sábado, 27 de setembro de 2008

Mulheres nas Eleições Municipais I – Especial Nordeste

Por Patrícia Rangel,
Cientista Política, consultora do CFEMEA

Desde os primórdios da história, as mulheres nordestinas são conhecidas por sua fibra e coragem. Alagoas é terra de Almerinda Farias Gama (primeira mulher negra a ganhar espaço na política do país como delegada na eleição dos representantes classistas para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933), a Bahia abrigou Maria José de Castro Rebelo Mendes (a primeira mulher a ingressar no Itamarati, em 1918). No Ceará, tivemos Rachel de Queiroz (escritora de destaque na ficção social nordestina e primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras), no Maranhão, Maria Firmina dos Reis (considerada a primeira romancista brasileira) e na Paraíba, Margarida Alves (líder da luta pelo direito de cultivar a terra).

Pernambuco foi o berço das primeiras advogadas do Brasil (Maria Fragoso e Maria Coelho e Belmira Secundina da Costa) e o Sergipe, da primeira mulher a integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Maria Rita Soares de Andrade). O Rio Grande do Norte, terra Nísia Floresta (poetisa e pioneira do feminismo) e de Alzira Soriano (primeira prefeita da América Latina, eleita em 1927), foi o primeiro estado a legalizar o voto feminino no país, em 1927 (em âmbito nacional, o sufrágio de mulheres só foi estabelecido pelo Código Eleitoral de 1932 e incorporado à Constituição Federal em 1934. Contudo, a obrigatoriedade plena do voto para todas as mulheres nos mesmos termos que para os homens só foi instituída pela constituição de 1946.)

Nas próximas eleições municipais, a serem realizadas em outubro, as mulheres nordestinas mais uma vez se destacam, tanto como eleitoras quanto como candidatas. Dos 130.603.787 de eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 35.373.148 (27%) estão no nordeste. Esta é a segunda região com maior quantidade de votantes, só perdendo para o Sudeste, que tem 56.915.973 de eleitores (43,5%). Dos 35.373.148 votantes da região, 18.424.915 ou 52% são mulheres. Entre os 4 estados com eleitorado feminino mais expressivo (mais de 52% de mulheres), dois estão no Nordeste: Ceará e Pernambuco (os outro são Rio de Janeiro e São Paulo). Infelizmente, apesar de maioria do eleitorado, as mulheres são minoria do/as candidato/as. Na média nacional, as mulheres são 21,2% do total de candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as (10,3% das candidaturas a prefeito e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador). No nordeste, a média é de 21,1%: do/as 106.601 candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as na região, 22.580 são mulheres (dados preliminares do TSE de julho de 2008). Lá, entre o/as 5.018 candidato/as a prefeito/a, 669 são mulheres (13,3%) e 21.016 do/as 96.492 canditato/as a vereador/a (21,7%).

Apesar de não possuir o maior percentual de candidatas no geral (Norte tem 21,8%, Sudeste tem 21,6%, o Centro-Oeste tem 21,3 %, o Nordeste tem 21,1% e o Sul, 19,9%), o Nordeste vivencia um fenômeno, no mínimo curioso: a região concentra 28 dos 41 (68,2%) municípios brasileiros onde só mulheres disputam prefeitura (o número ainda pode ser alterado, pois esses são dados preliminares dos pedidos de registro de candidaturas na Justiça Eleitoral). O líder nacional é a Paraíba, com 7 cidades. Depois, vêm São Paulo, com 5; seguem Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte, com 4 cada um; Alagoas e Minas Gerais, com 3 cidades cada; Ceará e Maranhão, com 2 cada; Espírito Santo, Goiás, Paraná, Pará, Pernambuco, Sergipe e Tocantins, com 1 cidade cada um. Ou seja, dos 16 estados que possuem municípios com candidaturas à prefeitura unicamente femininas, 9 são nordestinos. Considerando que a região Nordeste é formada por 9 estados, ela é a única região na divisão política do Brasil na qual 100% dos estados possuem municípios nos quais só mulheres disputam prefeitura. Contudo, nove dos 26 estados não terão uma candidatura feminina na disputa da prefeitura na capital, e Bahia e Maranhão estão nesse grupo (os outros são Acre, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Roraima).

