domingo, 24 de maio de 2009

América Latina: “Leis de cotas têm ótimos resultados”

Mulheres na Política
Sex, 17 de Abril de 2009 15:17
Por Daniela Estrada, da IPS

Santiago, 17/04/2009 – As leis que estabelecem pisos mínimos de candidaturas femininas nas listas eleitorais estão permitindo mais mulheres eleitas, contribuindo para o poder de gênero e propiciando mudanças culturais, disse à IPS a chilena Marcela Rios, editora de um livro a questão em profundidade. Mas, “as cotas” não resolvem todos os problemas, destacou Rios, que cursou magistério e doutorado em ciência política na Universidade de Wisconsin (EUA) e também é autora de vários livros e artigos sobre gênero e política, movimentos sociais e democratização na América Latina.

“Mulher e política. O impacto das cotas de gênero na América Latina”, de 250 páginas e do qual Rios é a editora, foi lançado no último dia 15 pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) do Chile e pelo Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral. Os mecanismos de afirmação positiva – como leis de cotas, cadeiras ou cotas nos partidos políticos – buscam acelerar o processo de incorporação das mulheres nas esferas de poder político. Um elemento indispensável para melhorar “a qualidade das instituições” e “legitimar a democracia”, disse Rios.

IPS- Qual a situação da América Latina em matéria de representação feminina em cargos eleitos popularmente?
MR- Na América Latina, pelo menos no poder Legislativo, temos pouco mais de 20% de mulheres. Estamos levemente acima da média mundial de 18% e somos uma das regiões, depois da Europa, melhor posicionadas nesse tema. Houve um importante avanço, mas, desigual. A região não aumentou a representação das mulheres no mesmo ritmo. Há países onde o aumento foi impressionante na última década, o que fez subir a média regional.

IPS- Quais fatores impedem que continue melhorando?
MR- Há uma mescla de fatores. O que vemos é que tudo que se relaciona com o contexto regulatório eleitoral tem um papel-chave: os tipos de sistemas eleitorais e de listas, a existência ou não de cotas. Tudo isso incide fortemente em abrir ou fechar possibilidades às mulheres.

Outro fator-chave é o papel dos partidos políticos. Nos países onde os partidos se abriram efetivamente e promoveram iniciativas de inclusão, de cooperação, para aumentar a presença das mulheres, temos experiências muito positivas. Mas, os partidos também funcionam como tampões em muitas nações.

Um terceiro fator são os problemas que enfrentam as próprias mulheres. Na medida em que continuam sendo responsáveis por todo âmbito reprodutivo e têm uma sobrecarga de trabalho, se dedicar à política é muito difícil. Há um tema de conciliação entre o âmbito público e privado que também afeta a presença de mulheres na política.

IPS- Após 16 anos da implementação na Argentina da primeira lei de cotas e com outros 10 países com leis semelhantes e cotas que variam de 20% a 40%, qual é o balanço. Estes mecanismos de afirmação positiva na região funcionam?
MR- Em termos globais, as cotas tiveram muito êxito em aumentar a quantidade de mulheres eleitas na região. Em todos os países, com a única exceção do Brasil, as cotas tiveram um efeito muito importante. O resultado foi muito alto na Argentina, na Costa Rica, no Peru e crescentemente em Honduras e Equador. Nestes países o efeito foi mais forte porque foram incorporadas mais mulheres e mais rapidamente. Isto tem a ver como estão projetadas as cotas e como estas se encaixam nos sistemas eleitorais.

IPS- Com quais sistemas eleitorais e tipos de listas, abertas ou fechadas, as leis de cotas mostram melhores resultados?
MR- Toda literatura diz, e o livro também confirma isso, que as cotas funcionam melhor em sistemas de representação proporcional, quando a magnitude dos distritos é maior e as listas são fechadas. A isso se acrescenta a aplicação de sanções. Esse é o melhor cenário e isso é o que ocorre na Argentina e na Costa Rica.

IPS- Em geral, os partidos cumprem estas leis?
MR- Os partidos cumprem as cotas quando se trata de leis, com sanções. Nos casos onde a cota não é uma obrigação, a tendência e evitá-las. Isso acontece em muitos países onde os partidos adotam cotas voluntárias, como no Chile. No Brasil existe uma lei de cotas que não é cumprida por não haver sanções. Também é o caso da Nicarágua. Isto diferencia fortemente a América Latina da Europa, onde uma grande quantidade de países não tem leis eleitorais de cotas, mas os partidos se autoimpuseram cotas voluntárias e as cumprem. Então, não é preciso uma lei.

IPS- As leis de cotas são decisivas para o poder da mulher?
MR- É um tema complexo. Parece-me que o processo de debate e aprovação, no processo político gerado em torno das leis de cotas, sem dúvida proporciona poder. A experiência na América Latina mostra que as cotas foram aprovadas onde se conseguiu estabelecer fortes vínculos entre os movimentos de mulheres e as mulheres que estão dentro dos partidos. Essa estratégia de aliança entre mulheres é muito forte para tornar visíveis os problemas de discriminação de gênero e para que no longo prazo seja possível sustentar certas agendas de gênero. Mas, existe todo um debate sobre o quanto incide a presença de mulheres (nos cargos de poder político) na promoção de uma agenda de gênero.

As cotas, como mecanismo de ação positiva, estão orientadas fundamentalmente para resolver a questão da exclusão da mulher enquanto presença e enquanto puder exercer em igualdade de condições um direito civil que é o de poder ser eleita. As cotas também buscam incidir na formação das listas dos partidos. Assim, como mecanismo, não resolve outros múltiplos problemas que têm a ver com a qualidade da política e a oferta dos partidos aos eleitores e nem garante que determinados temas estarão na agenda.

O que ocorre, e assim demonstra a evidência, é que enquanto mais mulheres tiverem espaços de deliberação mais possível será tratar e abordar os temas de desigualdade de gênero. Se legisla e se debate mais sobre certos temas, mas isso não e o mesmo que dizer que as cotas resolvem o problema da representação dos interesses das mulheres. Creio que as cotas colaboram e são uma condição necessária, mas não suficientes.

IPS- Quais obstáculos as políticas enfrentam para exercer sua função representativa?
MR- As mulheres, uma vez em cargos de poder, continuam enfrentando discriminação em relação aos seus colegas homens. Em muitos países, porque são poucas, a tendência é relegá-las a temas que somente estejam vinculados ao que tradicionalmente se entende como universo feminino. Então, muitas vezes as parlamentares têm dificuldades para integrar comissões como as de Defesa ou Economia, ou para exercer cargos de poder dentro das estruturas parlamentares.

No caso da Argentina, as pesquisadoras do livro mostram que as mulheres têm muitas dificuldades para presidirem as comissões no Congresso. Também há um tratamento diferenciado por parte da imprensa. As mulheres são permanentemente questionadas e interpeladas sobre coisas que jamais seriam perguntadas aos homens. Há uma preocupação permanente da mídia pela aparência física das mulheres políticas: se estão gordas ou magras, bem vestidas, bem penteadas, se são bonitas ou feias, se têm companheiro ou não, se têm filhos ou não. Então, as mulheres sofrem uma pressão adicional ao já complexo exercício do poder.

IPS- Você considera que as leis de cota permitiram mudanças culturais? Sensibilizaram a dominante liderança política sobre a necessidade de compartilhar espaços de poder com as mulheres?
MR- Creio que sim. Pelo menos em alguns países há experiências, sobretudo de lideranças masculinas jovens e de alguns setores políticos, que avançaram fortemente em adotar um discurso e uma estratégia que busca, além das cotas, a igualdade de gênero. É o caso da Costa Rica, onde se propôs uma reforma constitucional que busca criar a igualdade de gênero em todos os âmbitos. Parte-se do princípio de que as mulheres devem estar representadas de forma equivalente ao seu peso na população em todos os setores.

IPS- Na América Latina, as mulheres votam em mulheres. O mito é que não o fazem?
MR- Na verdade, é um mito. A evidência demonstra que é mentira. O que ocorre é que não em todos os países temos estatísticas acessíveis para fazer pesquisas, mas onde elas existem, como no Chile, Peru e México, as mulheres cada vez mais mostram uma brecha de gênero em seu comportamento eleitoral. As mulheres sistematicamente votam em mulheres, mais do que os homens votam em homens. Isso é evidente no caso chileno, onde vemos que em todas as eleições, presidenciais, parlamentares e municipais, há uma brecha de gênero entre 5% e 7%. Se as mulheres têm afinidades ideológicas com as candidatas preferem votar nelas. O que vemos também é que na maioria dos países os homens, como eleitores, cada vez discriminam menos as candidatas. Tudo isto nos mostra que para as mulheres da região o obstáculo não é conseguir os votos, mas ser indicada candidata pelos partidos.

IPS- Se existe suficiente evidência da pertinência e efetividade das cotas de gênero, a que atribui a resistência que ainda geram em alguns países?
MR- Creio que há diferentes tipos de resistência. As ideológicas, no sentido de que setores importantes estão contra políticas de ação afirmativa em geral, de gênero, para povos indígenas, afro-descendentes. Aí há um forte debate político-jurídico sobre em que implicam estas medidas. Também é contra a intervenção do Estado na resolução de temas que são de desigualdade estrutural.Por outro lado, há fortes resistências políticas pelas elites, sobretudo dos homens, porque as cotas implicam necessariamente compartilhar o poder, perder alguns cargos para que as mulheres entrem. Aí existe um cálculo estratégico de interesses muito mais imediato, onde os envolvidos tendem a se negar a qualquer reforma que questione seu já adquirido poder. Esse é um tema muito relevante em diversos países.

Por fim, há quem pense que as cotas de alguma forma vão contra um sistema “meritocrático”. Isto é um desconhecimento de como funcionam estes mecanismos, porque o que as cotas fazem na maioria dos países é simplesmente permitir que as mulheres sejam indicadas. Os eleitores continuam decidindo que chega ao Congresso.

Essa discussão se baseia em uma premissa errada, que é pensar que os atuais processos de nomeação se sustentam na meritrocracia, o que não é verdade. Sabemos que em todos os países da América Latina o processo de indicação tende, em geral, a ser pouco transparente, onde as redes sociais, políticas, de parentesco e amizade têm um papel muito importante. Não significa que os homens são indicados por méritos e as mulheres não.

IPS- Como avançar na igualdade de gênero no poder Executivo e em outros poderes públicos?
MR- Aí temos diferentes experiências. No caso chileno aplica-se a política de paridade, na Colômbia é aplicada uma cota na contratação de funcionários no Executivo, na Costa Rica se avança em estabelecer constitucionalmente a paridade em todos os âmbitos públicos. Pode-se buscar um conjunto de mecanismos. É importante existirem afirmações positivas, incorporar-se a dimensão de gênero em todos os cargos que são de eleição popular, bem como nos de contratação ou designação política. IPS/Envolverde

Nenhum comentário: