domingo, 16 de janeiro de 2011

Perspectivas de gênero, feminismo e condições das mulheres

No contexto das discussões preparatórias para a realização da Conferência Caio Prado Jr., convocada pelo Partido Popular Socialista, é fundamental a consideração de algumas reflexões sobre perspectiva de gênero, feminismo e condição das mulheres visando o aprofundamento e o enriquecimento dos debates.

O feminismo trouxe uma contribuição essencial à política ao colocar que “o pessoal é político” e que a luta pela democracia desenvolve-se “na rua e em casa”, ou seja, na esfera pública e privada. Com esta visão, este movimento político e cultural alertou para a conexão entre estas duas esferas da existência e para o fato de que as práticas democráticas e de dominação que nelas circulam se reforçam mutuamente. Assim, propôs o resgate das relações interpessoais - relações sociais e de poder tanto quanto as relações de trabalho e as relações políticas institucionalizadas – promovendo a sua politização, publicização e reconstrução enquanto objeto de políticas públicas e de construção da cidadania.

As mulheres têm exercido a condição de “sujeito político” em projetos coletivos, prioritariamente de cunho privado (familiar). No espaço público, as mulheres participam ativamente de associações e movimentos na sociedade civil organizada, mas estão pouco presentes nos partidos políticos e têm uma representação muito reduzida nos espaços de poder no âmbito do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), ocupando em torno de 10% destas posições. Considerando que as mulheres, enquanto segmento social e político, têm sido discriminadas, marginalizadas e excluídas dos processos e contextos da política representativa, pode-se afirmar que a crise da política, dos políticos e dos partidos têm sido, basicamente, uma crise que envolve os homens, seu cotidiano e suas práticas.

Os movimentos feministas e de mulheres vêm colocando que a saída para esta crise implica necessáriamente o alargamento da compreensão da ação política para todas as esferas da existência; implica a abertura para o engajamento dos segmentos subrepresentados na política institucionalizada, como as mulheres, a população negra e os jovens; implica a transformação dos partidos políticos em instituições que possam considerar o cotidiano de sujeitos concretos – mulheres, homens; crianças e adolescentes, adultos e pessoas idosas; pessoas de diversas raças e etnias; com diversas expressões de sexualidade; pessoas em condições físicas e mentais diferenciadas; com diferentes formações, ocupações e rendas; com diferentes culturas e visões de mundo; enfim, com diferentes histórias, projetos, interesses e gostos. Para além de considerar os sujeitos concretos, em sua pluralidade, os partidos precisam transformar-se em espaços de enriquecimento humano, pela afirmação de valores caros à humanidade, pelo acolhimento de afetividades, pelo estímulo a idéias e práticas críticas e de cooperação, rumo à construção de espaços e relações democráticas, igualitárias, humanas e fraternas.

A afirmação de uma esquerda moderna e democrática exige a formação e o desenvolvimento de seres humanos maduros que possam estabelecer relações pautadas pela ética, pela criatividade e reciprocidade, pelo respeito às diferenças. Exige o enfrentamento constante de práticas perversas, narcísicas, de retaliação e de aniquilamento do “Outro”. Exige a distinção fundamental entre espaço público e espaço privado, o respeito à coisa pública, à coisa de todas/todos, e o enfrentamento e a superação dos fenômenos de privatização e de partidarização do Estado, de suas políticas, de suas instâncias e recursos.

A construção de um projeto democrático e de desenvolvimento para todas/todos exige a incorporação de uma perspectiva de gênero, ou seja, a visão de que as intervenções públicas precisam levar em conta a história e o cotidiano diferenciado de mulheres e de homens. Nessa medida, é indispensável a adoção e o desenvolvimento de uma perspectiva de gênero nas políticas e nos orçamentos públicos visando desencadear mudanças nas exclusões, desigualdades e discriminações de gênero, fenômenos estruturantes da desigualdade social no Brasil e no mundo. De igual forma, é fundamental a incorporação de uma perspectiva ambientalista e de sustentabilidade, que possa orientar as intervenções humanas, no público e no privado, no sentido do desenvolvimento com preservação e defesa de um planeta mais humano, generoso e acolhedor para as presentes e futuras gerações.

Brasília, 20 de março de 2007.
Almira Rodrigues
p/ Executiva da Coordenação Nacional de Mulheres do PPS

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