Bahia: só mulheres disputam a prefeitura em quatro municípios.

Neste artigo daremos destaque à Bahia, que tem 5.640 mulheres candidatas a vereadora (21% do total de 26.844 candidato/as) e 141 a prefeita (10,9% dos 1.282). Do total de candidatos a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, elas são 20,3%. No estado, o PT é o partido que tem mais candidatas a vereadora (610 candidatas), seguido do PMDB (547) e do DEM (425) (Em âmbito nacional é o PMDB que tem o maior número de candidatas - 8.464 -, seguido do PT - 7.287 - e do PSDB - 6.848). Em algumas cidades da Bahia, há maioria de mulheres candidatas, o que inverte a lógica das eleições em âmbito nacional. Em Novo Triunfo, cidade de 14 mil habitantes localizada a 334 km de Salvador, 18 das 33 candidaturas registradas para vereador/a (54%) são mulheres.

Em Caraíbas, na região Sudoeste, que tem 10.541 mil habitantes, só há mulheres concorrendo à vaga de prefeito. O fenômeno das candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura se repete em Baianópolis, Dias D'Ávila e Madre de Deus (neste, a prefeitura é ocupada por mulheres há quase 10 anos). A Região Metropolitana de Salvador, que é responsável por 48% do PIB da Bahia e onde residem quase 4 milhões pessoas, possui uma presença feminina relativamente forte nas prefeituras: dos 12 municípios da região, 5 são administrados por mulheres (Candeias, Madre de Deus, Dias D‘Ávila, Lauro de Freitas e São Sebastião do Passé). Na região metropolitana, as candidatas a prefeita são 37,5% do total, bem superior à media nacional (10%). Lá, somente Salvador e Vera Cruz não possuem têm candidatas a prefeita este ano.

Ainda assim, estamos longe de presenciar um triunfo feminino na política baiana: são apenas 141 candidatas contra 1.137 candidatos a prefeito/a. Em outras palavras, as mulheres são 10,9% do/as candidato/as, apesar de serem 51,8% do eleitorado. E na capital, todos os candidatos a prefeito são homens. Quando falamos do total de candidato/as (prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador-a), elas são 20,3%, o que ainda é pouco para o grupo que representa a maioria dos eleitores.

Além das desigualdades entre os sexos, outro fator que tem papel central na exclusão dee certo/as indivíduo/as do jogo político é a raça. As mulheres negras, com menor escolaridade, menor renda, piores condições de moradia e trabalho, claramente enfrentam barreiras maiores para concorrer a um cargo político do que as mulheres brancas. Elas sofrem uma discriminação potencializada na empreitada eleitoral: sofrem por ser mulher, sofrem por ser negra. Na Bahia, estado com uma das maiores populações negras do país, chama a atenção que a maioria esmagadora do/as eleito/as sejam branco/as.

Panorama das candidaturas femininas na região Nordeste

Em Alagoas, onde 52,4% do eleitorado é feminino, 1.474 d@s 6.570 candidato/a (22,4%) que concorrem a cargos nas eleições são mulheres: 52 disputam o cargo de prefeito/a (16,7%), 58 o de vice-prefeito/a (18,2%) e 1.364 concorrem à Câmara de Vereadores (29,8%). Ainda muito inferior ao número de homens, a quantidade de mulheres que participam da disputa eleitoral nos 102 municípios do estado cresceu. No Ceará, estado onde 52.3% do eleitorado é composto por mulheres, as candidatas são 21,17% do total (elas são 11.244 num universo de 2.381 candidato/as). Deste total, 516 se candidatam à prefeitura (66 ou 12,7% são mulheres) e 10.203 concorrem a um cargo de vereador/a (2.219 mulheres, ou 21,7%). Apesar do número de candidatas estar bem próximo à media nacional, o Ceará possui uma particularidade: das capitais brasileiras, somente Fortaleza possui uma mulher à frente da prefeita (Luizianne Lins). Nestas eleições, o/as principais candidato/as à prefeitura da capital são mulheres: a própria Luizianne Lins (PT) e Patrícia Saboya (PDT).

No Maranhão, como na maior parte dos estados brasileiros, as mulheres representam maioria do/as eleitores/as e minoria das candidaturas: são 50.9% do eleitorado e 23,6% do total de candidaturas (prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a). Ou seja, o índice de candidaturas femininas supera a média nacional (21,2%). No Estado, as mulheres são 19,4% do/as candidato/as a prefeito/a e 24,2% do/as candidato/as a vereador/a, enquanto no Brasil como um todo, elas são 10,3% das candidaturas a prefeito/a e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador/a. Na Paraíba, as mulheres são 52.6% do eleitorado e 21,15% do total de candidaturas. São 566 candidato/as a prefeito/a, dos quais 88 (15,5%) são mulheres, e 8.653 candidato/as a vereador/a, dos quais 1.882 (21,7%) são mulheres. O Estado é o campeão nacional de cidades com candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura. As mulheres dominaram as eleições nas cidades Barra de São Miguel, Caturité, Guarabira, Mato Grosso, Nova Olinda, Pilar e Pombal. A Paraíba tem ainda 70 outras cidades nas quais há pelo menos uma mulher concorrendo à prefeitura. Apesar de interessante, o fenômeno está longe de ser um recorde. São sete cidades num universo de 223 municípios paraibanos. Além disso, não há sequer uma mulher na disputa pela prefeitura em outras 146 cidades do estado. E na Câmara de João Pessoa, a bancada feminina é atualmente composta por somente um vereadora (Paula Fraissinete, do PSB).

Já em Pernambuco, as mulheres são 52.8% do/as eleitores/as e 20% das candidaturas. Na disputa das prefeituras, elas são 10,8% (55 do/as 507candidato/as) e, na Câmara de Vereadores, 20,5% (2.613 em 12.695). No Piauí, por sua vez, a situação é um pouco mais desanimadora que na Paraíba e em Pernambuco. São 1.614 mulheres num total de 8.513 candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, Ou seja, 18,9% de candidatas num Estado em que 51.2% do eleitorado é feminino. Em relação às candidaturas para a prefeitura, as mulheres são 13,1% (72 num universo de 548) e, em relação aos que concorrem ao cargo de vereador/a, elas são 19,4% (1.444 em 7.417). No Rio Grande do Norte, temos 52% de eleitorado feminino e 21,9% de candidaturas femininas. São 52 (em 406) candidatas a prefeita (12,8%) e 1.438 (em 6.323) a vereadora (22,74%). Na disputa pela prefeitura da capital do Rio Grande do Norte, há uma mulher na liderança da corrida eleitoral (Micarla de Souza, do PV, com 54% das intenções de voto, de acordo com última pesquisa Ibope) e no segundo lugar (Fátima Bezerra, no PT). No Sergipe as mulheres são 52.1% do/as eleitores-as e 22,6% do/as candidato/as. Elas são 33 do/as 207 (15,94%) candidato/as a prefeito/a e 979 do/as 4.259 (22,98%) candidato/as a vereador/a.


Ranking dos estados nordestinos – candidaturas femininas
Estado
% de candidaturas femininas (prefeito/a, vice e vereador/a)
% de mulheres no eleitorado
Maranhão
23,6%
50.9%
Sergipe
22,6%
52.1%
Alagoas
22,4%
52,4%
Rio Grande do Norte
21,9%
52%
Bahia
20,3%
51,8%
Ceará
21,17%
52.3%
Paraíba
21,15%
52.6%
Pernambuco
20%
52.8%
Piauí
18,9%
51.2%
Fonte: produção própria, com base em dados do TSE (julho de 2008).

O que os dados nos dizem?

O que todos esses números absolutos e porcentagens nos mostram é que, mais uma vez, as mulheres são sub-representadas nas candidaturas e nos cargos do Legislativo e no Executivo (em todos os níveis) do país. No nordeste não é diferente. Mesmo concentrando a maior parte dos municípios com candidaturas à prefeitura exclusivamente feminina (e tendo, em 100% dos estados, algum município nessa condição), a região possui 52% de mulheres no eleitorado e somente 21,1% nas candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as. Ou seja, há um grave problema de representação dessas mulheres no país e na região. E a baixa representação feminina não diz respeito às mulheres somente, diz respeito a homens e mulheres. As eleições de outubro, então, se apresentam como possibilidade de transformação desse quadro desigual. A relevância dos pleitos municipais para as mulheres é enorme, uma vez que a implantação de uma série de leis e programas voltados para elas depende da ação do município. É o caso da lei Maria da Penha.

As mulheres nordestinas, portanto, devem lançar mão de toda a sua fibra e coragem nessas eleições para eleger não só mais mulheres, e sim mais mulheres com consciência de sua situação de marginalização e dispostas e fortalecer a solidariedade com base na idéia que a desigualdade é estrutural e que todas as soluções para esse problema devem ser coletivas, e não individuais. É preciso haver a combinação de uma política de presença (mais mulheres) com uma política de idéias (consciência de gênero, fim da desigualdade, aprofundamento da democracia). Os homens também precisam se envolver ativamente nessa empreitada, uma vez que a desigualdade entre os sexos é uma questão que também tem a ver com eles e que atingem a sociedade e a democracia como um todo. A democracia não é só uma declaração de direitos, é um modo de viver da sociedade, de se organizar, é um valor universal e permanente. É um compromisso cotidiano, que interessa à maioria e precisa ser monitorada. A ação dos governos precisa ser mais democrática, as mulheres precisam ser mais representadas, e para isso é necessário haver participação popular. Portanto, em se falando de democracia representativa, é preciso que as nordestinas se unam em uma mobilização em prol das candidaturas femininas.

Não adianta, entretanto, votar em uma candidata que, depois de “chegar ao poder”, reproduza as lógicas masculinas e os valores conservadores na democracia representativa, danço longevidade à dominação dos homens. As mulheres que se tornam representantes de outras mulheres têm de estar comprometidas com a mudança da cultura política, não podem reproduzir os modelos androcêntricos de fazer política, sem levar em conta a necessidade de mudanças estruturais. Os representantes homens, por sua vez, possuem a obrigação de trabalhar em prol da extinção de um sistema que os beneficia utilizando a discriminação e a marginalização da mulher. É necessário pensar então uma nova forma de poder, porque ele é hoje masculino, branco, proprietário, heterossexual, cristão, urbano. Daí a necessidade de reformar o sistema política brasileiro, de modo a torná-lo mais inclusivo e democrático. As mulheres e os homens do Nordeste, portanto, devem estar atent@s nessas eleições, além da inclusão de mais mulheres em cargos políticas, para as candidaturas que têm mostrado disposição e interesse por essa transformação. Os partidos políticos, por sua vez, devem abandonar o discurso da apatia feminina e começar a fornecer os estímulos materiais e morais para que as mulheres sintam-se seguras e respaldadas para se lançar numa aventura eleitoral. Isso porque, apesar de os partidos afirmarem que faltam candidatas para preencher as cotas, é sabido que, entre as principais causas para a sub-representação feminina na democracia representativa, está a resistência dos partidos e a falta de incentivo por parte deles. Todo/as precisam abraçar a causa da reforma e participar ativamente desse processo, organizado/as e politizado/as. Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade entre os sexos, é preciso mudar o poder inteiro.

Nenhum comentário: