quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Almira Rodrigues fala sobre o Aborto

(Brasília, Distrito Federal, Brasil - Comunique-se - ) Iniciei minha atuação política em movimento feminista na década de 80, ainda em Belo Horizonte. Quando retornei a Brasília, em 1986, vinculei-me ao Fórum de Mulheres do DF. Este movimento teve sucesso em várias lutas na cidade: criação da Delegacia de Mulheres; criação do Conselho dos Direitos das Mulheres do DF; campanhas contra a violência contra as mulheres; participação na luta pelos Direitos das Mulheres na Constituinte; inclusão dos direitos das mulheres na Lei Orgânica do Distrito Federal; adoção do programa do aborto legal na rede pública, apresentação de Plataforma Feminista para os candidatos da cidade em períodos eleitorais, entre outras ações.

Almira, participaste de um vídeo produzido pelo CFEMEA defendendo o aborto? Explique melhor o vídeo e sua posição?

Almira:
O vídeo “Por Todas as Mulheres” (http://vimeo.com/15358185) foi produzido pelo CFEMEA, uma importante ONG feminista, e pela produtora de vídeos Illuminnati, antes das eleições. Passa a idéia de que as mulheres não devem ser criminalizadas por realizarem o aborto. Faz a denúncia de que muitas mulheres morrem anualmente pela realização de abortos inseguros. Defende o direito de as mulheres decidirem frente a uma gravidez indesejada - levar a termo a gestação ou realizar a interrupção da gravidez. Defende o direito de escolha das mulheres. Esta é a posição dos movimentos feministas do Brasil e de todo o mundo. Compartilho desta posição.

Porque a questão do aborto se tornou crucial no segundo turno da eleição e não questões economicas, políticas e etc?

Almira: O segundo turno das eleições teve um destaque para a questão do aborto em um determinado momento. Tanto a candidata Dilma quanto o candidato Serra se posicionaram contra o aborto e apresentaram posições conservadoras sobre a questão. Verificou-se que o tema na verdade foi muito mal tratado e utilizado de forma a conquistar votos de setores religiosos em detrimento da consideração da dramática situação das mulheres. Estas posições viraram moeda de troca por votos de pessoas contrárias à interrupção da gravidez.

Porque discutir o aborto é tão importante em nosso país, e em outros países é questão irrisória, tranquila, compreensível?

Almira:
Acho que a conquista do direito de as mulheres realizarem o aborto foi difícil em todos os países. Na Europa e nos EUA a luta iniciou-se já na década de 60 e não foi tranquila. A América Latina é um dos redutos mais conservadores e atrasados na conquista dos direitos sexuais e reprodutivos. Alguns países realizaram plebiscitos nacionais para definir sua posição sobre o aborto, mas na maioria dos países, a interrupção da gravidez foi aprovada e regulamentada pelo Poder Legislativo. No Brasil enfrentamos 21 anos de ditadura militar e esse contexto atrasou um pouco a luta pelo direito das mulheres interromperem a gravidez por escolha própria. Outro aspecto a ser considerado é a forte dimensão religiosa do povo brasileiro. Os governantes e os representantes do povo sempre se melindraram no enfrentamento de questões conflitavam com as forças religiosas. No entanto, considerando que o Brasil é um país laico, a função legislativa não poderia ser realizada a partir de dogmas religiosos e noções de pecado. A discussão sobre a interrupção da gravidez, bem como sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, sobre a eutanásia, entre outros temas, deve se pautar por uma bioética laica.

A maioria das mulheres brasileiras, repito, brasileiras incluindo da mais culta à mais humilde, vê a questão do aborto como você? Qual a visão da maioria, repito, maioria das mulheres brasileiras?

Almira: É difícil avaliar a visão da maioria das mulheres brasileiras sobre o aborto. Segundo algumas pesquisas, sabemos que 1 em cada 7 mulheres já abortou pelo menos uma vez; e que na faixa acima dos 35 a 39 anos, 1 em cada 5 mulheres já realizou um aborto. Ou seja, milhões de mulheres realizam abortos anualmente e destas, um percentual muito expressivo realiza o aborto em péssimas condições acarretando seqüelas e mortes. Os movimentos feministas, com o apoio de outros movimentos sociais, vêm afirmando a noção de que a maternidade não pode ser uma obrigação, mas sim uma escolha das mulheres. Vem ganhando força a perspectiva de que eticamente ninguém tem o direito de obrigar uma mulher a levar a termo uma gestação contra a sua vontade. Assim, o aborto é uma questão de autonomia das mulheres e de saúde pública.

Alguma coisa ficou pendente que gostarias de colocar em nossa entrevista?

Almira: É importante esclarecer que o aborto deve ser considerado no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos. Com certeza, o que todas as mulheres querem, são boas condições para prevenir a gravidez indesejada sem precisarem recorrer ao aborto (assistência médica e orientação para o planejamento familiar, acesso a métodos contraceptivos e esterilização); e, de igual forma, as mulheres querem boas condições para criarem os filhos que escolherem ter.

Nenhum comentário: