência.

Para Mariana, seria ótimo se existissem mais mulheres, mais negros e cidadãos de grupos populares na política por uma questão de representação. Mas não basta a presença, afirma ela, é necessário comprometimento por parte desses políticos com a promoção de políticas anti-discriminatórias. Senão, eles reproduzem os padrões sexistas de se fazer política.

Ainda que a desigualdade de gênero, por si só, fosse totalmente suplantada e conquistássemos paridade de participação entre mulheres e homens nos cargos políticos, a cara do poder continuaria branca, urbana, proprietária, cristã. Não queremos assembléias legislativas compostas metade por homens e metade por mulheres igualmente proprietários, igualmente brancos, igualmente provenientes das mesmas famílias que detém o poder há séculos, portadores de valores tradicionais e excludentes, representantes de um sistema político bem construído e bem armado, articulado para excluir. São 500 anos atuando e encontrando meios para se manter. O sistema consegue sobreviver pois é fluido, mutante, por ter alta capacidade de adaptação.

É preciso transformar o poder, transformar o sistema político para incluir as demandas e necessidades dos setores excluídos. Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade, é preciso luta para democratizar o poder, não só por mudanças específicas. É necessário mudar o poder inteiro. A reforma proposta pelos movimentos sociais tem como intuito modificar esse sistema. Que o poder de decisão esteja cada vez mais na base. Que o debate sobre a reforma política ganhe as ruas.

Nenhum comentário: